Jazz em Monserrate 2023, 19 de Setembro de 2023

Jazz em Monserrate 2023

Jazz no parque

texto: Nuno Catarino / fotografia: © PSML / Atelier Obscura

Depois de uma primeira edição bem-sucedida, o Jazz em Monserrate prometia um programa ambicioso para esta edição de 2023, com um leque amplo de propostas de música portuguesa. Infelizmente a chuva obrigou ao cancelamento de boa parte dos eventos programados, mas ainda tivemos oportunidade de ouvir dois bons concertos.

Há atualmente, no panorama festivaleiro português, vários festivais chamados “Jazz no Parque”. O Barreiro criou em 2019 o seu “Jazz no Parque” (com uma programação forte), na Maia existe o “Jazz no Parque Central”. O original, o ciclo de Serralves que este ano chegou à sua 32.ª edição, foi este ano “obrigado” a alterar a sua designação para se diferenciar – chama-se agora “Serralves Jazz no Parque”. A verdade é que apresentar música criativa num cenário natural envolvente é uma combinação vencedora e festivais destes nunca são demais (embora seja preferível optar por designações originais).

E é num cenário muito bonito que acontece o festival Jazz em Monserrate, nos jardins do Palácio de Monserrate, em Sintra. Depois de uma primeira edição bem-sucedida, o ciclo Jazz em Monserrate voltou em 2023 com uma programação reforçada, com concertos distribuídos em dois fins-de-semana. O ciclo é promovido pela Parques de Sintra, com conceção artística e produção da agência Clave na Mão, e para este ano prometia 13 concertos – com 44 músicos! – distribuídos ao longo de seis dias.

O festival deveria ter arrancado no dia 8 de setembro e, para o primeiro fim-de-semana, estavam previstas atuações de Zé Eduardo Unit, Nomad Nenúfar, Sexteto do Hot Clube de Portugal e Guarda-Rios, além de dois filmes musicados: Filipe Melo & João Lopes Pereira com Beatriz Batarda a musicar “La Jetée” de Chris Marker (1962) e Nuno Costa & Óscar Graça a musicar o filme “I Don't Want to Be a Man” de Ernst Lubitsch (1918). Infelizmente, a previsão de chuva obrigou ao cancelamento de todas estas atuações.


Filipe Raposo e Rita Maria

Rita Maria e Filipe Raposo


O festival arrancou mesmo no dia 15 de setembro, sexta-feira, com a atuação da dupla Rita Maria & Filipe Raposo (19h30). A cantora Rita Maria e o pianista Filipe Raposo já tinham editado um trabalho em duo (“Live In Oslo”, 2018), mas a sua relação musical foi aprofundada e o projeto assumiu o título The Art of Song. Com a edição do CD “The Art of Song, Vol.1: When Baroque Meets Jazz” (Roda Music, 2020), o duo apresentou uma proposta original, o cruzamento do universo barroco com a linguagem jazzística.

Perante uma plateia bem composta, a atuação no jardim de Monserrate arrancou, tal como no disco, com “Les Sauvages (Les Indes Galantes)” (do compositor barroco Jean-Philippe Rameau); seguiu-se um tema de Henry Purcell (ao qual se regressaria). A dupla revelou desde logo as suas credenciais técnicas: Rita Maria exibia a sua grande expressividade da sua voz, a atravessar universos e geografias musicais, sempre à vontade; o piano de Filipe Raposo navegava tranquilamente entre o material mais clássico e as fugas jazzísticas. Seguiu-se uma primeira “Suite”, a incluir temas de Bach com originais dos músicos, revelando a amplitude sonora deste projeto.

Raposo contou, a meio da atuação, que Bach seria «o farol que ilumina o nosso percurso artístico», tendo sido o compositor várias vezes usado e citado. Seguiram-se outros momentos interessantes: “Music for a While” de Purcell, “A um deus desconhecido” (um original de Raposo com inspiração em Bach) e uma segunda suite, “Suite sagrada e profana”, onde se ouviu novamente Bach, alternado com tradicionais portugueses. Se a proposta de cruzar jazz e música barroca é original, Filipe Raposo e Rita Maria trabalham-na com personalidade e rigor, encontrando um terreno novo. A dupla regressaria ara o encore, com “Oblivion soave” de Monteverdi, encerrando a atuação perante o contentamento da audiência. Uma proposta sofisticada e de pendor clássico, que se enquadrava perfeita no envolvente cenário palaciano.

No sábado o Jazz em Monserrate acolheu dois concertos, a performance para famílias “A improvisar é que a gente se entende” de Nuno Cintrão (11h00) e a atuação do projeto “Poezz”, por Pedro Freitas e Kenny Caetano (16h00) – atuações às quais não tivemos oportunidade de assistir.


Maria João & Carlos Bica Quarteto

Maria João & Carlos Bica Quarteto


Já ao fim da tarde (19h30) apresentou-se o Maria João & Carlos Bica Quarteto, com o disco “Close to You” acabado de editar (já disponível nos bandcamps e spotifys). Após uma viagem atribulada, entrámos no parque quando o concerto tinha começado, mas ainda chegamos a tempo de ouvir o tema que dá nome ao disco: a guitarra nervosa, o contrabaixo a dar corpo ao tema, a voz a entrar e assumir o tema, piano a fazer alguns sublinhados: «Why do birds suddenly appear, ev'ry time you are near? Just like me, they long to be close to you». Esta composição de Burt Bacharach (como tantas outras) tem uma magnífica eficácia pop, tocando nos sítios certos; o quarteto português trata de pegar na estrutura do tema, transformando-o com um arranjo original, mas a essência melódica continua lá – e a experiência resulta numa interpretação preciosa.

O tratamento repete-se, tanto em temas alheios (como “Oh My Love”, de Lennon), como em originais (como o belíssimo “Iceland” de Bica): as interpretações são sempre muito interessantes; não se trata simplesmente de revisitar temas com novas roupagens, estas versões do quarteto acrescentam sempre algo novo e diferente, com muito trabalho de detalhe e pormenor. Nesta noite a cantora não estava nas melhores condições (tosse indisfarçável), mas conseguiu apresentar-se globalmente em bom nível, com muito profissionalismo. No contrabaixo, Bica exibiu a solidez habitual, fazendo soar cada corda com peso e intenção; na guitarra, Gonçalo Neto cumpriu com distinção, preciso nas intervenções, tal como o piano de João Farinha (que teve espaço para solar).

Para o final ficou “Acute Angles”, tema original de Maria João e João Farinha, onde a cantora explora o seu canto-storytelling performativo, muito veloz, que é sempre fascinante de assistir. No final do concerto, muito do público começou rapidamente a levantar-se e sair, mas alguns fãs mais fiéis aplaudiram e pediram encore: já com apenas metade do público a assistir, o grupo tratou de interpretar “What a Wonderful World”, popularizada por Louis Armstrong (e escrita por Bob Thiele, o rosto dos anos dourados da editora Impulse!). Um final muito aplaudido.

Para o dia de encerramento, domingo, estavam previstos mais quatro concertos: O Jazz é Fixe! (concerto para crianças), Nomad Nenúfar (que já tinha sido transferido do fim-de-semana anterior), “Olhar o abysmo sem o deixar ganhar” (com Adolfo Luxúria Canibal e Carlos Barretto) e Bernardo Moreira Sexteto com a convidada Cristina Branco. Foram todos cancelados, sem apelo nem agravo, por causa da chuva. Dos seis dias previstos, apenas se concretizaram dois, num verdadeiro pesadelo para a organização. Na memória ficarão guardadas duas noites de boa música.

Agenda

04 Outubro

Carlos Azevedo Quarteto

Teatro Municipal de Vila Real - Vila Real

04 Outubro

Luís Vicente, John Dikeman, William Parker e Hamid Drake

Centro Cultural de Belém - Lisboa

04 Outubro

Orquestra Angrajazz com Jeffery Davis

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

04 Outubro

Renee Rosnes Quintet

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

05 Outubro

Peter Gabriel Duo

Chalé João Lúcio - Olhão

05 Outubro

Desidério Lázaro Trio

SMUP - Parede

05 Outubro

Themandus

Cine-Teatro de Estarreja - Estarreja

06 Outubro

Thomas Rohrer, Sainkho Namtchylak e Andreas Trobollowitsch

Associação de Moradores da Bouça - Porto

06 Outubro

Lucifer Pool Party

SMUP - Parede

06 Outubro

Marta Rodrigues Quinteto

Casa Cheia - Lisboa

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