Jazz Em Agosto 2023
Jornadas Musicais de Jazz*
39 anos é muito tempo. Mas a idade nem sempre significa que os festivais vão ficando melhor. Muitas vezes dá-se o oposto: à medida que se institucionalizam e que os seus orçamentos vão sendo alargados, vão sentindo maior necessidade de serem consensuais, agradar a vários públicos e programar música mais fácil. Quase quarentão, o Jazz em Agosto continua a ser um festival corajoso e a programar jazz de grande qualidade, mesmo quando não é o mais consensual.
2023 foi talvez das melhores edições dos últimos anos, com uma programação muito interessante, sem a obsessão dos “grandes nomes” e com um equilíbrio entre a América e a Europa, o expansivo e o introspetivo, o ritualista e o cerebral.
Estão ultrapassados os anos em que o festival era para uma minoria. Os mil lugares do auditório ao ar livre da Fundação Calouste Gulbenkian foram frequentemente poucos para todos os que gostavam de ter visto os concertos.
Apesar de ter sido um ano particularmente complicado em Lisboa com a migração peregrina de milhares de católicos, que teve um impacto muito negativo em vários aspetos (a Fundação fica a poucos metros do Parque Eduardo VII, o preço dos hotéis ficou proibitivo, os restaurantes apinhados, a mobilidade cortada [muitos dos acessos à Avenida de Berna estavam em restrição absoluta à circulação e os demais fortemente condicionados], e mesmo na falta de moderação [relatos de barulho e incómodo nos hotéis onde músicos ficaram, cânticos, buzinas na rua que eram perfeitamente audíveis dentro dos jardins e no auditório) os concertos durante a semana estiveram sempre acima dos 600 lugares.
O jazz não escapa aos problemas que afetam todas as áreas, com a comodificação das palavras. O vocábulo foi mercantilizado como sinónimo de bon chic bon genre: uma música antiga com um perfume noturno, elitista, tranquila e para gente com bom-gosto. Ainda há quem – não fazendo a mínima ideia do que é o jazz – diz que gosta de jazz. Outros consideram que não pode evolucionar, e que deve ficar para sempre embalsamado entre 1940 e início de 1960. A palavra “jazz” é usada para vender concertos do Lionel Ritchie, Ben Harper, Van Morrison, Tiago Bettencourt, para que se perceba até onde está esgarçada. Assim sendo não admira que algumas pessoas menos informadas, venham até à Gulbenkian à espera de um jazzinho-de-fundo-bossa-nova-que-não-incomode e não consigam ouvir o Evan Parker. É como tirar um índio que sempre viveu na floresta amazónica e colocá-lo a conduzir em Tóquio. Mas a verdade é que são cada vez mais raros os que saem dos concertos e a esmagadora maioria fica até ao fim e interessada. Neste domínio o Jazz em Agosto fez um grande trabalho em Portugal enquanto outros (ex: Guimarães Jazz) obrigaram-se a ir mais na direção do que o público consegue aceitar.
Cinco concertos ficaram na memória este ano: a Red Desert Orchestra da Eve Risser, o Trance Map + (com Evan Parker), os Ghosted, o solo de Marta Warelis e a festa da Supersonic Orchetra de Gard Nilssen. É obviamente uma escolha pessoal, tendo em consideração que a qualidade foi sempre superior.
Positiva a abertura noturna do bar que permite que os músicos, espetadores, e todos os frequentadores possam ficar e criar relações mais sólidas. Precisamos das relações humanas, sem intermediação digital e do sentimento de comunidade. O projeto de acessibilidade para surdos de alguns concertos mais rítmicos do JeA que aqui também noticiámos foi uma excelente e surpreendente iniciativa.
A afluência em grande número de espetadores, com uma presença notória de estrangeiros e a visita de muitos “agentes” do jazz: críticos de outros países, editores, músicos, promotores o que também atesta o reconhecimento do Jazz em Agosto como um dos bons festivais europeus. A qualidade do som para a plateia melhorou.
Negativo: a loja muito raramente conseguiu ter os discos dos concertos e em quantidade suficiente para os poder vender a todos os que o queriam comprar. É incompreensível como é que, nalguns casos com editoras portuguesas que têm em stock os discos dos músicos (ex. LP de Gard Nilssen na Clean Feed) não havia vários discos dos músicos para venda nos espetáculos e a responsável pela “loja” não fazia a mínima ideia do que estava a vender. Alguns músicos trouxeram discos, antes até do lançamento mundial (Gard Nilssen) e não os pode vender na loja (com um público ávido para o comprar).
Aguardamos com expectativas a 40.ª edição.
* Os créditos pela titulagem/trocadilho são devidos a Pedro Santos.