Camille Émaille, 7 de Agosto de 2023

Camille Émaille

Mãos oblíquas: Jazz em Agosto 2023 (dia 11, parte 1)

texto: António Branco / fotografia: Jazz em Agosto – Vera Marmelo

Chegar à Fundação Calouste Gulbenkian nunca foi tão difícil: a juntar à temperatura infernal (não é trocadilho com a jornada religiosa então em curso), o caos nos transportes públicos e um incêndio nos arredores de Lisboa. Enfim, valeram-nos os jardins miraculosos (isto vai) e o facto de o concerto das 18h30 ter decorrido no climatizado Auditório 2, bem-vindos refrigérios para corpos e mentes.

A proposta era um solo de Camille Émaille, jovem percussionista francesa, uma «traficante de instrumentos», como acertadamente lhe chamou o programador Rui Neves, não apenas pela forma como aborda os instrumentos de percussão, digamos, convencionais, aditando-lhes toda uma constelação de novas possibilidades, mas também, e porventura sobretudo, pelo seu lado de inventora dos seus próprios instrumentos.

Um kit de bateria balcanizado, gongos, sinos, chocalhos, címbalos, acessórios de origem ignota, percutidos e friccionados por um arco, baquetas de vários tipos, e pelas mãos, as mãos oblíquas de Camille Émaille, as mãos que brilham quando toca (lembrando Herberto Helder).

 Camille Émaille

Émaille tanto gosta de trabalhar com a tradição, como põe em funcionamento o seu laboratório de experimentações, sempre interrogando, interrogando-se. Talvez esta abordagem telúrica e mundividente lhe venha do facto de ser oriunda da aldeia de Mercantour, nos Alpes Marítimos, não muito distante do Mediterrâneo, zona de cruzamentos civilizacionais. A formação clássica, nos conservatórios de Nice e Estrasburgo, por onde passou antes de ingressar na Academia de Música de Basileia, serviu de húmus para aperfeiçoar sensibilidades e práticas nos terrenos da música contemporânea e da improvisação.

O seu percurso tem sido feito de interpretar música alheia (de John Cage a John Zorn), mas também de solo improvisados, naturalmente singulares e irrepetíveis. O distinto rol de colaborações tem uma palavra a dizer: Peter Brötzmann, Fred Frith, Roscoe Mitchell, William Winant, Jean-Luc Guionnet ou Fritz Hauser são apenas algumas das luminárias das músicas criativas que a ajudaram a expandir horizontes. A pulsão pelo risco e pelos cruzamentos artísticos tem-na levado por colaborar com gente do vídeo, do teatro de sombras, das marionetas, da dança. E todos esses mundos parecem estar ali diante de nós, ao mesmo tempo, pela forma como tentacularmente opera a parafernália de instrumentos, espoletando sensações. 

Camille Émaille faz dos materiais que convoca para estarem consigo em palco uma extensão viva do seu próprio corpo; por isso considera que um solo não é verdadeiramente um solo, na medida em que os instrumentos e outros acessórios são eles próprios fautores do que acontece, agindo como que por conta própria ou fornecendo ideias para que o ser humano presente possa organizar (ou desorganizar) a maleável matéria sonora. No solo sucinto que nos ofereceu – com cerca de quarenta minutos de duração –, a percussionista criou um mundo mágico, multiespacial e multitemporal, vibrante e intensamente orgânico, passível de ser percecionado tanto como uma relojoaria frágil e detalhada, com minúsculos pormenores a interpelar os sentidos, ou como uma construção grandiosa, de geometria em permanente metamorfose. Sons que hipnotizam e revigoram.

Agenda

04 Outubro

Carlos Azevedo Quarteto

Teatro Municipal de Vila Real - Vila Real

04 Outubro

Luís Vicente, John Dikeman, William Parker e Hamid Drake

Centro Cultural de Belém - Lisboa

04 Outubro

Orquestra Angrajazz com Jeffery Davis

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

04 Outubro

Renee Rosnes Quintet

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

05 Outubro

Peter Gabriel Duo

Chalé João Lúcio - Olhão

05 Outubro

Desidério Lázaro Trio

SMUP - Parede

05 Outubro

Themandus

Cine-Teatro de Estarreja - Estarreja

06 Outubro

Thomas Rohrer, Sainkho Namtchylak e Andreas Trobollowitsch

Associação de Moradores da Bouça - Porto

06 Outubro

Lucifer Pool Party

SMUP - Parede

06 Outubro

Marta Rodrigues Quinteto

Casa Cheia - Lisboa

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