Mary Halvorson
A guitarra escorregadia de Halvorson: Jazz em Agosto 2023 (dia 10, parte 2)
Mary Halvorson tem sido acarinhada pelo Jazz em Agosto e por isso temos tido a sua presença no palco do anfiteatro ao ar livre (como sidewoman e como líder) regularmente. Acompanhámos a sua carreira, até ao ponto de reconhecimento internacional que hoje tem.
Já ouvimos o disco “Amayllis”, que justifica este concerto, editado pela major “Nonesuch” que não escapou aos primeiros lugares dos melhores do ano na jazz.pt.
O grupo que formou para tocar as suas composições adotou o mesmo nome e veio até Lisboa apresentar-nos música nova. Do LP original tocaram apenas o tema que o nomeia e retribuíram a consideração do festival, presenteando-nos com música inédita (e até uma estreia mundial, tocada no encore)
Mary Halvorson tem uma linguagem muito própria, não só na guitarra com um uso muito particular do pedal “whammy” que faz com que as suas notas sejam modeladas (para cima ou para baixo), num som de guitarra que parece escorregadio. O concerto confirmou o que já sabíamos: que para além de ser uma guitarrista original é também uma compositora dotada. A instrumentação do seu sexteto tem dois metais – trombone e trompete, guitarra e bateria e a secção rítmica de contrabaixo e bateria. Nick Dunston no contrabaixo foi o músico que mais ficou na memória, não só pela segurança suíça a acompanhar (o baixo de “Amaryllis” parece uma daquelas linhas geométricas de guitarra do Robert Fripp, extremamente difíceis) como solou extraordinariamente.
As novas composições encantaram (com exceção da primeira, que abriu o concerto, que pareceu um exercício demasiado seco e picuinhas de harmonia e arranjo); uma em particular (não estão editadas e Halvorson não as intitulou) começa num solo de contrabaixo, ao qual se junta depois a guitarra a acentuar alguns dos movimentos graves, depois o vibrafone e o resto do grupo de seguida, deixaram uma vontade enorme de ter a gravação para a poder reouvir em repeat. Diria que teremos uma daquelas músicas que vai perdurar.
O preço a pagar pelo privilégio de ouvir música inédita é que ainda não está suficientemente rotinada para que possa ser tocada com à-vontade e para que os músicos se sintam livres para flexibilizarem a pauta. Por isso o concerto não teve grandes momentos de magia, para além da guitarra de Halvorson, do contrabaixo de Dunston e da enorme competência musical do grupo. E um tema belíssimo, que nos deixou com água na boca para a próxima edição. Ouvimos com prazer. O jazz americano ainda tem muito para dar.