Gard Nilssen’s Supersonic Orchestra
Entre a África do Sul e a Noruega cabe um planeta: Jazz em Agosto 2023 (dia 11, parte 2)
A Supersonic Orchestra era um dos concertos mais aguardados desta edição. E ainda bem. São sinónimos de festa, de alegria, de estar-junto-com-amigos e de nos convidarem a estar juntos com eles. Três baterias, três contrabaixos e 11 metais em palco, uma big band preparada para ter uma massa rítmica e melódica igualmente poderosas. Tudo é ritmo e melodia em doses iguais.
Quando a Supersonic chegou ao palco sentiu-se que vinham felizes. Montaram-se muito juntos, como fazem habitualmente (como já reportámos de Ljubljana)
Começaram logo a partir tudo com “The Space Dance Experiment”, o tema que abre o segundo disco “Family” (ainda por lançar). Mette Rasmussen no saxofone alto pôs a plateia em ordem (mais um concerto totalmente esgotado, mais de mil pessoas no auditório) com um solo intenso e berrado. ´
“Spending Time With Ludwig” fez a orquestra acalmar um pouco: um tema escrito para o seu trio (Acoustic Unity) e editado no disco do ano passado saído na ECM, uma melodia deslumbrante que evoca as canções solares do jazz sulafricano. Foi o tempo para Nilssen apresentar o projeto, os músicos e semear o vendaval que se seguiu.
Resume-se grosseiramente assim: melodias alegres, música dançável. É um grupo de músicos à prova de bala, quase todos líderes dos seus próprios projetos (ex: André Roligheten, Eirik Hegdal, Per ”Texas” Johansson, Kjetil Møster, Mette Rasmussen, Signe Emmeluth, Petter Eldh, Ole Morten Vågan, Ingebrigt Håker Flaten) a tocarem pautas que não lhes exigem uma concentração e treino espartano e que lhes dão imenso espaço para interagirem, para falarem uns com os outros musicalmente, para estarem juntos numa ideia de festa; e com essas músicas acessíveis, com essa alegria de as tocar, chamam o público: “If You Listen Carefully The Music Is Yours” (título do primeiro disco) para esta festa coletiva.
Regressamos a uma função primordial da música, aquilo que terá estado na sua origem quando no paleolítico o homem terá começado a juntar ritmos e sons em cerimónias coletivas. A Supersonic Orchestra é sobre isto: sobre o coletivo, sobre nós todos – músicos e ouvintes – e sobre a função social da música. Sobre os seus aspetos ritualistas, pacificadores, catárticos e congregadores. Por momentos não houve “nós” nem “eles”. Eramos todos “nós”, a participar felizes daquele momento único.
Continuam a ser cem contra mil, os vikings a lutar. Mas estes fazem-nos pela alegria, pela inclusão e participação, pela música, por uma ideia de bem-viver. Sem sacralidade, só com um instrumento musical e ideias para o mundo.
O concerto acabou em perfeição com um dos meus temas favoritos do jazz sul-africano: “You Ain't Gonna Know Me 'Cos You Think You Know Me” de Mongezi Feza (divulgado pelo baterista Louis Moholo-Moholo. Um tema sobrenatural que devia estar em todos os “Black Books” e que foi justamente recuperada pelos nórdicos (será a proximidade dos polos opostos?) no início dos anos 2000, quando a banda de Cato Salsa se une à de Mats Gustafsson, Ingebrigt Håker Flaten e Paal Nilssen-Love e Joe McPhee (Two Bands And A Legend).
Um final perfeito também para este festival extraordinário e único que nos põe em contacto com o melhor do jazz atual e contribui decisivamente para que Portugal não seja como outros países, um país de equívocos sobre o jazz.