Marta Warelis
Seria um rag?: Jazz em Agosto 2023 (dia 10, parte 1)
Quem é habitué do Jazz em Agosto sabe que os concertos da tarde são imperdíveis. Apesar de não tocarem no “palco principal” não são secundários, mas sim projetos de menor escala ou que têm um carácter mais intimista. O auditório 2 programa alguns dos concertos mais memoráveis das edições do Jazz em Agosto.
Marta Warelis é polaca de nascimento, mas vive na Holanda desde 2010 e integra a cena da improvisação local. É uma presença regular na mítica Bimhuis que lhe atribuiu em 2017 uma “Carte Blanche” em reconhecimento do seu talento. E é disso que na realidade se trata. A confirmação de um grande talento.
Sentou-se no piano. Fez um alonga respiração antes do concerto, induzindo-se numa espécie de transe musical e começou a tocar. No início a abordagem foi violenta, com enormes massas sonoras, a fazer lembrar o trabalho do compositor Avet Terteriam. Uma enorme energia e torrente de ideias, criavam um percurso sonoro sempre interessante.
Houve um grande controlo do que estava a ser feito, entre acordes gigantescos e fortíssimos e notas desmaiadas, a música estava sempre a interessar-nos e surpreender-nos. Daquele processo começa a surgir um padrão que se vai apresentando. Diríamos um ragtime alucinado. Scott Joplin em coca e LSD (conjuntamente). Lindíssimo.
Veio depois o piano preparado. Warelis usa os processos clássicos de Cage (objetos metálicos, borrachas nas ou entre as cordas, que vibram e abafam o som). Mostrou ter um grande controle da “preparação” e de a usar com um sentido, não deixando de favorecer o acaso.
No caso de Marta Warelis estamos perante uma pianista que traz para a improvisação uma enorme preparação técnica e um conhecimento dos movimentos da música contemporânea. Que improvisa extraordinariamente bem e com uma música própria.
A ideia de “composição em tempo real” que está tão associada à ideia de improvisação total, está aqui tão bem expressa! Que tem uma noção da forma global de um tema longo (a primeira parte do concerto demorou uns 30 minutos) sem deixar de se entregar por completo ao momento. Foi um excelente concerto que nos deixou muito curiosos sobre a música desta jovem pianista e com vontade de a conhecer melhor.
“A Grain Of Earth”, editado pela americana Relative Pitch é o nome do disco que abre as portas para este concerto (votado por Rui Tentúgal para os melhores discos do ano passado) e que esperamos poder relatar aqui na jazz.pt brevemente.