Fire & Water Quintet, 5 de Agosto de 2023

Fire & Water Quintet

Quinteto estelar em águas mornas: Jazz em Agosto 2023 (dia 9)

texto: Nuno Catarino / fotografia: Jazz em Agosto – Vera Marmelo

Para a abertura do seu segundo fim-de-semana de concertos, o festival Jazz em Agosto contou com uma formação allstar: liderado pela pianista norte-americana Myra Melford, o Fire & Water Quintet juntou no palco do anfiteatro ao ar livre da Gulbenkian a guitarrista Mary Halvorson, a saxofonista Ingrid Laubrock, a violoncelista Tomeka Reid e a baterista Lesley Mok. A atuação aqueceu, sem fervilhar.

O concerto arranca apenas com o piano: Myra Melford sozinha, a desenhar um esboço de traços angulares, quase a lembrar Monk, sem perder o centro. A pouco e pouco os outros instrumentos vão-se juntando: o violoncelo de Tomeka Reid, a bateria de Lesley Mok, o saxofone soprano de Ingrid Laubrock e a guitarra de Mary Halvorson. Juntas, entrelaçam-se no motivo, repetindo-o. Até que se abre espaço para improvisação, que vai sendo bem explorada. Pelo palco vão passando os temas do disco, “For the Love of Fire and Water”, álbum que marcou a estreia deste supergrupo Fire & Water Quintet, editado em maio do ano passado pela RogueArt.

Do disco para o concerto há apenas uma mudança, na bateria: na gravação participou Susie Ibarra, nesta atuação em Lisboa atuou Lesley Mok. O método de trabalho do grupo foi sendo repetido ao longo da atuação: o inicio de cada tema era assinalado por Melford, no piano, a solo; os restantes instrumentos iam-se juntando com o tema a evoluir até chegarem as divagações individuais (sempre previamente definidas). Individualmente, e apesar de não forçar demasiado a sua presença, Melford começou por se destacar; com os seus apontamentos pontuais, Myra Melford afirmava o seu discurso pianístico: forte, semi-abstrato, espinhoso, imprevisível.

Destacou-se também Ingrid Laubrock, primeiro no saxofone soprano, depois no tenor; Laubrock é uma excelente instrumentista, com uma discografia que se tem avolumado e cujo pináculo (até ao momento) terá sido o disco “Contemporary Chaos Practices”, de 2018: só em Portugal, foi considerado o melhor disco do ano para a jazz.pt e para o Público. Aqui a trabalhar ao serviço do coletivo, Laubrock esteve mais discreta, mas acaba por ser o elemento pivot, particularmente notável nos momentos de improvisação, com um som flexível – e em diferentes momentos estabeleceu diálogos interessantes em duo com guitarra, violoncelo, bateria e piano.


Myra Melford


A guitarrista Mary Halvorson tem sido presença regular no festival da Gulbenkian – e ainda bem, porque é das mais notáveis criadoras da última década, conforme tem confirmado nos discos “Saturn Sings”, “Away With You”, “Code Girl”, “Amaryllis” e “Belladonna”, ou no trio Thumbscrew. Costumámos ouvir a sua guitarra mais presente e pujante; aqui ouvimo-la em segundo plano, tarefeira, ao serviço de uma causa maior. Ainda assim, o seu som é inconfundível e a sua originalidade fez-se notar. O violoncelo de Tomeka Reid também se mostrou bem integrado: apesar de discreto, Reid contribuía em cada momento sempre com segurança e pertinência. Lesley Mok – baterista de Brooklyn, que não conhecíamos até este concerto, colabora com músicos como David Leon e Anna Webber e integra o grupo de percussão The Forest – terá sido o elemento menos interessante do grupo; mesmo quando teve um momento a solo, não convenceu: levou demasiado tempo a explorar, revelando poucas ideias.

Mais do que prestações individuais, importa salientar que a atuação do quinteto foi marcada pela envolvência do coletivo. As composições de Melford (inspiradas na obra de Cy Twombly) são eficazes como ponto de partida, mas não têm ganchos óbvios. Assim, para que esta música possa florescer, o quinteto tem de explorar o difícil equilíbrio entre composição e improvisação, sendo necessário intérpretes de alto nível para que a sua execução não derrape; as instrumentistas confirmaram a sua competência, mantendo-se sempre à tona. O grupo trabalhou sobretudo temas em tempos médios, numa música marcada por sobriedade e contenção – apenas num tema o grupo se deixou levar num crescendo que resultou em erupção; e só no final, já no encore, o quinteto seguiu uma direção diferente, um tema mais lento, quase balada (bonito final).

Pelo historial dos nomes envolvidos, haveria a natural expectativa de que esta música pudesse fervilhar. Na Gulbenkian, sentimos que a atuação foi globalmente morna, não tendo chegado a borbulhar: a música foi trabalhada com competência (incluindo excelentes detalhes de Melford, Laubrock, Halvorson e Reid), mas ficou no ar a ideia de que o quinteto poderia ter ido mais longe, se tivesse atacado com mais intensidade e fogo.

 
Mary Halvorson


E a seguir?

Para quem gostou do concerto do Fire & Water Quintet, sugerimos o concerto do grupo Amaryllis de Mary Halvorson; um projeto onde também se ouve um equilíbrio entre composição e improvisação, liderado pela guitarrista Mary Halvorson, que aqui poderá ter mais espaço para brilhar (sábado, dia 5, às 21h30).

Agenda

04 Outubro

Carlos Azevedo Quarteto

Teatro Municipal de Vila Real - Vila Real

04 Outubro

Luís Vicente, John Dikeman, William Parker e Hamid Drake

Centro Cultural de Belém - Lisboa

04 Outubro

Orquestra Angrajazz com Jeffery Davis

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

04 Outubro

Renee Rosnes Quintet

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

05 Outubro

Peter Gabriel Duo

Chalé João Lúcio - Olhão

05 Outubro

Desidério Lázaro Trio

SMUP - Parede

05 Outubro

Themandus

Cine-Teatro de Estarreja - Estarreja

06 Outubro

Thomas Rohrer, Sainkho Namtchylak e Andreas Trobollowitsch

Associação de Moradores da Bouça - Porto

06 Outubro

Lucifer Pool Party

SMUP - Parede

06 Outubro

Marta Rodrigues Quinteto

Casa Cheia - Lisboa

Ver mais