Zoh Amba
Um pulmão com uma pessoa à volta: Jazz em Agosto 2023 (dia 7)
Quando chegou ao Jazz em Agosto Zoh Amba já tinha tocado com uma série de estrelas de topo do jazz americano (ex. John Zorn, Vijay Iyer, William Parker,) e gravado vários de discos.
As opiniões extremaram-se. A revista americana Downbeat colocou-a quase na categoria de fraude (“scrappy mix of whoops, wails and plaintive shouts to the universe”); mas a Jazziz diz que ela incorpora o espírito de Albert Ayler (não sei como é que se consegue ouvir isto na sua forma de tocar ou na sua música, mas adiante) e depois a crítica internacional cópi-paisste repete: 1. som térreo e natural por ter vindo do Tenesse (francamemte...!), 2. Albert Ayler, 3. muito nova.
A verdade é que Zoh Amba conseguiu entrar no radar do jazz internacional e a Fundação Gulbenkian quis programar um concerto de uma principiante: assim cada um ouve e vai pelos seus ouvidos.
Franzina não parece ter pulmão suficiente para alimentar a canalização do tenor, mas a verdade é que quando começa a soprar surge um grande som de saxofone e uma energia enorme. Começou logo num registo extremo, gritado, como quem quer marcar uma posição e deixar claro que mesmo com 1m55cm quer jogar na NBA.
O concerto só teve dois registos: o gritado, radical, normalmente nos agudos, e um outro, quase oposto, sereno, com um vibrato muito bom, nos graves. Frases musicais muito pequenas e muito simples. Com o sucessivo agigantar do som nos agudos o concerto ficou previsível e tive pena que não explorasse muito mais o registo grave onde me pareceu haver música que ficou por tocar. No bramido não consegue ter (ainda) recursos suficientes para não ser repetitivva. Gostei imenso do fraseado direto e simples, sem blues ou exageros emocionais, racional, nos agudos. E do tom processional, dolente, nos graves.
A escolha do grupo não foi a melhor; sentiu-se aliás precisamente a falta de um grupo e que a saxofonista do Tenesse ainda anda a experimentar combinações possíveis. Isto de estar sempre a trabalhar com “sessões”, com músicos diferentes, não contribui para a sua construção de uma identidade musical própria.
Chris Corsano é um grande baterista que consegue facilmente estar sempre com o acelerador a fundo e a fazer coisas interessantes. Boa noção dos tempos e da necessidade de mudar. Luke Stewart pelo contrário, apesar de também ser hiperativo a tocar, está muitas vezes numa sopa de graves indistinta, sempre a mudar de ideias, sem nunca desenvolver nada. Não me pareceu ser o ideal para a saxofonista. No disco “O Life, O Light Vol. 1”, com William Parker no contrabaixo (e um décimo das notas), os solos de Amba ficam melhor enquadrados num som mais redondo. Com Stewart há uma espécie de cinzento nos graves e falta de estrutura para que aquele tipo de expressão possa evoluir.
Sobre o ponto 3 dos clichés “zôambísticos” (muito nova). Sim, Amba está no início do início de uma possível carreira com uma música que devemos acarinhar pela coragem de ir por um caminho difícil, que não é original, mas onde não está muita gente (com 23, 32 ou mais velhos); e também porque mostra já ter ideias, coisas para dizer (poucas, o que é natural), pulmão, dedos e vontade. Não vale a pena entrar no endeusamento dos jovens jornadeantes: Zoh Amba é uma hipótese.
Quanto ás inevitáveis referências... uma das estratégias da escrítica para encorpar um texto, é mesmo estranho para mim como é que se pode ir a Ayler e Coltrane para definir o som da saxofonista americana. Charles Gayle, Frank Wrigt e até Zorn, na forma cuspida do ataque.
E a seguir?
Para quem gostou do concerto de Zoh Amba, fica a sugestão de regressar no para o solo de piano de Marta Warelis no último dia, também à tarde, para o solo de percussão de Camille Émaille (18h30)