The Attic, 2 de Agosto de 2023

The Attic

Monólogos conversados a três: Jazz em Agosto 2023 (dia 6)

texto: Gonçalo Falcão / fotografia: Jazz em Agosto – Vera Marmelo

Terça-feira era um dia difícil em Lisboa – dia 1 de Agosto, início do mês calmoso e dos dias turbosos da Jornada Mundial da Juventude, com meia cidade bloqueada. À hora certa ouvia-se claramente no Anfiteatro ao Ar Livre da Fundação Gulbenkian (no meio dos jardins, a muitos metros do passeio público) o ruído dos jovens que voltavam do Parque, em regozijo, entre apitos, buzinas e cânticos, como nas celebrações do Benfica. Mesmo nestas condições hostis o auditório esteve muito completo (aproximadamente 500 pessoas), o que é um claro sinal que o Jazz em Agosto se instituiu nas dinâmicas culturais dos lisboetas (e dos muitos estrangeiros que nos visitam para o festival ou que vivem cá).

O concerto dos “The Attic” foi totalmente improvisado e este género musical é uma prática transparente. Não mente. É relativamente fácil notar quando é má e quando é excelente. Uma das suas características mais interessantes é que, ao contrário de todas as formas musicais em que os músicos têm que concordar, tem que tocar em simultâneo ou em complementaridade, na improvisação total isso pode não acontecer. Os músicos podem só discordar; podem seguir a sua linha de raciocínio sem esperar que ela crie uma conversa, ou que os outros com ela combinem e se juntem ou respondam. Se cada um dos músicos estiver a fazer coisas interessantes, a soma das partes em princípio também o será, mesmo que não tenham produzido encontros, diálogos e similitudes.

Rodrigo Amado

Esta conceção musical é inovadora. Quebra com alguns dos pressupostos que estiveram na base da ideia da improvisação total, muito assente na ideia de composição em tempo real e de conversas musicais abstratas. O concerto dos “The Attic” (cujo disco já ouvimos) foi um diálogo democrático em que os três músicos estiveram em desacordo e conseguiram criar cada um o seu espaço musical e – mais importante – não atropelar o dos outros: três músicos em três solos, que por momentos funcionavam em conjunto e na maior parte das vezes não. E esta fórmula, nada católica, resulta.

Para quem ouve é intenso, com o cérebro a saltar entre cada uma das exposições, numa procura individual (de cada ouvinte) de um sentido.

Foi a primeira vez que Rodrigo Amado (Motion Trio, Wire Quartet), no saxofone tenor, pisou o palco do Jazz em Agosto, uma presença mais do que merecida pela carreira nacional e internacional que o saxofonista construiu. Gonçalo Almeida no contrabaixo - português a residir na Holanda - tem também um percurso notável (destacamos “Ciclos”) o disco a solo que já ouvimos e o baterista Onno Govaert (Cactus Truck, Feecho) que toca de forma singular, não se preocupando muito em definir o tempo (apesar de ter projetos de Afro Beat, está àvontadíssima num mundo em que a bateria serve para partir o tempo em partes iguais). 

Gonçalo Almeida e Rodrigo Amado

Ouvimos um trio clássico de jazz – bateria, contrabaixo e saxofone – virado do avesso em que a secção rítmica pode estar em duas linhas rítmicas diferentes, a bateria não está a marcar o tempo, o contrabaixo não está a sublinhar a estrutura harmónica e o saxofone não está à frente, expondo o tema e solando.

Começaram com força. Fomos atraídos logo de início pelo som excelente de Rodrigo Amado, que atacou com um fraseado clássico (a lembrar Sonny Rollins). Ia ligando pedaços de músicas, algumas delas que pareciam citações (ouvi “Freedom Day”” de Max Roach?). Govaert, como referimos, só no final ensaiou uma marcação de tempos. Durante quse todo o concerto fez a bateria flutuar entre tambores e pratos, sempre a mudar. Talvez pela sugestão vinda do saxofone, acabei por também encontrar um sentido clássico na forma como o holandês tocou, acabando as frases na tarola e no ride, o que me trouxe à memória o estilo de Jo Jones. Foi interessante ouvir três músicos, a tocar três coisas diferentes, numa música muito orgânica em que ao mesmo tempo encontrávamos um zest de elementos tradicionais.

Onno Govaert e Gonçalo Almeida a lutar com o som

Mas nem tudo correu bem. Nos primeiros 15 minutos o som do contrabaixo de Gonçalo Almeida (Spinifex, The Selva, Albatre, Cement Shoes, Hydra Ensemble, etc.) começou a dar problemas e o músico teve que tentar identificar a causa do problema (os cabos) e resolvê-lo, cortando a linha do pickup (que era a que estava a deformar o som), ficando apenas com a do microfone.  Atamancada a questão, continuou, mas aqueles 15 minutos de sofrimento interferiram no seu ligação com o concerto. 

A ideia de trio de jazz posta em causa, revista e repensada. Para o público, esta fórmula inovadora de improvisação total com três músicos numa divergência acordante, resulta numa música intensa, com dezenas de acontecimentos, onde cada ouvinte cria a sua lógica própria para a música.

Uma das qualidades que não abunda no jazz português é a gestão do tempo; o concerto dos “The Attic” teve menos de uma hora de duração, um tempo perfeito para aquela música exigente. Não tendo sido um caso de excelência e singularidade, os “The Attic” no Jazz em Agosto deram um bom concerto, com uma proposta contemporânea, onde um cabo gerundífico deixou marcas.

 

E a seguir?

Para quem gostou do concerto dos “The Attic”, fica a sugestão de não se deixar intimidar pelos cortes de ruas em Lisboa – que não afetam os acessos à Gulbenkian – e regressar no dia 2 de Agosto para ouvir outro trio, o de Zoh Amba, no dia 4 para o quinteto da pianista Myra Melford “Fire And Water”, no dia 5 à tarde para o solo de piano de Marta Warelis no último dia, também à tarde, para o solo de percussão de Camille Émaille (18h30)

Agenda

04 Outubro

Carlos Azevedo Quarteto

Teatro Municipal de Vila Real - Vila Real

04 Outubro

Luís Vicente, John Dikeman, William Parker e Hamid Drake

Centro Cultural de Belém - Lisboa

04 Outubro

Orquestra Angrajazz com Jeffery Davis

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

04 Outubro

Renee Rosnes Quintet

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

05 Outubro

Peter Gabriel Duo

Chalé João Lúcio - Olhão

05 Outubro

Desidério Lázaro Trio

SMUP - Parede

05 Outubro

Themandus

Cine-Teatro de Estarreja - Estarreja

06 Outubro

Thomas Rohrer, Sainkho Namtchylak e Andreas Trobollowitsch

Associação de Moradores da Bouça - Porto

06 Outubro

Lucifer Pool Party

SMUP - Parede

06 Outubro

Marta Rodrigues Quinteto

Casa Cheia - Lisboa

Ver mais