Natural Information Society, 31 de Julho de 2023

Natural Information Society

Um relógio parado está certo duas vezes por dia: Jazz em Agosto 2023 (dia 3, parte 2)

texto: Gonçalo Falcão / fotografia: Jazz em Agosto – Vera Marmelo

A música minimal foi inventada por Eric Satie (Vexations) mas foi na América que medrou com LaMonte Young e foi desenvolvida por uma série de outros músicos, alguns deles seus alunos: Tony Conrad, Terry Riley, Philip Glass, Steve Reich, Arnold Dreyblatt (este bebendo também de Harry Partch), John Adams, Meredith Monk e John Luther Adams (que regressa a Satie com a ideia de “música estática”). Na Europa Michael Nyman, Wim Mertens, Arco Pärt e Louis Andriessen.

Contaminou o Rock (desde logo por causa de John Cale que pertence ao Theatre of Eternal Music /The Dream Syndicate de Young) com os Velvet Underground, Mike Oldfield, Lou Reed (Metal Machine Music) ou Brian Eno (música ambiental), por exemplo. Mas não nos lembramos de muitos exemplos do uso dos princípios minimais no jazz. O que é estranho. Ou não...: o jazz tem uma forte componente rítmica que parece incompatível com o minimalismo. Ou não...

Frank Lowe disse: «Everyone thinks you play something new every time, but that isn’t it. You play the same things. You just dig deeper into them. That’s what Coltrane did. He must have played ‘My Favorite Things’ 500 times (…) and them he played it again, only better, or deeper…».

Natural Information Society + Evan Parker

Nos últimos anos têm surgido uma série de projetos musicais no jazz que recuperam os princípios minimalistas e resolvem a sua aparente inconciliabilidade com o jazz. Alice Coltrane foi a primeira a incorporar os cânticos circulares Krishna mas foram as músicas tradicionais como o Sufi turco ou o Gnawa e a música das montanhas de Jajouka em Marrocos (que Bill Laswell e Brian Jones dos Rolling Stones gravaram) que deram a solução. Primeiro Peter Brötzmann (final dos anos 90) com Maleem Mahmoud Gania – especialista do Gimbri e das músicas cíclicas – e Hamid Drake e agora Joshua Abrams que deixou o baixo quando descobriu este instrumento (espécie de banjo grave feito de madeira e pele com duas cordas).

Joshua Abrams e Mikel Avery

O Gimbri é o motor da Natural Information Society, que assenta na ideia de circularidade continua e na liberdade de cada músico fazer o que quiser dentro de um espaço muito restrito, repetitivo. Foi ele que deu início ao concerto e instalou o tema de baixo que iria construir um tema longo, de mais de uma hora, que construiu o concerto.

Impassível, a linha de baixo deu a entrada com um primeiro ciclo de 11 notas onde os outros músicos foram entrando e instalando-se, cada um com o seu ciclo sobreposto de igual duração. Ao longo do concerto, seguindo as indicações que Abrams, deu com a cabeça, os ciclos foram ficando mais curtos: 9, 5, 3 e 1 notas.

Natural Information Society + Evan Parker

A música evolui sem querer apontar uma direção, disfrutando das pequenas variações que cada um dos membros da NIS ia criando dentro do seu ciclo. A exceção foi Evan Parker, que ficou livre para solar sobre esta base.

Lisa Alvarado (que além de tocar cria pinturas em texteis que trouxe para cenário) tocou Harmónio de fole, um pequeno órgão com um assoprador acionado manualmente, feito na Índia e muito usado nas mantras e na música meditativa. As suas repetições foram tão obcessivamente iguais, que ocuparam grande parte do espaço do grupo e apagaram a sensação que a música esteve sempre em pequena mudança. Alvarado tocou com pouca musicalidade. Apesar usar o seu caldeirão cultural para legitimar os seus processos criativos, querer misturar com profundidade intelectual a sua cultura originária mexicana, a mântrica indiana, a afro-americana do jazz e a composição contemporânea, parece ser mais ainda difícil do que um mestrado em Física Experimental numa Universidade Alemã.

Natural Information Society + Evan Parker

Só Mikel Avery na bateria foi capaz de se sobrepor e de nos dar essa sensação de um uma música imóvel que se vai movendo. Jason Stein no clarinete baixo ficou com um papel muito secundário (o que foi pena porque o seu solo quase no final foi excelente), encurralado entre o órgão aborrecidamente repetitivo e o saxofone soprano de Evan Parker que teve a liberdade de flutuar sobre aquela massa sonora cíclica.

Um bom concerto que deixou a marca que antecipámos. O grupo não parece ter muito mais para dizer para além do que já ouvimos em disco: demasiado longo, excessivamente hirto e previsível, nem sempre foi capaz de nos hipnotizar e encantar com tudo o que acontece quando não parece estar a acontecer nada.

final do concerto NIS

O Público que esgotou por completo os bilhetes para o concerto e encheu o auditório ao Ar Livre da Fundação Calouste Gulbenkian teve uma opinião diferente da minha e aplaudiu entusiastica e longamente de pé o concerto.

 

E a seguir?

Para quem gostou do concerto da Natural Information Society com Evan Parker fica a sugestão de continuar a viagem pela música hipnótica no dia 3 de Agosto com os “Ghosted”

Agenda

04 Outubro

Carlos Azevedo Quarteto

Teatro Municipal de Vila Real - Vila Real

04 Outubro

Luís Vicente, John Dikeman, William Parker e Hamid Drake

Centro Cultural de Belém - Lisboa

04 Outubro

Orquestra Angrajazz com Jeffery Davis

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

04 Outubro

Renee Rosnes Quintet

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

05 Outubro

Peter Gabriel Duo

Chalé João Lúcio - Olhão

05 Outubro

Desidério Lázaro Trio

SMUP - Parede

05 Outubro

Themandus

Cine-Teatro de Estarreja - Estarreja

06 Outubro

Thomas Rohrer, Sainkho Namtchylak e Andreas Trobollowitsch

Associação de Moradores da Bouça - Porto

06 Outubro

Lucifer Pool Party

SMUP - Parede

06 Outubro

Marta Rodrigues Quinteto

Casa Cheia - Lisboa

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