Susana Santos Silva
Esperar por nada é esperar?: Jazz em Agosto 2023 (dia 3, parte 1)
O terceiro dia do festival tinha dois concertos, o primeiro era um solo de Susana Santos Silva. A trompetista portuguesa está num momento cimeiro da sua carreira e creio não ser exagero dizer que é atualmente o músico português com uma notoriedade internacional maior, convidada para variadíssimos grupos e projetos por tudo o mundo, muito relevantes.
Paralelamente tem construído um percurso a solo que pontua ou assinala momentos e lugares do seu percurso (musical e pessoal).
O solo no Jazz em Agosto foi dividido em cinco partes com igual número de processos diferentes, com as mudanças claramente assinaladas por cinco vídeos diferentes a preto e branco. O Auditório 2 estava cheio.
Entrou no palco discretamente, sem palmas e disparou logo o primeiro vídeo e um contínuo eletrónico agudo que iria acompanhar a primeira peça. No ecrã uma bola gigante branca (candeeiro) atraía mosquitos. O trompete severamente captado por dois microfones processavam o som de maneiras diferentes, Zumbiam agudos. A música respeitava a personalidade tímbrica e sonora do trompete com contínuos longos que de algum modo nos ligaram a “All The Rivers”, em que a trompetista improvisa com a arquitetura reverberante do Panteão Nacional.
Pelo meio apareceram colagens sonoras, muita manipulação eletrónica, poesia dita/tocada num processo que parecia a quem o ouvia que tinha muito de auto-biográfico e de catártico. Muito do trabalho da trompetista foi gerir o processamento dos sons que entravam pelos microfones, muitas vezes curtos, que era infinitamente prolongados eletronicamente.Lembrámos os concertos/histórias/psicanálise de Laurie Anderson, cuja beleza musical e visual é imensa e interdependente.
Musicalmente não foi o melhor que já ouvimos da trompetista. O processamento inicial muito intenso não nos deu nada de particularmente interessante, o aparecimento de outros instrumentos - flautim, unhas – foi rapidamente engolido. Os textos ditos/tocados com convicção (a trompetista dizia o texto/poema e quase em simultâneo tocava fazendo com que a música nos sugerisse ideias para lá das palavras) nem sempre soaram sólidos. Faltou edição a todo o concerto e alguma articulação (ou então separação) a cada uma das partes.
Foi bom ver um músico com este sentido exploratório, que arrisca e em que tudo o que faz que tem um projeto próprio, original, integrando imagem e som com muito bom gosto (e este é muito raro no meio musical). Ficamos a pensar em quanto disto não se deverá a uma formação feita fora de Portugal, livre de uma série de ideias atávicas que ainda marcam algum do nosso ensino superior tão endogâmico. O concerto estava bem definido, pensado, ensaiado e sólido. Trouxe coragem e uma ideia. Se um dos predicados já é complicado, os dois juntos são como a beleza para Ornette: “a rare thing”.