Orquestra de Jazz da Universidade de Aveiro com Shai Maestro

Expressividade e vertigem

texto: Nuno Catarino / fotografia: Universidade de Aveiro – Vitor Teixeira

Nascido no ano de 2021, o Campus Jazz é uma notável iniciativa promovida pela Universidade de Aveiro (UA) que alia uma permanente vertente formativa com diversos momentos performativos, fazendo a ligação da academia com o mundo do jazz. Com curadoria de Susana Sardo, Margarida Almeida e João Martins, esta iniciativa é organizada pelo Centro de Estudos de Jazz da UA, o centro de pesquisa que foi fundado como resultado da doação da coleção de José Duarte em 2003 e que tornou Aveiro um ponto central na investigação do jazz em Portugal.

Chegado à sua terceira edição, o Campus apresentou um programa vasto, distribuído ao longo de mês e meio. Um dos momentos mais aguardados do programa deste ano era a atuação da Orquestra de Jazz da UA com o pianista israelita (com passaporte português, ficámos a saber!) Shai Maestro. O concerto teve lugar no Auditório Renato Araújo, no edifício da Reitoria, no dia 2 de junho. 

A Orquestra de Jazz da UA é constituída por alunos da Licenciatura em Música, músicos oriundos da erudita, muitos deles sem qualquer ligação prévia ao jazz. Dirigida por João Martins, esta formação reúne um conjunto de jovens em processo de aprendizagem, para os quais esta experiência é sobretudo um processo de descoberta, que poderá abrir horizontes para alguns dos participantes. Nas duas edições anteriores, a orquestra colaborou com o saxofonista Andy Sheppard (em 2021) e com o trompetista Philip Dizack (2022). 

Com quatro dezenas de músicos em palco, a orquestra começou por se mostrar com a interpretação de um standard intemporal, “Night and Day”, uma opção segura; seguiu-se uma escolha menos óbvia, “Shape of My Heart” de Sting. Desde logo, destacavam-se os arranjos, expansivos, que davam a possibilidade de integrar a alargada panóplia instrumental; a tarefa não era fácil, pois além dos tradicionais naipes de sopros e secção rítmica, encontramos aqui instrumentação menos habitual nas big bands de jazz (como cordas, fagote ou acordeão), juntando-se ainda sete vozes (cantoras). Os jovens revelaram desde cedo uma interpretação aprimorada, conseguindo criar um som de grupo bem trabalhado.

Depois desses primeiros dois temas, entrou em palco o pianista Shai Maestro, que se juntou à orquestra. Maestro começou sozinho no piano, a improvisar uma introdução/prelúdio àquilo que, descobrimos mais tarde, seria “Nature Boy” (desvendando a melodia apenas no final desse momento, abrindo a ligação com a orquestra). O tema do lendário eremita Eden Ahbez, tornado popular na voz de Nat King Cole, foi-se desenvolvendo pela participação da orquestra que, com Maestro ao lado, pareceu crescer.

Juntou-se depois também em palco o trompetista Philip Dizack, membro do quarteto de Maestro (que já havia participado na edição 2022 do Campus Jazz). Com o clássico natalício “A Child is Born” (de Thad Jones), a orquestra teve um primeiro momento em que exibiu toda a sua pujança, construindo uma monumental “wall of sound” ao aproveitar todo o espectro instrumental disponível. Depois deste aquecimento com temas mais populares, seguiu-se uma sequência de composições originais de Maestro, incluindo temas criados pelo israelita para a sua colaboração com a Orquestra de Câmara Portuguesa, dirigida por Pedro Carneiro, em 2022.

Os alunos trataram de interpretar os temas com competência e o som global foi sólido; embora não tenha havido espaço para grandes momentos individuais dos alunos, destacaram-se dois momentos especiais: um solo de saxofone e outro da bateria (Miguel Rodrigues, muito confiante em palco). Os convidados, Maestro e Dizack, iam exibindo a sua assombrosa qualidade técnica em cada intervenção, destacando-se a forma como introduziam ideias e detalhes com fluidez (e deixando alguns elementos da orquestra boquiabertos!). Entre o pianismo vertiginoso de Maestro (que não se ficou apenas pelo piano, também se serviu do sintetizador) e a magnífica expressividade do trompete, nasciam pormenores deliciosos que se colavam ao tapete instrumental da orquestra.

No momento em que se dirigiu ao público, Maestro salientou a união estabelecida, dizendo que o jazz é uma música de comunidade. Para fechar a atuação, no encore, a orquestra atacou outro standard, “There will never be another you”, onde teve finalmente uma aproximação ao swing, como referiu Martins. Apesar de terem tido apenas dois dias de trabalho de preparação, Maestro e orquestra apresentaram em Aveiro um ótimo espetáculo. E, mais do que o momento do espetáculo, esta experiência poderá levar alguns destes jovens a quererem desbravar os caminhos do jazz e das músicas improvisadas.

No mesmo dia, durante a tarde, o Campus Jazz promoveu uma “Jazz Talk”, uma animada mesa-redonda sobre o tema “Jazz e media”, tendo-se seguido uma sessão de homenagem a dois divulgadores pioneiros do jazz em Portugal, José Duarte (1938- 2023) e Manuel Jorge Veloso (1936-2019); foi também assinado o contrato de doação do espólio de Manuel Jorge Veloso à UA, com Maria José Veloso (doadora) e Paulo Jorge Ferreira (reitor da UA), que assim amplia o seu acervo e reforça como centro para a investigação do jazz em Portugal.

Ainda na mesma noite, após o concerto principal, o espaço GreTUA acolheu um concerto e jam session, com o Mauro Ribeiro Trio (Mauro Ribeiro na guitarra, Miguel Calhaz no contrabaixo e Alexandre Coelho na bateria).

Informação adicional: Conforme já noticiámos aqui na jazz.pt, Shai Maestro tem dois concertos agendados para Portugal: no dia 30 de junho atua com o seu quarteto no festival Jazz no Parque, no Barreiro; no dia 28 de julho apresenta-se a solo no festival Jazz na Praça da Erva, em Viana do Castelo.