20.º Aniversário JACC – Jazz Ao Centro Clube
Festa ao centro
Para a celebração dos seus 20 anos, o JACC – Jazz Ao Centro Clube organizou um fim-de-semana de concertos, entre os dias 28 e 30 de abril, assinalando também o Dia Internacional do Jazz. A festa fez-se com atuações de Ricardo Toscano Trio, Godua, Marcelo dos Reis “Flora”, Aruan Ortiz Trio e Quarteto CP Jazz. Estivemos lá.
Criada em 2005, a jazz.pt surgiu por iniciativa do JACC – Jazz Ao Centro Clube. Este foi um dos primeiros projetos desenvolvidos pela associação de Coimbra, além da promoção do festival Jazz Ao Centro. Desde então o JACC embarcou noutros desafios, como a criação do selo editorial JACC Records e a gestão da histórica sala de concertos Salão Brazil, além de outros projetos. Agora, o JACC chegou ao seu 20.º aniversário. Para a festa de celebração dos seus 20 anos, o JACC organizou um fim-de-semana de concertos, entre os dias 28 e 30 de abril, assinalando também o Dia Internacional do Jazz. A festa fez-se com atuações de cinco formações: Ricardo Toscano Trio, Godua, Marcelo dos Reis “Flora”, Aruan Ortiz Trio e Quarteto CP Jazz.
Na noite de 28 de abril, no dia seguinte a terem recebido o prémio de “melhor álbum jazz” nos Prémios Play, pelo álbum “Chasing Contradictions”, e depois de terem tocado no festival Portalegre Jazzfest, o Ricardo Toscano Trio viajou até Coimbra. O Salão Brazil recebeu o trio e a sala foi alvo de uma reconfiguração especial: o grupo não subiu ao palco, ficou ao centro da sala, rodeado pelo público com cadeiras a toda a volta (como já tinha acontecido na atuação do duo Dave Douglas & Joey Baron). A atuação do trio – Toscano no sax alto, Romeu Tristão no contrabaixo e João Lopes Pereira na bateria – arrancou com um tema de Monk, “Played Twice”, que serviu para arrancar os motores. O segundo tema abriu com uma introdução pelo contrabaixo, para depois entrar o saxofone com toda a fogosidade; o fado “Súplica / Vagas Paixões” é o tema do disco onde Toscano melhor revela a sua expressividade, e em Coimbra voltou a entregar-se em alta intensidade emotiva: Toscano premium. Seguiu-se “Orange Blossom”, o single/tema de apresentação do disco, uma composição bonita, de cantos arredondados, interpretada com rigor. O trio passou por “Totem”, composição de Pereira que se revela enganadora; se ao início soa simples e repetitiva, vai-nos embalando na sua cadência hipnótica e desenvolvimento lento; no Salão Brazil o tema foi estendido com um (excelente) solo de Pereira no final. E “Chasing Contradictions”, outro original de Toscano, a fechar a apresentação do disco; são só cinco músicas e está ótimo. O trio interpretou ainda dois temas extra-disco: uma revisão deliciosa do mega-standard “Stardust”, com intensidade e doçura nas doses certas; e “Thelonious” (de Monk), com o trio a meter a quinta para fechar a atuação com pujança. O trio regressaria para um encore, após aplauso entusiasmado do público. Não foi por acaso que o trio venceu o prémio Play e foi distinguido como o melhor disco do ano para a equipa jazz.pt. Estes três músicos são magníficos instrumentistas e trabalham cada composição com esmero.
Na tarde de sábado o JACC promoveu nos Claustros do Colégio da Graça um concerto com o quarteto Godua. Este grupo junta quatro jovens músicos, todos em processo de afirmação, todos com ligação à cidade de Coimbra: Hugo Ferreira na guitarra elétrica, Duarte Ventura no vibrafone, João Fragoso no contrabaixo e João Cardita na bateria. O quarteto interpreta temas originais, composições de Ferreira e Ventura, e, apesar de ainda muito jovens, os quatro revelam-se instrumentistas muito sólidos. Destaca-se desde logo o som refinado da guitarra; o vibrafone de Ventura exibe uma linguagem ampla, além de ótima articulação; contrabaixo e bateria funcionam como complemento rítmico atento. O grupo mostrou uma boa dinâmica coletiva e, entre momentos de maior energia e outros de maior detalhe, apresentou música original e bem executada, com ideias frescas. O espaço era bonito, mas a fruição desta música talvez fosse mais adequada num espaço fechado, mais intimista.
Na noite de sábado, Marcelo dos Reis levou ao Salão Brazil a música do seu projeto Flora. Tendo uma forte ligação a Coimbra e particularmente ao JACC, o guitarrista tem explorado sobretudo a improvisação livre, com colaborações e parcerias que o têm levado a atravessar a Europa (Luís Vicente, Eve Risser, Angelica Salvi e muitos outros). Há dois anos lançou um registo solo, “Glaciar”, onde apresentava temas originais em formas mais estruturadas; e agora, apresenta aqui uma música diferente daquela a que estávamos habituados, com composições interpretadas em trio. No palco do Salão Brazil, a guitarra de Marcelo teve a companhia dos parceiros habituais Miguel Falcão no contrabaixo e Luís Filipe Silva na bateria. O concerto arrancou com problemas: uma corda da guitarra partiu-se logo na primeira música. Enquanto Marcelo substituía a corda, contrabaixo e bateria foram enchendo o espaço; Marcelo regressou e as coisas entraram nos eixos. O trio interpretou os temas originais com energia, num jazz-rock irresistível com ganchos que prendem. No palco, os sorrisos dos músicos trocavam evidenciavam a ótima interação musical. O público apreciou, o trio regressou para o encore e interpretou “Brown Rice”, tema de Don Cherry. Foi uma despedida perfeita, com a energia certa.
Para o final da tarde de domingo estava agendado aquele que seria o concerto mais aguardado do programa: a atuação do trio do pianista Aruán Ortiz no Convento de São Francisco. O pianista – nascido em Santiago de Cuba, a viver em Nova Iorque há 20 anos – tem desenvolvido sobretudo trabalho em trio e nesse formato acaba de editar o disco “Serranias” (Intakt), gravado com Brad Jones no contrabaixo e John Betsch na bateria. Betsch não viajou até Coimbra, sendo substituído por Jeff Ballard (substituição inesperada, mas curiosa). Antes de começar a tocar, Ortiz começou por apresentar os músicos e anunciou que não iria falar durante o concerto. E assim foi, com o pianista ao leme, o trio trabalhou duas peças longas, sem interrupções. Com a atuação assente no disco mais recente, o grupo ia interpretando os temas e ligando-os, com fluidez e naturalidade, atravessando diferentes atmosferas sonoras. O pianista trabalha uma música cerebral, uma música muito angular; o piano de Ortiz absorve múltiplas referências e daí cria algo novo: um pianismo contemporâneo criativo, que desafia o ouvinte e se revela muito rico, muito recompensador. Com o piano de Ortiz a conduzir, Jones e Ballard assumiram inevitavelmente papéis secundários, mas sempre atentos e precisos no acompanhamento; próximo do final, Ballard arriscou um momento solo que resultou bem. Ortiz levou a Coimbra uma verdadeira experiência imersiva, sem pausas, um longo mergulho num universo musical vasto e rico.
A festa de 20 anos do JACC encerrou no Salão Brazil, na noite de domingo, com a atuação do Quarteto CP Jazz (concerto ao qual já não tivemos oportunidade de assistir). Desde a sua fundação, o JACC sempre fez questão de promover o jazz contemporâneo vivo, não se fica pelo jazz das fotografias a preto-e-branco. Neste fim-de-semana de celebração, o JACC honrou a sua história e acolheu diferentes formas de jazz, sempre música viva.