Marc Ribot The Jazz-Bins, 23 de Abril de 2023

Marc Ribot The Jazz-Bins

Órgão vital

texto: Nuno Catarino / fotografia: Ovar/Cultura

O festival Ovar em Jazz apresentou um programa diversificado onde se destacava o guitarrista norte-americano Marc Ribot, que atuou com o seu projeto The Jazz-Bins (data única em Portugal). Fomos até Ovar assistir à estreia nacional deste trio original, onde o órgão Hammond B3 é o instrumento vital.

O programa da edição deste ano do festival Ovar em Jazz, que se realizou entre os dias 19 e 22 de abril, deu especial enfoque às vozes femininas, apresentando concertos de Carmen Souza e Maria Mendes (atenção ao álbum “Saudade, Colour of Love”) e uma masterclass com Maria João. O programa incluía mais dois projetos nacionais, Math Trio de João Mortágua (edição Roda) e Umbral de Nuno Trocado e Jorge Louraço Figueira (edição Porta-Jazz), e o trio galego Fuzzo (de Virxilio da Silva, Xan Campos e Chus Pazos). Mas o maior foco de atenção incidia naturalmente sobre o guitarrista norte-americano Marc Ribot com o seu projeto The Jazz-Bins: esta atuação em Ovar foi data única em Portugal e a jazz.pt teve oportunidade ir assistir à estreia deste grupo em solo nacional.

Sejamos claros: de Marc Ribot interessa ouvir tudo. Sempre na margem, e nas margens do jazz, do rock e música exploratória, a guitarra de Ribot é omnipresente na música criativa dos séculos XX e XXI, com colaborações que vão de John Zorn a Tom Waits, e uma ampla personalidade musical que é revelada sobretudo ao leme dos seus próprios projetos, como Ceramic Dog, Los Cubanos Postizos (que atuaram no FMM Sines), Rootless Cosmopolitans, Spiritual Unity (homenagem a Ayler) ou Songs of Resistance (que vimos no Jazz em Agosto). Este projeto The Jazz-Bins é uma espécie de regresso ao passado, evocando os primeiros tempos de Ribot como músico, quando integrou a banda do lendário organista “Brother” Jack McDuff em 1979. O nome é enganador, The Jazz-Bins poderá soar a “has-beens” (“os acabados” ou “os ultrapassados”), mas Ribot trata sempre de surpreender; não podemos esperar apenas um olhar para o passado, porque se ele dá um passo atrás irá dar dois em frente. E assim foi, na bem composta sala do Centro de Artes de Ovar (CAO), na noite de 21 de abril.

Esta formação foi criada à volta do Hammond B3; Ribot é o líder e mentor mas aqui o órgão é o instrumento vital. Pensando na ligação de guitarra e órgão no jazz, poderíamos à partida apontar como referências o som do “duo dinâmico” de Jimmy Smith e Wes Montgomery e o soul jazz; Ribot e companheiros não rejeitam a tradição, vão lá beber, mas trazem-na para o presente. A guitarra de Ribot guia o grupo, é o esteio principal; e o virtuosismo de Greg Lewis leva o instrumento para diferentes mundos sonoros. Na bateria não tem havido lugar fixo, já lá tocaram Chad Taylor e JT Lewis; em Ovar (e nesta tour europeia), a bateria esteve a cargo de Joe Dyson, ótimo baterista (e bandleader) que descobrimos no festival Angrajazz do ano passado; na altura, a meio da sua atuação no festival açoriano, Dyson convidou Ricardo Toscano a juntar-se em palco; o saxofonista safou-se bem e já este ano foi convidado por Dyson para substituir o saxofonista do grupo (Stephen Gladney) num concerto em Paris.

O grupo abriu o concerto em Ovar a dar tudo, revelando alta intensidade. Ao segundo tema, em contraste, o trio amoleceu, abrandou, mudando para registo de balada. E com esse arranque o trio revelou todo o seu jogo. A guitarra de Ribot é assertiva, som impecável, nunca se mostra previsível, por vezes chega a ser abrasiva. O discurso não segue linhas retas, desafia o ouvinte. O som do órgão segue a guitarra, é envolvente, por vezes delicado: pela tradição ligada à igreja, a sua sonoridade evoca religiosidade, espiritualidade; e Lewis era capaz de criar momentos angelicais; noutros momentos conduzia o órgão em espirais de som denso, demoníaco, um verdadeiro tufão sonoro. Na bateria, Dyson mostrava uma perfeita capacidade de adaptação ao grupo, contribuindo com a propulsão rítmica intensa, assinando também bons momentos solo. No palco, afirmou-se rapidamente como o terceiro vértice de um triângulo muito equilibrado. Três excelentes instrumentistas, uma boa conexão e quase sempre no vermelho. Com a coolness natural, Marc Ribot ia lançando na guitarra tema sobre tema, quase sem dar tempo para se ouvirem os aplausos do público entre as músicas; Ribot poupou nas palavras, apenas se dirigiu ao público para apresentar os músicos. E não precisou de dizer mais nada, porque a música já dizia tudo e está tudo bem. Tivemos oportunidade de assistir a um excelente concerto, que o público ovarense testemunhou e reconheceu, obrigando o trio a regressar para um encore. 

Após este concerto no auditório principal do CAO, atuou no bar do Centro de Artes o grupo Math Trio de João Mortágua, com Diogo Dinis no contrabaixo e Pedro Vasconcelos na bateria. Mortágua e parceiros abriram a atuação com o turbo ligado; Mortágua arrancou no saxofone soprano (curvo), mudou depois para o habitual alto. Além do vibrante fluxo de ideias de Mortágua (já devíamos estar habituados, mas somos sempre surpreendidos), também da bateria de Vasconcelos se ouvia um constante fervilhar de ideias. O trio, sempre bem interligado, mostrou a música do disco homónimo editado em 2021. O grupo português tinha um trabalho difícil, ao atuar depois do trio de órgão de Ribot, mas a tarefa foi superada. Saímos de Ovar com vontade de regressar.


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