Ill Considered
Como um boxeur no dia seguinte ao combate
Três músicos num palco, mas soavam a muito mais. Muito fumo e luzes. O ambiente do clube do Cais do Sodré estava perfeito. Os Ill Considered devem ser muito mais considerados, mas até os ouvirmos ao vivo, não o sabíamos. De soar a sovar vai um vê de distância. E o vê esteve lá..
Começámos com um baixo dub, profundo e denso em ciclos repetitivos. Por cima estava um saxofone desgostoso a repetir a mesma frase; a criar melodias, também baseadas na repetição, que evoluiam lentamente. A bateria contava outra história. Era um boxeur entre as cordas de um ringue: superatenta, rapidíssima, frequentemente no limite do que as máquinas criam para o trance.
A música estava a ser improvisada, feita no momento, a partir destas pequenas ideias: e não há nada mais belo do que ver, ao vivo, do pouco fazer-se muito. É talvez este a maior atração que o jazz oferece.
Tudo parte de ideias melódicas curtas, baixos cíclicos. O saxofonista Idris Rahman parecia que tinha o pulmão ligado a um compressor. Nunca parou, sempre a soprar repetições, adicionando mais uma nota, e depois outra, fazendo a música evoluir lentamente por cima de um imenso groove de baixo e bateria.
Esta fórmula – baixo, bateria e saxofone – quando é bem usada, é uma coisa extraordinária. Vem de trás (Sonny Rollins na Freedom Suite, Ornette no Golden Circle, Dave Holland Triplicate, por exemplo) e quando levou com a eletrificação renovou-se.
Foi esforçada ao máximo com os Painkiller de John Zorn/Bill Laswell. Curiosamente a (ainda por reconhecer) baixista Carol Kaye, que toca com palheta, apesar de não ter (que eu saiba) nenhum registo neste formato é aquela que, mostrará de forma mais clara esta ideia de um baixo simples e direto, sem ser necessariamente funky (como em Miles) a funcionar (e mais tarde Steve Swallow). E é pela estrada de Kaye que o baixista Liran Doni vai. Sem nunca ser jamaicano ou magrebino – mas usando bem a receita - manteve sempre uma certa simplicidade e os níveis de referenciação dentro dos recomendados. A sua forma de tocar não tem demasiado raggae nem funky. Usa um som sísmico (claramente descendente de Laswell) e um fraseado de ciclos curtos, muito bonitos, que permitem ao saxofone ter a liberdade total numa base que abana, mas não cai.
Emre Ramazanoglu cansou-nos só de ver, usando ritmos muito rápidos e simples, na órbita do trance, mas sempre a recombinar, variar, criando uma ilusão entre estabilidade e mudança muito atraente (não deixou de nos vir à memória os portugueses Olive Tree Dance). Mesmo quando a base rítmica soou tuaregue (num dos temas a bateria entrou em modo “camel, camel”), nunca se deixou ficar no mesmo lugar e conseguiu sempre surpreender.
Os Ill Considered podem estar de facto a ser mal considerados. A sua música é muito boa e o concerto no Music Box foi extraordinário. O trio merece sair do local de culto que agora ocupa e alcançar maiores audiências, mais consideração. A maneira como idealizaram a sua música é muito transversal. Saber bem ligar Grooves penetrantes, canções melancólicas e ritmos agitantes é uma “rare thing”.
Sabem ouvir-se uns aos outros muito bem. Soltam uma energia boa e uma enorme versatilidade com ingredientes muito simples. Deram um grande concerto em Lisboa num dos melhores clubes da capital para se ouvir música ao vivo.