Ill Considered, 2 de Abril de 2023

Ill Considered

Como um boxeur no dia seguinte ao combate

texto: Gonçalo Falcão / fotografia: jazz.pt

Três músicos num palco, mas soavam a muito mais. Muito fumo e luzes. O ambiente do clube do Cais do Sodré estava perfeito. Os Ill Considered devem ser muito mais considerados, mas até os ouvirmos ao vivo, não o sabíamos. De soar a sovar vai um vê de distância. E o vê esteve lá..

Ill Considered no Music Box

Começámos com um baixo dub, profundo e denso em ciclos repetitivos. Por cima estava um saxofone desgostoso a repetir a mesma frase; a criar melodias, também baseadas na repetição, que evoluiam lentamente. A bateria contava outra história. Era um boxeur entre as cordas de um ringue: superatenta, rapidíssima, frequentemente no limite do que as máquinas criam para o trance.

A música estava a ser improvisada, feita no momento, a partir destas pequenas ideias: e não há nada mais belo do que ver, ao vivo, do pouco fazer-se muito. É talvez este a maior atração que o jazz oferece.

Tudo parte de ideias melódicas curtas, baixos cíclicos. O saxofonista Idris Rahman parecia que tinha o pulmão ligado a um compressor. Nunca parou, sempre a soprar repetições, adicionando mais uma nota, e depois outra, fazendo a música evoluir lentamente por cima de um imenso groove de baixo e bateria.

Ill Considered no Music Box

Esta fórmula – baixo, bateria e saxofone – quando é bem usada, é uma coisa extraordinária. Vem de trás (Sonny Rollins na Freedom Suite, Ornette no Golden Circle, Dave Holland Triplicate, por exemplo) e quando levou com a eletrificação renovou-se. 

Foi esforçada ao máximo com os Painkiller de John Zorn/Bill Laswell. Curiosamente a (ainda por reconhecer) baixista Carol Kaye, que toca com palheta, apesar de não ter (que eu saiba) nenhum registo neste formato é aquela que, mostrará de forma mais clara esta ideia de um baixo simples e direto, sem ser necessariamente funky (como em Miles) a funcionar (e mais tarde Steve Swallow). E é pela estrada de Kaye que o baixista Liran Doni vai. Sem nunca ser jamaicano ou magrebino – mas usando bem a receita - manteve sempre uma certa simplicidade e os níveis de referenciação dentro dos recomendados. A sua forma de tocar não tem demasiado raggae nem funky. Usa um som sísmico (claramente descendente de Laswell) e um fraseado de ciclos curtos, muito bonitos, que permitem ao saxofone ter a liberdade total numa base que abana, mas não cai.

Ill Considered no Music Box  

Emre Ramazanoglu cansou-nos só de ver, usando ritmos muito rápidos e simples, na órbita do trance, mas sempre a recombinar, variar, criando uma ilusão entre estabilidade e mudança muito atraente (não deixou de nos vir à memória os portugueses Olive Tree Dance). Mesmo quando a base rítmica soou tuaregue (num dos temas a bateria entrou em modo “camel, camel”), nunca se deixou ficar no mesmo lugar e conseguiu sempre surpreender.

Os Ill Considered podem estar de facto a ser mal considerados. A sua música é muito boa e o concerto no Music Box foi extraordinário. O trio merece sair do local de culto que agora ocupa e alcançar maiores audiências, mais consideração. A maneira como idealizaram a sua música é muito transversal. Saber bem ligar Grooves penetrantes, canções melancólicas e ritmos agitantes é uma “rare thing”.

Sabem ouvir-se uns aos outros muito bem. Soltam uma energia boa e uma enorme versatilidade com ingredientes muito simples. Deram um grande concerto em Lisboa num dos melhores clubes da capital para se ouvir música ao vivo.

Ill Considered no Music Box

Agenda

10 Junho

Imersão / Improvisação

Parque Central da Maia - Maia

10 Junho

O Vazio e o Octaedro

Parque Central da Maia - Maia

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Marta Hugon & Luís Figueiredo / Joana Amendoeira “Fado & Jazz”

Fama d'Alfama - Lisboa

10 Junho

Maria do Mar, Hernâni Faustino e João Morales “Três Vontades de Viver”

Feira do Livro de Lisboa - Lisboa

10 Junho

George Esteves e Kirill Bubyakin

Cascais Jazz Club - Cascais

10 Junho

Nuno Campos 4tet

Parque Central da Maia - Maia

10 Junho

Tim Kliphuis Quartet

Salão Brazil - Coimbra

10 Junho

Big Band do Município da Nazaré e Cristina Maria “Há Fado no Jazz”

Cine-teatro da Nazaré - Nazaré

10 Junho

Jorge Helder Quarteto

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

11 Junho

Débora King “Forget about Mars” / Mayan

Jardins da Quinta Real de Caxias - Oeiras

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