Filipe Raposo e Uriel Herman
Estavam dois pianos diplomáticos
O português Filipe Raposo juntou-se pela primeira vez em palco com o israelita Uriel Herman num concerto teclado a dois. “Dois pianos, um universo”, assim se declarou, no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa. A jazz.pt foi até lá “ouver”.
E como nem tudo foi mau na pandemia, aprendemos que se pode fazer muita coisa online. A produtora do concerto (Connnecting Dots) ouviu o Uriel em São Paulo e, conhecendo o trabalho do Filipe, acharam que eles poderiam ser um bom “match” e propuseram este concerto. O dois pianistas só se conheceram pessoalmente na segunda-feira antes do concereto, quando Uriel chegou a Portugal para uma residência artística que preparou o espetáculo que assistimos. Até lá, todo o trabalho preparatório foi feito por telefone, emails e zooms.
Músicos da mesma geração, confirmaram a suspeita da produtora, de uma partilha de afinidades musicais e de um percurso pessoal semelhante. Ambos com formação clássica, ambos influenciados pela música tradicional, ambos com formação em jazz. Apesar de um radicar a sua progénie musical no Médio Oriente e o outro na Europa ocidental, as duas geografias cruzam-se com facilidade porque têm estirpes partilhadas (Raposo esclareceu que conhecia muito bem o cancioneiro sefardita que acabou por surgir em palco com um coro).
Música feita para ser doce, leve, que nos transportou sem imprevistos ou surpresas, comodamente instalados como num comboio Suíço. As composições de Uriel são bilhetes postais, as de Raposo sentimentalizadas. Somadas resultam em melodias simples, vindas de cancioneiros populares, tocadas com alguma circunstância. Tinha a classificação: “para todos”.
A interação dos dois pianos estava bem planeada, organizada, interpondo elegantemente as suas duas vozes. Raposo e Herman pegavam nas melodias e partilhavam-nas, um ornamentando a frase do outro, acentuando, completando.
Os dois pianistas vieram para agradar, não para levantar inquietudes e por isso tudo se passou no meio campo, num jogo amigável, com passes, sem fintas nem ataques.
A surpresa da noite veio com a presença do Coro Ecce que, dirigido pelo maestro Paulo Lourenço, cantou dois temas que relacionam o cancioneiro sefardita com temas populares, usando a música como consulado diplomático evocando a influência da cultura judaica do Sul da Europa.
A peça mais interessante da noite foi a improvisação a quatro mãos numa improvisação Cadavre Exquis a dois: passavam um para o outro as ideias, que o recetor interpretava, resolvia e voltava a propor. Neste tema houve provocação, rapidez de pensamento, pequenas instabilidades, música viva e a querer viver.
Foi o concerto de estreia deste projeto partilhado que os dois músicos querem que continue a viajar para outros palcos.