Sei Miguel Unit Core, 27 de Março de 2023

Sei Miguel Unit Core

O complexo que se faz simples

texto: Sofia Rajado / fotografia: Jorge Rivotti

A cave da Livraria Ferin, em Lisboa, recebeu a 23 de março o concerto de lançamento de não um, mas de dois discos de Sei Miguel: “The Original Drum” e “Road Music”, ambos com edição da Clean Feed. Estivemos lá.

Na noite de 23 de março, a cave da Livraria Ferin encheu-se para o lançamento de dois discos do reconhecido músico e compositor Sei Miguel: “The Original Drum” e “Road Music”. Editados pela Clean Feed, composição e arranjos do próprio músico, foram tocados pelo Sei Miguel Unit Core, ao qual se juntaram vários músicos que circulam nos campos do free jazz e da música improvisada.

Foi em ambiente literário, entre os fortes arcos em pedra que sustentam o número 72 da Rua Nova do Almada, que emanou a música do Sei Miguel Unit Core, desta vez em formato de quarteto, sendo composto na sua base por Fala Mariam no trombone alto, Bruno Silva na guitarra eléctrica e Sei Miguel no trompete pocket, ao qual se juntou a pianista Luísa Gonçalves. A expectativa esteve elevada.

Um dos aspectos característicos da obra de Sei Miguel é a sua capacidade de reduzir e transformar ideias musicais ou composições que seriam para grandes orquestrações ou formações, em arranjos para trio ou quarteto, sem se perder a ideia original. Muitas vezes, como ele próprio o diz e numa perspectiva de falta de recursos monetários para as artes, trata-se de modificar grandes orquestrações para a sua versão pobre, ou seja, reduzida. Um exemplo disso foi este concerto de lançamento onde, pensando em concreto no disco “The Original Drum”, não se encontrou “em palco” a quantidade e variedade de músicos que foram gravados ao longo das suas quatro faixas, mas sim o arranjo e redução de composições para o formato de quarteto fechado e na presença, ao longo de todo o concerto, dos mesmos instrumentos.

Foram apresentadas músicas dos dois discos, como por exemplo “Sentinela”, “nocturno do negócio da prata” ou “compasso búdico”. Entre cada uma delas, Sei Miguel falou com os ouvintes sobre o seu propósito, a ideia que está por trás ou o motivo que o inspirou. A complexidade do seu pensamento não se expressa apenas na sua arte, mas também na mensagem que transmite: de cariz filosófico, de questionamento dos padrões da sociedade, da sua organização, dos próprios caminhos do jazz, no fundo, do sentido da vida. E deu que pensar, porque a sua linguagem, falada ou tocada, é muito densa.

No decorrer do concerto, o trompete de Sei Miguel foi-se posicionando em diferentes ângulos, permitindo ao público ouvir sonoridades distintas, face à acústica da cave. E nesse contexto, percebeu-se que houve partes escritas, estruturadas e pensadas, mas também abertura para a experiência do momento. Cada músico dialogou entre si, de forma experiencial, mas também seguiu a orientação do compositor. Numa análise mais geral, notou-se um forte entrosamento entre o trompete, o trombone e a guitarra, com abordagem a notas e frases mais soltas por parte dos sopros, sob as quais surgiu a guitarra, por vezes com pequenos fraseados mais curtos. E ainda sob este desenho sonoro, pôde escutar-se o piano de Luísa Gonçalves, na tarefa difícil de tocar o largo espectro sonoro deste instrumento num piano vertical encostado a uma parede. Mas fê-lo de forma muito especial e sensorial, servindo de suporte, ora com movimentos harmónicos mais estruturados e sequenciais, ora em loops contínuos, a lembrar um mantra.

Para quem não conhece a música de Sei Miguel, e após a leitura desta descrição, poderá levar-se ao engano e pensar que se trata de algo repetitivo, mas não é, e nem foi isso que aconteceu. Pelo contrário, cada momento teve a sua personalidade. A densidade da sua música é gigante, porque algo que parece simples, é de uma construção muito difícil, cruzando elementos mais estruturados da música clássica e do jazz modal, com experimentação e improviso. São várias linguagens, ou estilos, que se sobrepõem, para dar origem a música sensorial e sentida, notando-se ser desgastante, no bom sentido, para quem a toca.

No final do concerto, e inserido no lançamento dos dois discos, houve tempo para o diálogo. Foi um momento que veio na sequência do tipo de música apresentada, que levou a pensar e a questionar, em que Sei Miguel disse ao seu público que o que se fez ali naquela noite era arte do “subsubmundo” e que, infelizmente, o jornalismo musical vai de má saúde, não só pela qualidade do trabalho que se vai lendo, mas também por não estar presente naquele tipo de eventos. Foi também um espaço de crítica ao sistema capitalista, ou seja, ao facto de tudo girar em torno do dinheiro e terminando, de forma irónica, a partilhar a vivência em que, a caminho do ensaio, viu uma carrinha tipo “caixa-forte”, das que levam moedas e notas, e na qual vinha escrito, em modo publicitário: “o dinheiro é universal”.

Assim terminou o duplo lançamento, e da cave da Livraria Ferin, ninguém saiu indiferente.

Agenda

10 Junho

Imersão / Improvisação

Parque Central da Maia - Maia

10 Junho

O Vazio e o Octaedro

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Fama d'Alfama - Lisboa

10 Junho

Maria do Mar, Hernâni Faustino e João Morales “Três Vontades de Viver”

Feira do Livro de Lisboa - Lisboa

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George Esteves e Kirill Bubyakin

Cascais Jazz Club - Cascais

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Nuno Campos 4tet

Parque Central da Maia - Maia

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Tim Kliphuis Quartet

Salão Brazil - Coimbra

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Big Band do Município da Nazaré e Cristina Maria “Há Fado no Jazz”

Cine-teatro da Nazaré - Nazaré

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Jorge Helder Quarteto

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

11 Junho

Débora King “Forget about Mars” / Mayan

Jardins da Quinta Real de Caxias - Oeiras

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