Cécile McLorin Salvant, 20 de Março de 2023

Cécile McLorin Salvant

Talento assombroso

texto e fotografia: Nuno Catarino

“Ghost Song” foi eleito o melhor disco de 2022 para a jazz.pt e Cécile McLorin Salvant estreou-se ao vivo no continente (finalmente!), com concertos em Lisboa, Porto e Castelo Branco. Fomos assistir ao primeiro concerto, no CCB, e testemunhar um talento assombroso.

É raro um disco de jazz vocal ser consensual entre os críticos de jazz. Aqui na jazz.pt, também por tradição histórica, que reflete naturalmente as preferências dos colaboradores, a linha editorial sempre deu particular destaque às formas de jazz criativo e improvisação livre e, também por tradição histórica (e preconceito nosso), tem sido dada pouca atenção ao jazz vocal. Foi por isso com algum espanto que, no momento das somas das votações para os melhores do ano de 2022, percebemos que o disco do ano eleito pela equipa da jazz.pt seria “Ghost Song” de Cécile McLorin Salvant. E se um disco consegue este feito, mesmo entre quem não siga com atenção o jazz cantado, terá algo de especial.

Depois de ter atuado nas regiões autónomas (no AngraJazz 2013 e no Funchal Jazz 2022, ambas atuações testemunhadas aqui na jazz.pt por António Branco), a cantora norte-americana estreou-se finalmente em solo do território continental. Cécile McLorin Salvant tinha concertos agendados para Lisboa, Porto e Castelo Branco; fomos assistir ao primeiro concerto – no Centro Cultural de Belém, na capital – e testemunhar o seu talento único. Perante a sala do grande auditório do CCB esgotada, Cécile apresentou-se em palco acompanhada por Glenn Zaleski (piano), Marvin Sewell (guitarras), Yasushi Nakamura (contrabaixo) e Keita Ogawa (bateria e percussão). 

No palco do CCB, Cécile McLorin Salvant mostrou que, ao vivo, nada é igual às gravações em disco. Cécile estica, transforma, reinventa. Cada canção ganha novas formas, pela magnífica qualidade técnica e engenhosa inventividade da cantora, que é incapaz de se manter fiel à memória da gravação, está sempre a criar algo novo. A base da atuação foi o premiado disco de 2022, “Ghost Song”, e a cantora interpretou temas marcantes como o homónimo “Ghost Song” (um dos primeiros grandes momentos da noite, com Cécile a cantar um amor perdido), “Thunderclouds” (dedicada à sua avó materna) e “Obligation” (em duo com o contrabaixo de Nakamura, outro momento memorável).

Desse disco a cantora recordou também as suas interpretações de temas alheios que, pela sua abordagem pessoalíssima, passaram agora também a ser seus: “No Love Dying” (Gregory Porter) e “The World Is Mean” (Kurt Weill). Do alinhamento do disco ficou a faltar a faixa de abertura, “Wuthering Heights” (Kate Bush), que até foi pedida por alguém do público; Cécile respondeu que ficaria para uma próxima vez – a cantora contou ainda que só tinha conhecido o hotel, o táxi e o backstage, e indo embora no dia seguinte, não iria conhecer a cidade, pelo que esse regresso será inevitável.

A interpretação do quarteto instrumental revelava-se sólida mas sóbria, sem grandes momentos individuais a registar – com exceção da percussão de Ogawa, que se destacou com alguns bons pormenores. Os holofotes eram sobretudo roubados pela voz que, pela sua imprevisibilidade, viajava entre diferentes lugares, atravessava diferentes registos, mesmo dentro da mesma canção (!) e sem nunca se perder da estrutura de cada tema(!). A interpretação inclui também uma faceta de performance teatral; sem gestos espalhafatosos, a performance vocal não só relata histórias como o faz com intencionalidade, reforçando a conexão do público com cada história cantada. Esta música assenta no jazz, mas não é tradicionalista, é uma música profundamente original e viva, sempre em movimento.

O alinhamento contou ainda com outros temas, como “Obsession” (de Dori Caymmi, popularizado por Sarah Vaughan), e para o final ficou reservada “The Trolley Song”, tema saído do musical “Meet me in St. Louis”, que Cécile gravou no seu disco de 2015, “For One to Love” (e que também teve uma versão por João Gilberto). Para o (muito pedido) encore, Cécile atacou uma interpretação original de “Flor de Lis”, canção popularizada por Djavan, aqui cantada em versão bilingue, primeiro em inglês, depois também em português. A ovação em pé confirmou a consagração absoluta. Se o disco “Ghost Song” já nos tinha conquistado, ao vivo Cécile McLorin Salvant confirmou, sem pingo de dúvidas, o seu talento assombroso. Que regresse rapidamente.

Agenda

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Parque Central da Maia - Maia

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Big Band do Município da Nazaré e Cristina Maria “Há Fado no Jazz”

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Débora King “Forget about Mars” / Mayan

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