Lotus
Noite de estreia
O grupo Lotus apresentou-se ao vivo pela primeira vez na sala Porta-Jazz. O recém-formado quarteto junta Gonçalo Marques (trompete), Demian Cabaud (contrabaixo), José Pedro Coelho (saxofone) e João Cardita (bateria). Fomos testemunhar a estreia desta nova formação, numa reportagem que marcou também a estreia da jazz.pt no novo espaço Porta-Jazz.
Depois de demasiado tempo à procura, no final de 2022 a associação Porta-Jazz encontrou o seu novo espaço, localizado na Praça da República, número 156, no Porto. O espaço foi inaugurado, na altura ainda em modo “antestreia”, com uma atuação do grupo galego Xan Campos Trio, no dia 8 de outubro; no dia seguinte atuou outro grupo internacional, o trio nova-iorquino John O'Gallagher / Masa Kamaguchi / Rob Garcia. Desde então, o espaço portuense nunca mais parou e tem acolhido programação regular de jazz, todos os fins-de-semana, com foco na produção musical nacional (particularmente nortenha) e com atenção aos jovens talentos que vão surgindo.
Depois de mais uma grande edição do festival Porta-Jazz em fevereiro (aqui documentado pela pena de Gonçalo Falcão), a associação entrou com toda a força neste mês de março: às sextas há sempre concertos, às 21h30, seguidos de jam sessions; aos sábados há sempre concertos, com o grupo do dia a atuar por duas vezes, às 19h00 e às 21h30; e neste mês há ainda um concerto “bónus”: no dia 28 de março o espaço portuense vai acolher um quinteto que reúne cinco músicos de renome internacional: Savina Yannatou, Julius Gabriel, Agusti Fernández, Barry Guy e Ramon López.
Até ao momento, a jazz.pt ainda não tinha visitado o espaço na Praça da República. Tivemos (finalmente!) a possibilidade de o conhecer no passado dia 4 de março, sábado. Entramos, pagamos o bilhete (5€, excelente relação qualidade/preço, e para os sócios custa 3€) e descemos ao espaço da cave. Pelo meio atravessamos rapidamente a galeria, que acolhe três instalações: “Arranjo Floral” de Nuno Trocado, “Cantares” de Sofia Sá e “All the birds and a telephone ringing” de Susana Santos Silva (podem ser visitadas de segunda a sexta, das 10h00 às 13h00). Lá em baixo, ficámos a conhecer a sala de concertos, que é ampla, com dezenas de cadeiras, com uma dimensão adequada ao público deste tipo de música; talvez falte apenas luz mais interessante, para se aproximar mais do típico ambiente de clube. O espaço não é luxuoso, mas está em boas condições, as paredes são decoradas com cartazes de antigos concertos e festivais Porta-Jazz (que despertam boas memórias) e inclui ainda um bar, improvisado mas funcional.
Fomos assistir à atuação do grupo Lotus, um novo grupo que junta quatro nomes da cena jazz nacional, de diferentes gerações: o trompetista Gonçalo Marques, o contrabaixista argentino (já com alma portuguesa) Demian Cabaud, o saxofonista José Pedro Coelho e o baterista João Cardita (bem mais jovem do que os seus parceiros de grupo). O grupo tinha já atuado na sessão das 19h00, fomos assistir à sessão das 21h30. A sala estava bem composta, com público recetivo, e o quarteto tratou de trabalhar um conjunto de temas originais (a responsabilidade da composição é dividida pelos membros do grupo).
Começamos por notar o som arredondado do trompete de Marques (que também usou o fliscorne), desde logo bem alinhado com o saxofone de Coelho – discreto, o saxofonista é dos mais interessantes músicos da cena nacional, facto que se confirma no seu vasto leque de parcerias e colaborações, embora a sua discografia seja curta (os excelentes “Clepsydra” de 2012 e “Passarola Voadora” de 2018). O contrabaixo de Cabaud já não deverá surpreender ninguém, é sempre um esteio que rouba o protagonismo, nunca faltando imaginação. Cardita, o mais novo, também se enquadra bem no grupo, atento e assertivo – dos quatro é o menos conhecido, só o descobrimos recentemente no disco “Ninhos” de Joana Raquel e Miguel Meirinhos (curiosamente também com Demian Cabaud ao lado).
Assente nas composições, a música vai evoluindo na interação coletiva, revelando pontuais momentos de brilhantismo individual (sobretudo pelos sopros de Marques e Coelho, mas também Cabaud). Marques e Cabaud são músicos de reconhecida qualidade técnica e experiência, além de parceiros de longa data em múltiplos projetos. Vimo-los recentemente no encerramento da Festa do Jazz, num quarteto com o pianista belga Bram De Looze e o veteraníssimo baterista norte-americano Jeff Williams (ativo desde 1971, tocou com Lee Konitz e Stan Getz). Sendo inevitável a comparação, a música deste Lotus resulta mais direta, com menos detalhe e subtileza; em compensação, a esta formação não falta sangue na guelra e, com o tempo do seu lado, vai continuar a crescer. Um pormenor que merece aplauso é o facto de a formação juntar músicos das duas maiores cidades nacionais, do Porto (Cabaud, Coelho e Cardita) e de Lisboa (Marques), algo que os 300 Km de distância não costumam facilitar.
A imparável Porta-Jazz, associação de músicos de jazz do Porto, continua a fazer um notável trabalho e, a par do seu grandioso festival anual e do catálogo discográfico Carimbo (quase uma centena de discos!), também a sua programação regular, agora no espaço da Praça da República, merece toda a atenção.