Orquestra de Jazz de Leiria com Kurt Elling, 7 de Março de 2023

Orquestra de Jazz de Leiria com Kurt Elling

Horas breves do meu contentamento!

texto: António Branco / fotografia: Atelier Obscura

Leiria testemunhou no passado sábado, 4 de março, um momento histórico: a sua Orquestra de Jazz, dirigida por César Cardoso, apresentou-se pela primeira vez com um convidado internacional, e logo um nome de topo, o cantor e compositor norte-americano Kurt Elling. A jazz.pt esteve lá.

É sempre gratificante constatar que a pujança hodierna do jazz nacional não se circunscreve a Lisboa, Porto ou Coimbra. Há muito mais a acontecer de relevante por esse país fora, de Braga e Guimarães ao Algarve, das ilhas da Madeira, São Miguel e Terceira a Espinho, Viseu… ou Leiria. A cidade que em 1254 foi palco das primeiras Cortes que incluíram, para além de membros da nobreza e do clero, representantes do povo, viu no passado sábado, 4 de março, a sua principal sala de espetáculos, o Teatro José Lúcio da Silva, à beira do Lis, encher-se, numa noite húmida, para receber outro momento especial. Depois de diversificadas colaborações com músicos nacionais de vários géneros, a Orquestra de Jazz de Leiria (OJL) apresentou-se pela primeira vez com um convidado internacional, e logo uma figura de vulto: o cantor e compositor norte-americano Kurt Elling.

A OJL foi fundada em fevereiro de 2011 por César Cardoso com o objetivo de criar uma formação de qualidade que reunisse os músicos da região de Leiria que se dedicassem à prática do jazz. De todo o trabalho já logrado, ressalta o efeito de polinização cultural que decorre do know-how adquirido pelos músicos no seio da orquestra e depois transportado para os projetos em que individualmente participem. A big band tem vindo a apresentar repertório muito variado, desde os clássicos de Count Basie, Duke Ellington, Thad Jones, Ella Fitzgerald e Frank Sinatra, a compositores contemporâneos como Mário Laginha, Maria Schneider, Claus Nymark, Pedro Moreira, Tomás Pimentel e Bernardo Sassetti, de entre outros. Em 2021, editou o seu primeiro disco, a assinalar 10 anos de existência; “Dez”, disco duplo, conta com a participação de 14 diferentes convidados e foi editado pela Sony Music.

Ao longo de mais de três décadas, Kurt Elling, natural de Chicago, vem trilhando notabilíssimo percurso, cotando-se como um dos mais relevantes cantores de jazz da atualidade. E tem-lo feito ao lado de músicos como Laurence Hobgood (seu pianista e diretor musical durante vários anos), Branford Marsalis, Gary Versace, Brad Mehldau e Fred Hersch, apenas para citar alguns. Mas, neste contexto, interessa salientar que Elling também já se apresentou ao lado de várias e prestigiadas orquestras, como sejam a Clayton/Hamilton Orchestra, National Youth Orchestra, Bob Mintzer Big Band, BBC Concert Symphony, Metropole Orchestra, Irish Radio and Television Orchestra, The Scottish National Jazz Orchestra ou a WDR Orchestra and Big Band. E agora a Orquestra de Jazz de Leiria.

A função iniciou-se com a formação leiriense a revelar boa forma, com massa sonora compacta e oleada ligação entre naipes, interpretando escorreitamente “Don´t Git Sassy” (imortalizada numa gravação da Thad Jones-Mel Lewis Orchestra no Village Vanguard de Nova Iorque, em abril de 1967), avultando bons solos de Paulo Santo no vibrafone e de João Capinha no saxofone alto. A primeira surpresa da noite surgiu logo depois, na leitura garrida de “Steppin´ Out”, de Joe Jackson, com Elling a explorar o seu peculiar (e reconhecido) scat, moldando a voz como barro, adelgaçando ou dando corpo às palavras. César Cardoso fez aqui o seu único solo da noite. A languidez de “I Can´t Give You Anything But Love”, de Benny Carter, trouxe um bom solo do trompetista André Rocha. Elling, visivelmente bem disposto e comunicativo, teceu elogios repetidos à big band e coadjuvou Cardoso na condução da mesma.

Seguiu-se um momento Duke Ellington, primeiro com a serenidade esperançosa da menos óbvia “I Like the Sunrise” e depois numa interessante leitura de “Tootie for Cootie”, com letra escrita por Elling a partir de uma transcrição do solo do lendário trompetista Cootie Williams. Já esperada era a homenagem a Wayne Shorter, falecido poucos dias antes deste concerto, aos 89 anos. (Elling confidenciou que amigos que estiveram à cabeceira do Mestre disseram que a sua derradeira mensagem fora a de que «é altura de trocar este corpo por outro e continuar a viagem».) O sentido tributo fez-se primeiro com “Where to Find It” (letra de Elling e arranjo de Cardoso para uma peça que surge originalmente no álbum "1+1", de Shorter e Herbie Hancock, editado em 1997), sob o título “Aung San Suu Kyi”, nome da ativista e política de Myanmar, atualmente privada da liberdade) e depois com o arranjo aveludado do emblema shorteriano “Speak No Evil”, que contou com solo do trompetista Luís Cunha.

Fixaram ainda memórias especiais a versão maviosa (deixemos o “f” para outros) de “Lil´ Darlin´” (celebrizada por Count Basie e Ella Fitzgerald) e de “Resolution”, de John Coltrane, com intervenções solísticas de valia a cargo dos mesmos Cunha e Capinha, e um Elling de dicção diáfana e grande agilidade vocal. Para encore ficou a interpretação de um elegante arranjo de Bob Mintzer para o standard “My Foolish Heart”, canção com música de Victor Young e letra de Ned Washington escrita para o filme com o mesmo nome, estreado em 1949.

A Orquestra de Jazz de Leiria está de parabéns. Há por aqui, bem o sabíamos, talento e perseverança; o que se escutou nesta noite é revelador de um trabalho sério e competente que eleva as expectativas para o que o porvir trará.

 Kurt Elling

 

Orquestra de Jazz de Leiria

 

N. do A.: O título desta reportagem é uma vénia ao poeta leiriense Francisco Rodrigues Lobo (1580-1622).

Agenda

04 Outubro

Carlos Azevedo Quarteto

Teatro Municipal de Vila Real - Vila Real

04 Outubro

Luís Vicente, John Dikeman, William Parker e Hamid Drake

Centro Cultural de Belém - Lisboa

04 Outubro

Orquestra Angrajazz com Jeffery Davis

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

04 Outubro

Renee Rosnes Quintet

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

05 Outubro

Peter Gabriel Duo

Chalé João Lúcio - Olhão

05 Outubro

Desidério Lázaro Trio

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05 Outubro

Themandus

Cine-Teatro de Estarreja - Estarreja

06 Outubro

Thomas Rohrer, Sainkho Namtchylak e Andreas Trobollowitsch

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Lucifer Pool Party

SMUP - Parede

06 Outubro

Marta Rodrigues Quinteto

Casa Cheia - Lisboa

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