Joana Sá / Luís José Martins “CasaFloresta”
Reflorestação
“CasaFloresta” é um projeto multi-disciplinar que resultou numa performance e numa instalação. Joana Sá e Luís José Martins trabalharam a vertente musical e apresentaram-se ao vivo no Teatro do Bairro Alto. Fomos assistir.
Projeto multi-disciplinar, “CasaFloresta” consistiu numa residência artística e um trabalho que passou pelo contacto junto de comunidades (em aldeias do Parque Natural da Serra da Estrela e área envolvente), e que teve como resultados uma performance e numa instalação. Partindo da questão “O que poderá ser guardar uma floresta hoje?”, foram realizadas recolhas em áudio e vídeo junto das comunidades locais. Os músicos Joana Sá e Luís José Martins, parceiros musicais com uma longa história partilhada (Almost a Song, Powertrio, Turbamulta), trabalharam a exploração musical e apresentaram-se ao vivo no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, no dia 4 de dezembro.
Mais do que um espetáculo musical, tratou-se de uma performance trans-disciplinar, também com muita atenção à vertente cénica. Com o chão do palco completamente coberto por folhas, via-se na tela a projeção vídeo de imagens do campo, primeiro uma casa, depois vegetação, muita vegetação, sempre muito verde a envolver a sala. Começaram por se ouvir sons pré-gravados, entre “field recordings” e ambientes musicais previamente trabalhados. Os músicos entram no palco: à esquerda estava o piano de Joana Sá, à direita ficava a guitarra de Luís José Martins. Sobre o som pré-gravado que enchia a sala, Joana Sá começou a explorar diretamente o interior do piano, até que, já nas teclas, se vai articulando um motivo, que vai sendo dobrado na guitarra, com o tema a evoluir com os instrumentos entrelaçados.
Depois, num segundo momento, a pianista acrescentou uma batida eletrónica. Por cima de um ritmo metronómico Sá foi enchendo o espaço com o piano, criando um momento mais vibrante, ficando a guitarra na sombra. Depois foi a guitarra quem assumiu o protagonismo: tocada com arco, da guitarra ressoava um som preciso, num ambiente camarístico; Joana Sá seguia a guitarra, criando sons no interior do piano, deslizando um cordel diretamente nas cordas. Daqui resultava um som hipnótico, minimal, que evoluía lentamente (e numa altura em que a Gulbenkian celebra Xenakis e Glass, alguns momentos soaram a herança dos mestres do minimalismo).
Depois, surpreendentemente, os dois músicos saíram dos seus instrumentos. Surgiram atrás da tela, com instrumentos diferentes: Joana Sá no acordeão, Luís José Martins num pequeno cordofone de cordas metálicas (viola beiroa?). A dupla mudou de registo e entrou na linha do folclore tradicional português, servindo-se de um motivo que ia que ia sendo repetido, até que começou a ser desconstruído pela dupla. E ficámos a pensar na raridade que é assistirmos a elementos da tradição popular/folclórica em contexto urbano, e da pouca exploração que se tem feito no panorama musical (mas isto seria outra e longa conversa…).
Terminado o tema, os músicos regressaram aos instrumentos mais habituais, piano e guitarra, novamente entrelaçados, novamente em registo minimal, até que Martins canta um tema, voz baixa, contida, por cima da cama instrumental (um tema que terá sido recolhido junto de músicos locais, aquando da residência artística). O trabalho desenvolvido por Sá e Martins resultou numa exploração muito original, ao combinar “field recordings”, recolha de temas tradicionais e o diálogo musical trabalhado ao vivo. Além de todo o mérito do projeto, a vertente musical merece o aplauso pela abordagem criativa e pelo resultado apresentado. Fica a faltar uma nota para o trabalho visual, desenvolvido por Lucas Tavares, que complementava a música. No final da atuação, Joana Sá e Luís José Martins fizeram uma dedicatória a Pedro Gonçalves.