No ponto mais sensível de cada momento calejado
Sem o fulgor que já teve, mas ainda assim com algumas propostas que não escusam quem gosta de música ao vivo, o SeixalJazz programou um dos dois concertos do trompetista Ambrose Akinmusire em Portugal. O músico americano tem tido um percurso muito interessante na procura de uma linguagem própria. Depois de “Origami Harvest”, um disco muito especial em que se aproxima do hip-hop, o disco de 2020 – “On the Tender Spot of Every Calloused Moment” – não teve oportunidade de rodar pelas razões que todos conhecemos. É por isso tempo de o ir ouvir.
O trompetista regressou a um formato mais tradicional, em quarteto de bateria, contrabaixo e piano com os seus “homies”: Justin Brown, Sam Harris e Harish Raghavan (nesta pequena tournée europeia substituído por Joe Sanders). Estes músicos tocam, nalguns casos, há vinte anos juntos e isso é muito bem explorado na composição que constrói uns momentos de uníssimo e separações que parecem mágicas.
A ligação entre o piano de Sam Harris e o trompete em particular é espantosa. Os dois músicos unissonam algumas notas e paralelam outras, construindo formas contrapontísticas fascinantes em cada frase musical.
A música é feita de encontros e afastamentos (o disco é sobre a gentrificação de North Oakland, a cidade da sua infância) e cada tema tem várias melodias dentro. Ouvimos uma linha horizontal feita de vários momentos diferentes que nos fazem passar por vários estados de espírito e, dentro de cada um, uma linha vertical que desagrega e remonta cada uma dessas melodias/momentos com a improvisação. Ouvimos – e confirmámo-lo no dia seguinte em Coimbra – que o trompetista não viaja com um esquema pré-fabricado, com improvisações já alinhavadas: organiza as músicas para cada concerto e improvisa-as sem recorrências. Intuímo-lo no Seixal e confirmámo-lo no dia seguinte em Coimbra: dois concertos em dois dias seguintes, com alinhamentos diferentes e improvisações totalmente distintas.
Foi muito bom ouvir um músico que está à procura – e já encontrou – uma forma diferente de usar um quarteto de jazz, em grande parte através de um laborioso trabalho de escrita que consegue manter o lirismo e de um quarteto que interage telepaticamente.
“Mr. Roscoe (consider the simultaneous)” foi um momento especial. “Roy”, dedicada a Hargrove tratado sem cerimónias pelo primeiro nome, foi tocada com uma beleza comovente e fez-nos sair do Fórum Cultural seixalense a cantá-la. Grande concerto a relembrar o melhor que ouvimos naquele palco.