20.º Jazz ao Centro: Rodrigo Brandão com Sun Ra Arkestra, 23 de Setembro de 2022

20.º Jazz ao Centro: Rodrigo Brandão com Sun Ra Arkestra

Primeiro dia, vinte anos

texto: Gonçalo Falcão / fotografia: João Duarte

Coimbra diz-se ser uma cidade cultural. Mas a verdade é que nos anos 2000, para além do folclore académico (e da melhor estação de rádio do país) nem sempre acontecia muita coisa na “Cidade do Conhecimento”. Foi a vontade de fazer acontecer que ditou que Coimbra deveria ter um festival de jazz, estreado no 18 de janeiro de 2003. Surge o primeiro festival de jazz de Coimbra, numa altura em que a cidade se preparava para anunciar o programa que a celebrava como Capital Nacional da Cultura. Vinte anos depois, o primeiro concerto da edição deste ano do Jazz ao Centro aconteceu no Salão Brazil e faz o festival cumprir duas décadas. Quisemos estar presentes. Aqui fica.

 

Rodrigo Amado

Foi uma realização conjunta de um grupo de pessoas e o sucesso do trabalho coletivo acabou por as manter associadas naquilo que formalizaram como: Jazz ao Centro Clube. Pedro Rocha Santos é uma das figuras centrais destes primeiros anos (e a quem muito devemos, incluindo a existência da jazz.pt), Para além dele, outros coimbrões como João Pedro Viegas, Francisco Neves, Mário Pais de Sousa, Paulo "Balhau" Pereira, Manuel Pissarro e muitos mais ajudaram a erguer uma história que está por contar, mas que cada vez mais faz por merecer que se conte.

Rodrigo Brandão

O festival ficou e já teve vários modelos e formatos, mas manteve uma linha condutora: a programação de jazz atual, não conformado aos modelos dominantes. Alguns dos concertos foram passados a disco (em editoras como a Clean Feed, Cipsela e a label da casa, a JACC Records).

 Antes do Concerto

Nesta edição com números redontos, o “Jazz ao Centro” volta a mudar de formato, apresentando um programa que se estende ao longo de um mês (22 de setembro a 23 de outubro) em vez dos habituais fins-de-semana. Serão 11 concertos em sete locais (a maioria dos quais, tradicionais do JaC): Casa das Artes Bissaya Barreto, o Convento São Francisco, a antiga Coimbra Editora (hoje em dia propriedade da Critical Software), o Museu Nacional Machado de Castro, o Salão Brazil, o Seminário Maior e o TAGV.

Salão Brazil

A estreia foi anunciada com um título desconcertante: “Outros Mashup: Rodrigo Brandão convida Sun Ra Arkestra, dirigida por Marshall Allen”. Comecemos por aqui, ainda antes do concerto. Para nós, (portugueses de meia idade) o título é arredio: “Rodrigo Brandão convida Sun Ra Arkestra....” um pouco como se fosse: Gonçalo Falcão convida Sonny Rollins. 

Aprendemos que a nossa visão eurocêntrica que tem incutida uma série de reverências e hierarquias não se aplica na América. Na do Sul e na do Norte. E isso se calhar é bom. Porque é que Rodrigo Brandão não há de poder convidar a Arkestra e ela aceitar?

Dito isto vem a segunda questão: quando olhamos para o alinhamento dos músicos não está lá a Arkestra. O grupo que Rodrigo Brandão trouxe a Coimbra (diferente de outros concertos deste projeto em Portugal) foi: Rodrigo Amado no saxofone, Hernâni Faustino no contrabaixo, Carla Santana na eletrónica e João Valinho na Bateria. A estes juntou-se o brasileiro Elson Nascimento no timbalão (que colaborou com a Sun Ra Arkestra desde 1989), Knoel Scott no saxofone tenor (que também tocou com a Arkestra nos anos 80 do século passado) e Vicent Chancey, na trompa (veio dos Estados Unidos em substituição de Marshall Allen, que caiu doente do alto dos seus 98 anos) e que também Arkestrou com Sun Ra entre 1976 e 1979.

Assim parece abusivo falar de uma Arkestra (o nome atribuído por Sun Ra à sua orquestra que, por definição, é um número alargado de músicos com um modelo de organização e uma autoridade própria) quando na verdade estamos perante três músicos que tocaram na Arkestra e cinco músicos que não foram nem tiverem nenhum contacto (para além, claro da audição e admiração). Por outro lado podemos admitir sem problemas que a Arkestra “está”, não quando “estão” músicos que lhe pertenceram, mas quando acredita que o espírito, processos e ideias do seu fundador “estão” e o sanciona com a presença de alguns dos seus elementos. 

A Arkestra é uma entidade que sobreviveu ao seu criador e bem, para manter viva as suas ideias e para continuar a explorar o seu mundo musical. Não é uma entidade museológica mas uma ideia de futuro, um lugar “fora” onde as questões que mais assolam o planeta – discriminação, guerra, destruição, racismo, violência não existem; e esse lugar é “sheer beauty".

Assim sendo, depois de ouvir o spoken word de Rodrigo Brandão, desfiz a ideia que trazia que era abusivo considerar que estamos perante a Arkestra. A Arkestra "está" sempre que os seus membros acharem que a música que está a ser tocada, de algum modo, prolonga o legado musical, teórico ideológico e espiritual do seu criador. E se é defensável que três Arkestrianos não fazem a Arkestra, também se aceita com a mesma retidão que, se Marshall Allen, acredita que Brandão tem a energia para juntar este projeto, pô-lo a tocar e com ele reincarnar o espírito de Sun Ra, convidando membros da Arkestra e outros músicosa, o uso do nome não é reprovável.

Carla Santana 

Com todos estas hesitações e engulhos chegámos ao Salão Brazil para ouvir. Aqui fica, com as magníficas fotos do João Duarte.

 Hernâni Faustino

Rodrigo Brandão entrou em palco e sentou-se no lugar que pertenceria a Sun Ra, no centro, à frente dos sete músicos. Não tinha um Farfisa, mas uma pequena mesa antiga estilo inglês com papéis em cima. 

Começa um ritual espiritual em que chamou os músicos, um a um, chamou uns espíritos (ou assim pareceu, que nisto de entidades invisíveis e incorpóreas, não há garantias) e começou o seu discurso. 

Knoel Scott

A música – totalmente improvisada – evoluiu de uma forma curiosa. Não foi a Arkestra dos anos da improvisação nem a do “Jazz In Silhouete”, mas uma mistura entre o desconcerto sonoro e uma organização que foi sendo construída pelos músicos. João Valinho só usou duas mudanças e por isso o grupo tocou rápido ou muito rápido. 

Vicent Chancey

Enquanto a coisa crescia Brandão falou dos temas de Sun Ra. Falou com verdade, intensidade e empenho. Falou da ancestralidade, do sentido de comunidade e do racismo. Pena é que o discurso não tenha trazido nada de novo, um ângulo diferente. Falou do assassinato e do assassino de Bruno Candé e ficamos desapontados pela falta novidade, argumentos ou ideias que foi compensada com faísca, intensidade e emoção que o MC usou para envolver os espetadores.

Elson Nascimento

Faltou profundidade. A magreza argumentativa fez-nos ir e voltar entre emoções. Se por um lado por vezes nos deixávamos ir na intensidade da música, da lá eramos arrancados para sensação de estar num sermão de um dos muitos grupos evangélicos brasileiros, com palavras fáceis e ideias batidas. Brandão chamou-nos. Mas não conseguimos ir. O que faltou em ideias e discurso, sobrou em agitação e empenho. 

Rodrigo Brandão

Contas feitas e descontando já os talões dos engulhos: um concerto espiritual, suado, rasgado, veemente, com um crescendo instrumental que nunca foi caótico e que foi sempre conseguindo encontrar entre si, processos de organização. Destaque para o contrabaixo de Hernâni Faustino que foi o principal responsável por manter a música a funcionar com estrutura e a bateria de Valinho que com muito pouca coisa, conseguiu manter a banda a suar. No final: “valeu” Brandão. Parabéns por pôr isto de pé para construir “comunidade”.

Agenda

02 Abril

Zé Eduardo Trio

Cantaloupe Café - Olhão

02 Abril

André Matos

Penha sco - Lisboa

06 Abril

Marcelo dos Reis "Flora"

Teatro Municipal de Vila Real / Café Concerto Maus Hábitos - Vila Real

07 Abril

Jam Session hosted by Clara Lacerda

Espaço Porta-Jazz - Porto

08 Abril

Greg Burk Trio

Espaço Porta-Jazz - Porto

08 Abril

Carlos “Zíngaro”, Ulrich Mitzlaff, João Pedro Viegas e Alvaro Rosso

ADAO - Barreiro

12 Abril

Pedro Melo Alves e Violeta Garcia

ZDB - Lisboa

13 Abril

Tabula Sonorum

SMUP - Parede

14 Abril

Apresentação do workshop de Canto Jazz

Teatro Narciso Ferreira - Riba de Ave

14 Abril

Olie Brice e Luís Vicente

Penha sco - Lisboa

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