Chicago e o jazz, parte 2, 17 de Setembro de 2022

Chicago e o jazz, parte 2

“A dose of creole shrimp sambosas, please”

texto: Gonçalo Falcão

A cidade de Chicago sempre foi um local de nightclubbing. A vida noturna da cidade perde-se entre a realidade e mito que rodeia uma verdade impossível de contar. A Chicago de Al Capone é hoje um lugar com igual número de mitos e fatos. Dezenas de prédios antigos em Chicago declaram-se testemunhas de copos ou mortes perpetradas por Capone. Mas há um que se consegue afirmar com certeza que foi um dos spots de hangout preferidos do rei da máfia da Windy City. Por isso começámos por lá.

Green Mill 

Se é para ir para a desgraça, comecemos por cima e à bruta. O Green Mill fica nos arrabaldes da cidade, quase em frente a um restaurante etíope, numa zona que já teve vários teatros e animação noturna mas que está hoje muito abandonada. O Green Mill Cocktail Lounge é o coração do bairro histórico do entretenimento em Chicago na Uptown. Serve copos e música ao vivo desde 1907. 

Green Mill

Para Capone e os seus “amigos” Jack McGurn ("Machine Gun") o Green Mill era a sua juke joint favorita; hoje é só um grande clube de jazz. Fomos ouvir. Apanhámos o Joel Peterson Quartet. Fã dos Beatles, pega nas canções dos dois primeiros discos e jazza-as. A proposta é interessante porque estas canções, de tão básicas, são muito pouco usadas no jazz. Peterson não faz milagres, mas com copos e um grande ambiente de club, ouvem-se com muito prazer. Ainda tocou uns clássicos havaianos na lap steel e uma versão sólida do “Apache”, o tema icónico do guitarrista Jerry Lordan, popularizado pelos Shadows.

Green Mill / Von Freeman

A história mais sangrenta do Green Mill é a do cantor Joe E. Lewis que era “agenciado” (não sei a terminologia mais apropriada para este tipo de contratos...) por McGurn e que cantava no Green Mill. Um clube noturmo rival, o New Rendezvous, ofereceu uma quantia muito superior a Lewis (mas não a proteção correspondente). McGurn ("Machine Gun") foi informado que Lewis planeava mudar-se para o outro clube; “visitou” Lewis com uns capangas e cortaram-lhe lentamente a língua e depois a garganta no seu quarto de hotel em Lincoln Park.

Chicago tem atualmente um grande problema de violência descontrolada. No fim de semana que visitámos o Green Mill não vimos gargantas ensanguentadas, mas o Tribune reportou 47 tiroteios na cidade e 17 mortos. A dona do clube, uma senhora avantajada e com ar que se sabe defender, à saída recusou-se a indicar-nos onde ficava a saída do metro e disse: «Are you crazy? You call an Uber home. The subway here is dangerous». Pelo sim pelo não obedecemos. Na manhã seguinte, na rua intermedia do nosso hotel (são três ruas sobrepostas), cinco carros muito transformados jaziam, falecidos, depois de um alterco noturno.

  

Andy’s

Andy's 

Na noite seguinte mantivemos o foco e optámos por outro histórico, o Andy’s. O clube fica no centro da cidade, perto da zona da vida noturna e por isso muito rodeado por polícias e gente (ao contrário do Green Mill que, quando se sai, não se vê passar um carro sequer).

Andy's

A história do Andy's Jazz Club começou na década de 1950 como o grande hootenanny para os jornalistas (a sede do Chicago Tribune é perto). Ao contrário do Green Mill, no Andy's pode-se comer também e os pratos são surpreendentemente saborosos para uma cidade onde a sensação que temos é que no MacDonalds a comida é boa. Comida de pub, e bons gin tónicos, são a primeira boa nota do clube e a música ainda não começou. Ficámos ao balcão.

Andy's 

Em 1977, Penny Tyler (promotora de jazz) e o guitarrista John Defauw propuseram a Scott Chisholm, então dono do clube, a ideia de programar o melhor do jazz da cidade, todas as noites (com concertos às noite mas também à hora de almoço). A coisa resultou e hoje o Andy’s continua com uma programação de muita qualidade. Tem até quem tenha escrito um “Andy’s Theme”. Bom palco, bom som, e música até às duas da manhã. Continua com o “Jazz at Nine” mas tem também o ”Jazz at Five” para o pessoal dos escritórios e turistas menos notívagos. Hoje é gerido por Chris, Jeff e Brandon os filhos de Scott Chishom.

Ouvimos o trompetista Mario Abney, nado e criado na cidade (mas agora a viver em Nova Orleães e o seu grupo, o Mario Abney & the Abney Effect. É um trompetista uplifting, com uma música festiva, com muito diálogo entre solistas, muito diálogo espiritual, sobre amor e felicidade e um grupo muito bom. Em trio, impressionou o contrabaixo e o baterista.

 

Blue Chicago

 Blue Chicago

Os blues de Chicago têm aquele peso na guitarra elétrica e no baixo que eu tanto gosto e por isso saímos do jazz para ir afogar desgostos em álcool (simpaticamente servido pelos dois antipáticos serviçais atrás do balcão) e blues It serves you right to suffer, ensinou-me o John Lee Hooker.

O Blue Chicago, no River North, embala-nos em blues desde 1985. Já lá tocaram Willie Kent, Magic Slim, Eddie Clearwater, Buddy Scott e por isso sabemos que entrámos num local de respeito. Com uma programação diferente todas as noites, começámos por ir ouvir Shirley Johnson, nicknamed “Sweetheart of the Blues”, cantar. Há muito gospel na voz de miss Johnson e doses cavalares de desgostos de amor. Era precisamente o que estávamos a precisar. Disso e de gin.

No dia seguinte o mood era diferente e por isso regressámos para a voz viva de Sheryl Youngblood e o grande grupo que a acolita. Grande força vocal, bons blues, miss deu-nos blues, rhythm´n´blues e soul com qualidade. Levou-nos até tarde com canções originais e alguns clássicos.

 

House Of The Blues

 House Of Blues

Estar em Chicago e não dar um saltinho à House Of the Blues pode dar cadeia e por isso não arriscámos. A princípio – confesso – desconfiei. A House Of The Blues é um local institucional, mas na verdade, a casa deu-nos música  do melhor. Tem três espaços: um auditório para concertos ao vivo, a Foundation Room para a nighlife e o restaurante e bar que funciona como um clube com música ao vivo. Foi esta a escolha. Chegámos tarde, mas a música ainda estava on fire. A decoração da sala é lindíssima, com quadros de naïfs da zona e do Mississipi.

House Of Blues 

A instituição foi fundada há 30 anos com o objetivo de preservar um espaço para esta música ao vivo, numa altura em que o espaço da cidade se estava a tornar proibitivo.

Os fundadores da House of Blues abraçaram os blues e quiseram celebrar a sua história através da sua permanente renovação - ao vivo. A casa expõe uma coleção de arte vernacular americana, pintores sem escola e autodidatas, principalmente afroamericanos (Mose T., Jimmy Lee Sudduth, Leroy Almon, Roy Ferdinand, Howard Finster, Richard Burnside, Ruth Mae McCrane, Jon Bok, Archie Byron, etc.), envolve-nos em peças incríveis e lindíssimas que constroem um ambiente tradicional e ao mesmo tempo muito contemporâneo. O teto está forrado a bustos laterais (como nas moedas) dos grandes nomes dos blues, feitos em relevo em gesso; um kitsch muito bom. Tudo junto faz aquela mistura soberba de quando o muito mau é muito bom. 

O House Of Blues é agora uma cadeia, um franchising, presente em 11 cidades americanas. Apesar de, como dissemos no início, desconfiramos deste projeto, a verdade é que o visual blues e o áudio blues foram excelentes.

 

Os clubes de jazz de Chicago estão, como tudo o que é bom, muito turistificados. Esta é só a primeira camada e, a partir daqui, é possível ir muito mais fundo nos clubes menos popularizados na internet. A pandemia fechou muitas casas que não aguentaram o tempo que estiveram paradas e a cidade parece estar num processo de renovação. Ou então é só uma ideia de um newcommer turista, que quer é música ao vivo, copos e muito bom ambiente.

Green Mill / casa de banho

Agenda

02 Abril

Zé Eduardo Trio

Cantaloupe Café - Olhão

02 Abril

André Matos

Penha sco - Lisboa

06 Abril

Marcelo dos Reis "Flora"

Teatro Municipal de Vila Real / Café Concerto Maus Hábitos - Vila Real

07 Abril

Jam Session hosted by Clara Lacerda

Espaço Porta-Jazz - Porto

08 Abril

Greg Burk Trio

Espaço Porta-Jazz - Porto

08 Abril

Carlos “Zíngaro”, Ulrich Mitzlaff, João Pedro Viegas e Alvaro Rosso

ADAO - Barreiro

12 Abril

Pedro Melo Alves e Violeta Garcia

ZDB - Lisboa

13 Abril

Tabula Sonorum

SMUP - Parede

14 Abril

Apresentação do workshop de Canto Jazz

Teatro Narciso Ferreira - Riba de Ave

14 Abril

Olie Brice e Luís Vicente

Penha sco - Lisboa

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