Vítor Pereira Quinteto
Sem linhas retas
O guitarrista Vítor Pereira levou ao Hot Clube a música do seu recente disco “Jung”, acompanhado por um grupo de notáveis músicos portugueses (uma formação diferente daquela que gravou o disco). Fomos assistir à estreia do grupo na sala da Praça da Alegria.
Natural do Porto, Vítor Pereira é um guitarrista que vive em Londres desde 2004, onde tem desenvolvido a sua atividade musical. Neste ano de 2022 o guitarrista apresentou dois discos: “Jung”, ao leme do seu quinteto, e “Electric Chamber”, o EP inaugural de uma formação homónima – ambos recenseados por António Branco aqui. Pereira apresentou-se no Hot Clube ao leme de um quinteto com músicos portugueses, diferentes daqueles que gravaram o disco.
Na gravação do disco “Jung” participaram apenas músicos ingleses: Chris Williams (dos famosos Led Bib) no saxofone alto, Alam Nathoo no saxofone tenor, Mick Coady no contrabaixo e Adam Teixeira na bateria. Para as apresentações ao vivo em Portugal (três noites no Hot e uma data no Porto), o guitarrista reuniu um “quinteto português”: Bernardo Tinoco no saxofone tenor, José Soares no saxofone alto (nos concertos seguintes substituído por João Mortágua), Nuno Campos no contrabaixo e Diogo Alexandre na bateria.
Fomos assistir à primeira de três noites do grupo iria atuar no clube da Praça da Alegria (11 de agosto). Esta foi a primeira vez que o grupo tocou a música de Pereira e a tarefa não seria fácil, uma vez que pouco ensaiaram. Também não ajudava a complexidade das composições do guitarrista, que nunca segue linhas simples. Contudo, tratando-se de músicos de elevada qualidade técnica, o grupo tratou de atacar com força e rapidamente entrou dentro da música, dando-lhe forma e fazendo-a evoluir.
A atuação abriu com “Individuation” (o tema que abre o disco), com os dois saxofones em linhas diferentes, explorando as suas diferenças. Com a guitarra sempre presente, o contrabaixo de Campos dava solidez, com sobriedade. Destacou-se desde logo a bateria de Diogo Alexandre, que se afirmado como verdadeira força da natureza, destacando-se onde quer que esteja presente (como aconteceu recentemente no trio com Mané Fernandes em Loulé) – o baterista não se limita a marcar o tempo, acrescenta sempre ideias, faz sublinhados, puxa o grupo para a frente. Nesse tema inaugural destacou-se um intenso solo de Soares, empurrado com a propulsão da bateria.
O guitarrista homónimo do treinador português do “Timão” continuou o set com “The Hero”, um tema que arranca em registo lento, agora com os saxofones unidos. Neste segundo tema destacou-se um solo de contrabaixo, com Nuno Campos a mostrar as suas credenciais (depois de ter editado em 2020 o bem-recebido “TaCatarinaTen”, o portuense prepara uma nova edição para breve).
Seguiram-se outros temas do álbum “Jung” (homenagem ao psiquiatra e psicanalista Carl Jung, pioneiro da psicologia analítica): “Dreams, Myths and Fairytales” (saxofones que começam desencontrados mas que depois se vão unir), “The Shadow” (com mais um solo magnífico de José Soares, apoiado pela locomotiva rítmica de Diogo Alexandre) e “Mandala” (saxofones em diálogo, até que se vai desenvolvendo uma melodia envolvente). O público aplaudiu com entusiasmo, os músicos saíram para o intervalo.
O segundo set inclui mais dois temas do disco: “The Collective Unconscious” (abrindo com diálogo de frases curtas entre os saxofones) e “Synchronicity” (com bom solo de guitarra de Pereira). A setlist da segunda parte inclui ainda temas de discos anteriores do guitarrista: “Bohm’s Hologram” (do seu disco “New World”, de 2016) e “Refreshments” (de “Somewhere in the Middle”, de 2018) – com mais um solo de Pereira digno de nota. Individualmente, a guitarra de Vítor Pereira mostrou que não é exuberante, mas sabe estar sempre atenta e presente. Nesta segunda parte o guitarrista pareceu estar mais desinibido e a guitarra soou mais fluída, mostrando momentos solo mais interessantes.
A principal qualidade desta música assenta na excelência do trabalho de composição de Pereira: a música nunca é óbvia nem fácil, não segue linhas retas, explora diferentes elementos dentro de cada tema, mas inclui sempre ganchos que conseguem agarrar o ouvinte. O quarteto que aqui acompanhou o guitarrista e compositor mostrou capacidade para se adaptar, interpretando os temas com personalidade, acrescentado novas ideias. Apesar de ter sido a primeira atuação, o grupo mostrou uma óptima performance coletiva. Havendo ainda questões por limar, nas próximas noites a música só pode crescer.