Jazz em Agosto, 10 de Agosto de 2022

Jazz em Agosto

Explicar a confusão que é estar vivo

texto: António Branco, Gonçalo Falcão e Nuno Catarino / fotografia: Vera Marmelo – Gulbenkian Música

A edição 2022 do Jazz em Agosto apresentou um programa com foco em três cidades: Chicago, Lisboa e Nova Iorque. O festival da Gulbenkian arrancou com músicos ligados à International Anthem, acolheu figuras internacionais de peso e diversos projetos nacionais. A jazz.pt foi assistir a todo o festival: John Zorn mostrou-se renovado e o maior destaque foi o Seven Storey Mountain VI, "um concerto em mil", com uma música a "explicar a confusão que é estar vivo". 

 

Irreversible Entanglements

Coube-lhes a honra de inaugurar o festival e o auditório ao ar livre da Gulbenkian esgotou rapidamente para ver os Irreversible Entanglements. Vieram de Chicago para apresentar a sua música original que cruza uma base de free jazz com uma postura ativista. Já se tinham estreado em Portugal (em 2019, na Galeria ZDB), mas chegam agora com outro estatuto e trazem na bagagem o aplaudido disco “Open the Gates”.

A atuação arranca e o elemento mais visível do quinteto é naturalmente Moor Mother (pseudónimo artístico de Camae Ayewa) que lidera, com a sua voz, e em registo spoken word vai disparando palavras como quem lança facas. A base instrumental assenta na bateria de Tcheser Holmes e no contrabaixo de Luke Stewart (depois de o termos visto recentemente em Serralves, num outro contexto) – uma dupla de enorme solidez, a amparar o quinteto sempre com um groove imenso.

Instrumentalmente, o elemento mais brilhante acabou por ser o trompetista, Aquiles Navarro (natural de Toronto, com origem familiar no Panamá), que exibiu um fraseado luminoso e incisivo; em contraponto, o sax alto de Keir Neuringer mostrava-se mais rugoso, explorando outras dimensões - Neuringer e Navarro trabalharam ainda com os sintetizadores, acrescentando diferentes ambientes eletrónicos à massa sonora. Sobre o tapete instrumental, a voz de Mother lançava palavras com agressividade, sempre em ata intensidade, sempre desafiante.

O quarteto instrumental (ao qual se juntava pontualmente Mother na percussão), começou por se mostrar muito interessante, lembrando a histórica colaboração do New York Art Quartet com Amiri Baraka; aqui a música também é livre, mas a base rítmica é mais estável, a vertente poética é menos evidente, há mais intervenção. A atuação do quinteto consistiu na apresentação de um tema único, seguido, sem pausas, sendo que o som do grupo se mostrou sempre num registo muito similar (apenas com mais variações na parte final) - o que levou a que o concerto tenha soado demasiado longo.

Os Irreversible Entanglements mostraram na Gulbenkian que a música não é só entretenimento, que também pode ser uma voz ativa na luta contra as injustiças. Fica o seu exemplo, como inspiração para que outras vozes – lá fora, mas também cá em Portugal – se ergam. (N.C.)


Nicole Mitchell & Moor Mother

Ao final da tarde de domingo, o auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian acolheu um concerto mais intimista, a atuação da dupla Nicole Mitchell & Moor Mother. Se na noite anterior, ao leme dos Irreversible Entanglements, Moor Mother se mostrou como guerreira imparável, no final da tarde de domingo revelou um outro lado.

No mesmo registo, spoken word, aqui acrescentada com a manipulação de eletrónica, Mother mostrou uma voz mais suave, sem a agressividade anterior. Por seu lado, a flautista Nicole Mitchell (senhora de notável percurso e discografia) esteve particularmente contida e discreta, tendo-se mostrado pouco na flauta, trabalhando sobretudo na exploração de eletrónica. Os ambientes sonoros criados por Mitchell e Mother resultaram interessantes, embora sem momentos de particular tensão. (N.C.)


Rob Mazurek’s Exploding Star Orchestra

Já à noite assistimos a um dos momentos maiores do festival. O auditório ao ar livre recebeu a Exploding Star Orchestra liderada por Rob Mazurek e o público voltou a esgotar o recinto. Mazurek foi conduzindo (literalmente, por vezes fazendo de maestro) a música deste ensemble de treze músicos, sendo que alguns deles são reconhecidos como figuras de proa dos seus instrumentos.

Destacaram-se desde logo as participações de Nicole Mitchell (flauta) e Jaimie Branch (trompete). Se durante a tarde Mitchell tinha estado discreta no duo com Moor Mother, à noite exibiu com fulgor o seu virtuosismo enquanto flautista, com momentos de particular brilhantismo. Também notável esteve Branch, exibindo no trompete o seu fulgor discursivo (e o seu Fly or Die será sempre muito bem-vindo a Portugal!). Mazurek aproveitava para intervir pontualmente, com força e precisão, sem roubar demasiado protagonismo.

Individualmente, assistimos também a bons momentos de Tomeka Reid (no violoncelo), Julien Desprez (na guitarra elétrica), Angelica Sanchez (no piano) e Ingebrigt Håker Flaten (no contrabaixo). Mas a música do ensemble fez-se valer sobretudo pela construção do grupo, pela massa comum, que crescia de forma progressiva, pelo envolvimento coletivo, por vezes fazendo-nos até crer numa dimensão espiritual. Mazurek costurou que múltiplas referências, indo de momentos evocativos do free, outras vezes com rigor matemático; mesmo com muita eletrónica, a música do grupo resultava fluída e orgânica.

Figura central da cena internacional desde os anos ’90, Mazurek tem apresentado um trabalho magnífico ao leme de empreitadas como Chicago Underground (nas diversas configurações), São Paulo Underground, Isotope 217, Starlicker ou as várias gravações em nome próprio e diversas colaborações. Agora, Rob Mazurek vem reafirmar a força da sua visão criativa, apresentando-nos um jazz que transborda fronteiras, que vive do brilhantismo dos intervenientes e, simultaneamente, os faz brilhar. O público da Gulbenkian reconheceu e aplaudiu. (N.C.)


Anteloper

E somos assim chegados ao terceiro dia do Jazz em Agosto. “Primeiro de agosto, primeiro de inverno”, lá diz o antigo aforismo dinamitado sem apelo pelas alterações climáticas. O calor tórrido do final da tarde lisboeta mostrou-se apropriado para acolher a colaboração musical entre Jaimie Branch (Fly or Die, High Life) e Jason Nazary (Little Women, Helado Negro, Bear in Heaven), músicos sempre dispostos a arriscar e a surpreender quem os escuta.

Se no passado os encontros entre ambos giraram em torno dos seus instrumentos de base, os dois dão aqui, conjuntamente, resolutos passos em direção a outros domínios musicais, ampliando sobremaneira os respetivos perímetros sónicos de intervenção. Enquanto Anteloper, o duo liga-se à corrente interminável de eletrões para produzir uma música inclassificável, psicadélica (as projeções ajudaram), hipnótica, numa metamorfose gradual que deixa o ouvinte no limbo da expetativa.

Como num lego, as pedras vão-se encaixando e criando um universo próprio, em interações telepáticas e negociações sónicas. Interessantes os contrastes entre o lado orgânico dos instrumentos e o que resulta do seu processamento eletrónico em tempo real. A bateria foi garante de uma vital pulsação rítmica, sempre com nuances, em interligação com as camadas, ora mais rugosas, ora mais atmosféricas, injetadas por Branch. Ao caldeirão juntaram vozes de proveniência ignota, mas plenas de sentido. Momentos quase dançáveis alternaram com outros que pareciam saídos da cena psicadélica de final de sessentas; passagens mais energéticas lançavam divagações espaciais, num jogo de estímulo biunívoco.

No trompete, Branch atacou notas isoladas ou propôs frases curtas que geralmente processava (houve momentos em que tal não aconteceu, mantendo a limpidez do som). Recorreu a instrumentos de percussão para adicionar mais um elemento rítmico. Também cantou, numa pose cool mas plena de compromisso. Apesar da adequada resolução – com as projeções já extintas e a massa sonora a esvair-se – estou em crer que todos teríamos ganho se o concerto tivesse tido 10 minutos menos. (A.B.)


Damon Locks Black Monument Ensemble

Nessa noite, no auditório ao ar livre, aconteceu um dos concertos mais aguardados desta edição do festival da Gulbenkian, o do Black Monument Ensemble, fundado em 2015, em Chicago, pelo artista multidisciplinar e ativista Damon Locks. O projeto, que evoluiu de uma missão a solo para um vibrante coletivo de artistas, anda às voltas com “Where Future Unfolds”, de 2019, e “Now”, de 2021, emblemas da International Anthem.

Tal como sentíramos nos discos, a formação pega, e bem, na herança não apenas musical mas também da luta pelos direitos cívicos da população afro-americana nos Estados Unidos, ainda tão urgente (Black Lives Matter e outros movimentos). Para este rio caudaloso confluem vários tributários: as canções de trabalho, os cânticos religiosos, a Broadway, mais à distância o jazz; em suma, a esperança num país melhor, expressa sob a forma de canção. Mas ficamos com a sensação de que tudo se trata de uma revisão da matéria dada, quando desejaríamos uma atualização, uma interpelação daquelas bases à luz do nosso tempo. Queríamos uma verdadeira revolução e não foi isso que aconteceu.

A música que escutamos escapa ao que convencionamos chamar jazz, aproximando-se do formato de teatro musical. Três vozes femininas (Erica Nwachukwu, Monique Golding, Tramaine Parker), um bloco rítmico devedor da tradição africana (Dana Hall na bateria e Arif Smith nas percussões), uma carismática clarinetista (Angel Bat Dawid) e Locks a dirigir as operações a partir dos samples e das eletrónicas. Aliás, tudo começava invariavelmente assim: Locks disparava um sample (vozes pré-gravadas de ativistas, beats, outros sons eletrónicos) e logo a máquina se punha em marcha.

Na total ausência de instrumentos harmónicos e quase total no que respeita a instrumentos melódicos, quase tudo acontece a nível rítmico (embora raramente chegue ao apelo tribal de uns Art Ensemble of Chicago) e vocal, com o clarinete de Dawid a funcionar com uma espécie de charneira entre ambos os blocos; é dela o input mais jazzístico de todos. O seu som leva-nos amiúde lá atrás, às marching bands de Nova Orleães e aos seus integrantes, não deixando cair no olvido que muitos deles subiram o Mississípi para chegar à cidade ventosa.

Escutou-se esse hino ao desejo de mudança que é “Rebuild A Nation” («I can rebuild a nation no longer working»), com o seu groove poderoso, mas também “Now (Forever Momentary Space)” («You can free it all, light in their eyes / You can free it now, see nobody dies»), a força telúrica de “Power” (com Bat Dawid orgulhosamente de punho erguido) com a repetição da impactante frase «The struggle is not empty» a dar lugar à questão primordial: «Is there a time for love?», “From A Spark To A Fire” ou “Statement of Intent / Black Monument Theme”.

Esse acento tónico no fator rítmico acabou por revelar algo monótono, com as canções a soarem muito próximas umas das outras. Nada que impedisse Locks, o próprio, de dançar, e que muitos se levantassem dos seus assentos: Jaimie Branch, efusiva como três horas antes, foi uma delas. Não isento de percalços (alguns desacertos vocais, disparos hesitantes de samples), foi um concerto que deixou um sabor agridoce: se a mensagem de protesto se mantém toda lá, do ponto de vista estritamente musical escasseiam o arrojo e a novidade. À saída, na mente ecoavam ainda as palavras de Mattie Humphries: «Time is just the difference between knowing now and knowing nothing. Because if you know now fully, it’s past, present, and future.» O tempo é agora. (A.B.)


Filme “A Escuta”, de Inês Oliveira

«Eu não queria ser igual.» Se existe frase que resume “A Escuta” será esta. O filme traduz o olhar sensível da realizadora Inês Oliveira sobre o trabalho de mais de meio século do violinista e improvisador (e alguém a quem as partituras bloqueiam) Carlos “Zíngaro”, que passou ao final da tarde de 2 de agosto, no auditório 2.

Narrado pelo próprio, com uma voz que hoje diz estranhar, o filme, estreado no IndieLisboa deste ano, passa em revista o percurso do mais internacionalmente reconhecido dos improvisadores nacionais. “Zíngaro” perscruta a infância musical, os traumas da tropa, a efervescência pós-revolucionária, as referências (Bach, Bartók, Paganini), as experiências artísticas (Plexus, Heavy Band), o lendário recital no Mosteiro dos Jerónimos, a importância das artes visuais, o imperecível desejo de fazer diferente. A postura inconformada, inegociável. Uma mente criativa que continua a fazer a diferença, na sua abordagem “composicional” da improvisação, tal como se viria a constatar, novamente, em concerto, três horas depois.

Apesar de motivado pela admiração da realizadora pelo músico, o filme leva-nos por caminhos porventura menos esperados, mostrando o lado íntimo e frágil de alguém que não deixa de se confrontar com os seus próprios fantasmas. Vemos “Zíngaro” a tocar envolvido pela escuridão, por vezes apenas o movimento do seu corpo, a sua voz ou tão só o silêncio, esse silêncio que tanto preza. Nada é escamoteado: os anos que passaram, o processo de envelhecimento, a consciência de tudo o que fez e não fez, do que ficou para trás. Importa mais que tudo a história que dele se contará no futuro. Para ilustrar parte do seu modus operandi em trabalho coletivo, a realizadora recorre também a imagens de “Zíngaro” com o Sudo Quartet – com a sempre interventiva Joëlle Léandre (deliciosas as cenas que a mostram – e a “Zíngaro” – a montar o seu contrabaixo), o trombonista Sebi Tramontana e o baterista Paul Lovens, em viagem, nos ensaios e a tocar num concerto no clube Porgy & Bess, em Viena, em 2019 (a formação atuou na edição de 2017 do Jazz em Agosto).

De lamentar apenas a falta das legendas que permitiriam identificar os participantes nas várias imagens de arquivo, em especial nas mais antigas.

O segredo de uma abordagem única à vida e à música? «A escuta, o saber ouvir.» (A.B.)


Tashi Dorji

À noite, já no anfiteatro ao ar livre, numa noite dupla, começou por se apresentar o guitarrista Tashi Dorji, nascido no Butão e fortemente influenciado por Derek Bailey (mas também por Keith Rowe e Bill Orcutt, acrescentaria) quando, na viragem do milénio, se mudou para Asheville, Carolina do Norte.

No seu guitarrismo especial, muito físico, instintivo e espontâneo, mas nem por isso especialmente inovador, construiu paisagens sonoras abstratas, eletricamente carregadas, a espaços com ressonâncias orientais. Processou o seu próprio som em tempo real, percutiu as cordas e o corpo do seu instrumento, fê-lo embater contra o chão, geriu feedbacks e distorções, indagou a afinação.

Ficou claro que mantém aceso o fogo das escutas de juventude (até pela postura adotada), rock e metal. A espaços emergem fragmentos melódicos que logo se desintegram, emersos em padrões densos e hipnóticos. Como recentemente escreveu, a sua prática de improvisação está em constante mutação: o que é num momento pode não o ser no seguinte. A música será certamente imagética, mas não exibiu rasgo particular. (A.B.)                                                                                                           


Turquoise Dream

Logo a seguir tocou o quarteto paritário Turquoise Dream, formado em 2019 e que junta Carlos “Zíngaro” (violino), Marta Warelis (piano), Helena Espvall (violoncelo) e Marcelo dos Reis (guitarra acústica), mú[email protected] com personalidades musicais muito próprias e vincadas e enquadramentos musicais distintos. É precisamente desta riqueza que se nutre o som da formação, que não se deixa balizar.

Do registo homónimo do quarteto, gravado durante a edição de 2019 dos Encontros Internacionais de Jazz de Coimbra, no Museu Nacional Machado de Castro, e também desta sua apresentação na Gulbenkian, fica patente o recorte camerístico muito peculiar e desafiante de dogmas – venham eles de que domínio musical vierem –, com “Zíngaro”, figura maior da improvisação (nacional, europeia, mundial, do sistema solar), no centro de tudo o que acontece, pilar central em torno do qual gravitam os demais instrumentos, sejam o piano de filigrana de Warelis, as texturas urdidas por Espvall ou a guitarra sempre interventiva de dos Reis. Foi aliás notória uma cumplicidade especial entre violinista e guitarrista.

A música do quarteto – completamente improvisada – é noturna, enigmática, rica em detalhes, convocando elementos de múltipla origem (como o perfume balcânico que o violinista por vezes propõe ou as frases de um lirismo comovente), logo transformados e integrados no jogo coletivo, numa aritmética em que o cômputo é maior do que a soma das partes. (A.B.)


Voltaic Trio

Luís Guerreiro (trompete e eletrónica), Jorge Nuno (guitarra elétrica) e João Valinho (bateria) criaram o Voltaic Trio e apresentaram-se no palco do auditório ao ar livre para o primeiro concerto da noite. Anunciava-se catártico.

O trio começou em duo pois Jorge Nuno foi apanhado por dificuldades no seu set-up. A bateria de Valinho disparou-se numa batida rápida e pesada e o arsenal eletrónico de Luís Guerreiro respondeu com graves nos teclados e um trompete aéreo e textural. A música estava boa, intensa e prometia.

Enquanto isto acontecia, o guitarrista tentava resolver as questões técnicas e demorou algum tempo até perceber o que é que lhe estava a cortar o som; com a ajuda dos técnicos, substituiu-se o amplificador. Resolvido um problema criou-se um muito maior. O amp de substituição não foi micado e o guitarrista colocou o volume num nível absurdo que se sobrepôs a tudo, talvez pensando que assim compensaria a ausência do seu som no PA. Descarregou guitarra aos magotes como se estivesse a purgar as frustrações de um país. Como a equipa do som não interveio para corrigir o volume, gerou-se um enorme desajuste entre o som dos três instrumentos. Quem estava na plateia frontal ao palco quase só conseguiu ouvir a guitarra com os pratos da bateria muito ao fundo. O trompete e a eletrónica foram praticamente engolidos pelas explosões de Jorge Nuno. Não tendo havido qualquer intervenção para, pelo menos, avisar o músico do desajuste (nem que fosse na curta pausa depois do primeiro tema; a intenção do guitarrista não seria certamente a de anular os seus companheiros de palco), o que ouvimos foi quase só um concerto desinteressante de guitarra solo com bateria e a eletrónica e o trompete em paisagem.

Assim sendo podemos dizer que ouvimos um concerto em duas partes. Um início curto com um duo de bateria, eletrónica e trompete denso e cheio de sons com uma propulsão rítmica intensa, e um segundo com um solo de guitarra e distorção (com coisas no fundo) catártico (mas chavasco).

Um concerto desequilibrado a que faltou uma correção técnica. (G.F.)


أحمد [Ahmed]

Na segunda parte da noite fomos ouvir a música do quarteto Ahmed que relê a obra do contrabaixista Ahmed Abdul-Malik (1927-1993). Mas não é uma “recuperação” literal do hard-bop criado pelo contrabaixista de Brooklyn. Só a bateria e o contrabaixo mimetizam frequentemente a secção rítmica de “African Bossa-Nova”, mas em esteróides, a um passada infernal.

Sem recorrer ao Gnawa ou às percussões marroquinas, como fez Ahmed Abdul-Malik, o grupo repensou a música de forma muito interessante, apostando na ideia de ciclos repetitivos e de procura de proximidades e afastamentos dentro desses ciclos de poucas notas, num jogo hipnótico, que foi deslumbrante de seguir.

São frases pequenas, de poucos segundos, repetidas à exaustão; insistentemente reiteradas vão criando pequenas variações em cada um dos instrumentos do quarteto num diálogo rápido que vai gerando proximidades e afastamentos, como se o quarteto estivesse dentro de um elástico gigante em que, para uns se aproximarem os outros têm que se afastar.

Esta fórmula de repetição obsessiva foi a encontrada para responder ao espírito da música do homenageado que procurou trazer para o jazz a música do norte de África.

O piano martelava frases melódicas, quase infantis, que pareciam próprias para um jogo a 8 bits. O saxofone, incansável, também em frases curtas, paralelas, insistia também na repetição de melodias pequenas e simples que se vão progressivamente alterando e modelando. A bateria e o contrabaixo, muito rápidos, pareciam estar a tocar outra música. Aqui sim, ouvíamos uma referência clara a “African Bossa-Nova” um tema emblemático de Ahmed Abdul-Malik, editado no disco de referência do contrabaixista “Sounds of Africa”.

Uma ideia cáustica e surpreendente que foi excelente de ouvir. Uma versão “Terry Riley do jazz” onde a repetição obsessiva, com pequenas alterações progressivas, vai construindo um mantra hipnótico e ao mesmo tempo intenso porque sempre diferente. A proposta radical surpreendeu por ser totalmente nova e encantou com a sua estranheza. Muito racional e simultaneamente muito natural.

O quarteto tem Pat Thomas no piano, Joel Grip no contrabaixo, Antonin Gerbal na bateria e Seymor Wright no alto.

A música dos Ahmed começou a construir um jogo conceptual interessante no festival: entre o projeto de Ahmed Abdul-Malik, na recuperação da música do Norte de África (que também foi usada por Peter Brötzmann, por exemplo, quando toca com Mahmoud Guinia) e, uns dias depois, o projeto zorniano de recuperação da tradição klezmer através do jazz. O jazz é uma música integradora e de diálogos e o Jazz em Agosto soube construí-los. (G.F.)


Ava Mendoza

A guitarrista Ava Mendonza já tinha vindo ao Jazz em Agosto com o seu grupo Unnatural Ways. O som da guitarrista assenta na tradição americana, com um travo a country, um sustem excelente e um pouco de saturação. Tocou canções, um pouco na esteira do que o Bill Frisell tem feito, mas o seu discurso é menos claro e cristalino e mais sujo e roqueiro. Ava tem um bom domínio da guitarra e o solo estava muito bem estruturado. Foi-se desenvolvendo com grande fluidez sempre numa lógica de canção abstrata, explorando os erros ou as surpresas, sem nunca perder uma noção do todo e de um percurso. Explorou o espaço entre a “americana” de Frisell e a guitarra roqueira de Julian Desprez ou Luís Lopes. No final cantou e construiu um começo de noite muito bom, que preparava o terreno para o grupo alargado que se seguia. (G.F.)


João Lencastre’s Communion

A noite fechou com o projeto Communion de João Lencastre. As composições do baterista são histórias que passam por vários lugares e andamentos. Dentro de cada tema existem vários momentos com sonoridades diferentes que exploram as diferentes possibilidades tímbricas do grupo alargado (octeto). Veio apresentar “Unlimited Dreams”, o álbum recentemente editado.

Os Communion já foram um quinteto, depois um trio e agora são um octeto. Albert Cirera e Ricardo Toscano nos saxofones (tenor e soprano + alto, respetivamente), André Fernandes e Pedro Branco nas guitarras elétricas, João Hasselberg no baixo elétrico e eletrónica, Nélson Cascais no contrabaixo, Benny Lackner no piano e, claro, Lencastre na bateria. Este dobrar de instrumentos (saxofones, guitarras e baixos) dá ao músico a possibilidade de não só ter um som mais orquestral, mas também de criar diferentes linhas melódicas paralelas. A música fica mais interessante mantendo-se melodicamente clara e atraente.

A bateria e o baixo desempenham um papel fundamental. Hasselberg é não só interessantíssimo com a eletrónica, com enorme bom gosto no uso e escolha dos sons, como dá umas linhas de baixo funky, que parecem fáceis mas que na verdade resultam de um encaixe criativo de padrões rítmicos estranhos na métrica da música. Um jazz aberto, paisagista, ritmado, onde o saxofone de Toscano e a guitarra de Pedro Branco se destacaram nos solos mas que funciona principalmente pela solidez da escrita que nos faz percorrer diferentes caminhos melódicos ao longo de cada música, resultando num concerto muito bom. (G.F.)


Pedro Carneiro & Rodrigo Pinheiro

O maestro e percussionista Pedro Carneiro tem desde há muito, procurado combinar a sua prática musical no campo da música escrita com a improvisação. Ao entrarmos no grande auditório repararmos que num grupo de jovens equipados com a t-shirt da Jovem Orquestra Portuguesa, de que o maestro é responsável. Pedro Carneiro entrou, enfrentou a grandiosidade da marimba e Rodrigo Pinheiro sentou-se no banco do piano. Os dois instrumentos têm sonoridades muito contrastantes apesar de serem aparentados. A madeira da marimba contrasta com metal do piano, mas os dois músicos souberam gerir as diferenças e nunca procuraram mimetizar-se ou encontrar formas comuns mas sim construir dois discursos complementares que funcionassem em conjunto como um diálogo de diferenças. O concerto dividiu-se naturalmente em quatro partes/temas. Em cada um Pedro Carneiro procurou dar um começo e personalidade diferente que Rodrigo Pinheiro interpretou. Um concerto muito elegante e bonito que de algum modo nos preparou para o que vinha a seguir (mas que ainda não sabíamos...).

No final, para além da música, foi também belíssimo ver a claque do maestro: aqueles jovens músicos têm assim contacto com vários géneros diferentes - o que lhes abre o ouvido - e foi quase comovente presenciar a amizade pelo seu professor, que os levou até à Gulbenkian em agosto e a um apoio tão entusiasmado e carinhoso. (G.F.) 


Nate Wooley’s Seven Storey Mountain VI

Um concerto em mil. Quando nos sentámos na plateia do grande auditório estávamos prestes a entrar num concerto muito especial, dos que eleva a alma. São muito raros.

Seven Storey Mountain é uma ideia musical com 16 anos, criada em 2007. É parte de um ciclo chamado Merton Book que foi inspirado pela autobiografia do monge e escritor Thomas Merton. O monge trapista foi um visionário que advogou o diálogo inter-religioso e a procura de forma de espiritualidade mais transversais. A peça que veio à Gulbenkian é a sexta parte deste ciclo.

Apesar de Thomas Merton ter ouvido e gostado muito de jazz na infância (e a esta música ter voltado nos seus últimos dias, depois de um período em que procurou música mais meditativa), a sua presença nesta peça de Nate Wooley tem menos que ver com os seus interesses musicais pessoais e mais com o modo como ele entendeu e abraçou sua própria falibilidade e a falibilidade dos outros, expressa na sua autobiografia.

O modo como o pensador percebeu a grande confusão que é estar vivo é lindíssimo, e esta sexta parte é sobre isso. E é de facto uma peça confusa, belíssima e enlevada, sem qualquer tipo de agenda religiosa. Foi escrita para a experiência extática dos músicos e da plateia. «Eu quero mudar o ar da sala de algum modo, quero que vibre de uma forma diferente e que o público sinta uma mudança entre o momento em que entrou no auditório e o que saiu depois da música.» E se a ambição não é pequena, posso garantir que foi totalmente conseguida. Saí da sala outro. «Se as pessoas equivalem essa sensação a um sentimento religioso, fico feliz que elas o sintam, mas não é essa a minha intenção, a de promover um sentimento religioso ou abertamente espiritual. Eu só quero que as pessoas sintam algo diferente.»

A peça começa com uma banda sonora. Todas as versões da peça usam uma banda sonora de suporte. É uma gravação do ar condicionado de casa do trompetista com uma edição básica.

A cada versão, algumas partes desta banda sonora são apagadas e outras são adicionadas para dar uma sensação de evolução ao longo do tempo (algumas coisas morrem, outras nascem).

A forma da peça é projetada na esperança de alcançar um estado de arrebatamento: no início o mundo musical é bastante estático, o que faz o ouvinte relaxar ou então cria alguma impaciência. As três baterias (Chris Corsano, Teun Verbruggen e Ryan Sawyer) começam com escovas e encaixam o seu som no da gravação. Depois a densidade vai crescendo. Surgem as baquetas. Por cima das baterias aparecem os dois Fender Rhodes (Håvard Wiik e Rodrigo Pinheiro que tinha acabado o duo com Carneiro e teve que rapidamente mudar o seu mindset para as pautas de Wooley e fê-lo brilhantemente), depois os dois violinos (Samara Lubelski e C. Spencer Yeh); de seguida entra Susan Alcorn (em pedal steel guitar) com um som flutuante a que se somou Julien Desprez (em guitarra elétrica) que toma conta da situação na sua forma de solar furibunda. Ava Mendoza, a terceira guitarrista soma-se ao grupo na mesma lógica de Alcorn. Enquanto isto o trompete, sem bocal, grita umas frases impercetíveis, mas que soam a palavras.

A densidade sonora é imensa, o volume cresce e permanece por muito tempo numa babel musical. Estamos numa fábrica metalúrgica do século XXI. É uma confusão violenta a que está instalada na sala (noutras versões da peça foi usado um octeto com pedaços de latão percutidos). Se estavam ouvintes da Smooth FM e do EDP Cool Jazz ainda resistentes, foi aqui que desistiram. Aquele mundo jazzístico não estava para alunos do preparatório.

A permanência da densidade sonora maximiza a intensidade emocional; na plateia perguntamo-nos: como é que se para esta avalanche? Findo um período longo neste mundo agreste, os instrumentos começam a sair pela ordem que entraram. Ficámos com a sensação que já percebemos a estrutura de peça. Que é uma montanha. Mas enganámo-nos.

Os Estados Unidos vivem um período particularmente intolerante em várias questões cívicas e sociais e em particular nos direitos das mulheres. No final da peça, quando os instrumentos começam a desaparecer e a tempestade sonora começa a amainar, Nate Wooley dá voz às mulheres. Somos surpreendidos por um coro feminino (Coro Gulbenkian), na parte de trás do auditório, que canta em monodia (só no final da peça usam a polifonia, a maior parte do tempo cantam juntas e a uma só voz, como numa manifestação ou protesto) um hino de Peggy Seeger (“Reclaim the Night”, um texto sobre o abuso sexual das mulheres – «And some men place us lower still / By using us against our will»). Quase celestiais, as vozes que cantam por cima de nós. A peça de Peggy Seeger é interrompida com uma frase: «You can’t scare me / You can’t scare me». A monodia deu lugar à polifonia. E assim termina a peça.

Precisamos de um respiro. Toda a energia e intensidade – até raiva – do meio da peça é direcionada para este sentimento muito específico de esperança e coragem: “You can’t scare me”.

Ouvida a peça ficamos com a sensação de ter participado numa espécie de liturgia musical. Saímos elevados. Não dá para falar ou comentar. É preciso um folego, um tempo de distanciamento emocional. Levámos um murro no estômago e logo a seguir uma dose enorme de esperança no futuro da humanidade. E com a esperança que a sétima parte do ciclo venha a ser escrita e que a possamos ouvir. (G.F.)


Chris Corsano & Bill Orcutt 

Este é um daqueles concertos em que não podemos esperar nada mais do que já conhecemos sendo que, o que já conhecemos é muito bom. Orcutt é um guitarrista de culto que desenvolveu a linha elétrica da linguagem da guitarra americana criada por John Fahey (ele próprio com álbuns fabulosos na eletricidade no final da sua vida; ex: “Red Cross”, “Womblife”) e Loren Mazzacane Connors. Usa a palheta e não o fingerpicking o que resulta numa linguagem menos saltitante e mais muito mais acra.

Corsano é uma peça fundamental nesta equação musical pois força o guitarrista a sair do mundo do open tuning tradicional e confronta-o com uma bateria que nunca lhe dá um lugar estável para assentar. Baterista único, consegue esta um concerto inteiro sem deixar marcar os tempos fortes, o que impede Orcutt de assentar no binarismo da folk americana. Este mundo rítmico que tanto entusiasmou Björk, intui métricas variáveis que criam um espaço sónico diferente para a guitarra elétrica. Parece uma música que está sempre a acabar.

Os ritmos acelerados, fortes fazem o guitarrista estugar o passo. Obrigam-no a mudar, a tentar encontrar um espaço para construir a sua música. Lembramo-nos do blues de James “Blood” Ulmer e de como este duo de algum modo parece pegar neste legado e leva-o para um lugar completamente novo, com um espírito tão próximo. Que bonito! (G.F.)


Borderlands Trio 

Desde 2015 o Borderlands Trio reúne Stephan Crump, Kris Davis e Eric McPherson num projeto de improvisação. É uma música de pequenos elementos, pontilhística que em grande medida vive do facto dos três terem linguagens muito particulares nos seus instrumentos e terem conseguido inventar uma forma de tocar que cria um lugar para cada músico.

A fórmula do trio é simples. Cada músico é extraordinário no seu instrumento e ouvi-lo a solo é, por si só, excelente. Assim o que eles conseguem construir é um mundo musical onde cada um tem o seu espaço próprio. Estão todos em locais diferentes – musicalmente falando – e propõem-se a encontrar modos de construir um sentido musical comum, mantendo-se aparentemente distantes.

Partilham de uma característica comum que é o facto de serem muito tradicionais e muito contemporâneos simultaneamente. Sabem abrir espaços, criar zonas para que sejam ouvidos, Para que surjam duos e para que tenham diálogos claros sem sobreposições, como numa conversa civilizada.

Davis, por exemplo tem a irregularidade e desequilíbrio monkiano. O baterista que se notabilizou com Avishai Cohen, tem uma carreira espantosa a tocar com clássicos como Pharaoh Sanders e Andrew Hill, ou contemporâneos como Jason Moran ou Greg Osby. Está sempre a mudar de ritmos nunca desempenhando um papel de acompanhamento. Foi quase mágico ver o modo como esta fórmula aparentemente estranha se resolveu. Três músicos diferentes que constroem o seu espaço próprio, que dá espaço ao dos outros e que, com um ouvido musical apuradíssimo, encontram maneiras de fazer com que a música de cada um encaixe num todo coletivo, mantendo-se singular. Coisas diferentes, de naturezas diferentes, que não funcionam como uma, mas encaixam perfeitamente para contruir um conjunto.

Infelizmente o concerto foi frequentemente assolado por interferências: foi uma noite particularmente intensa para a aviação comercial que – provavelmente por questões meteorológicas – descolou na direção do grande auditório com regularidade, o que interferiu com esta música delicada. E os instrumentos acústicos nada conseguem contra máquinas voadoras. (G.F.)


Sara Schoenbeck & Matt Mitchell 

Fagote e piano. Só a instrumentação já deixa qualquer melómano curioso. O som do fagote, cheio de madeira e de graves é encantador. Sara Schoenbeck, como Pedro Carneiro de resto, procura na improvisação um mundo musical diferente daquele que lhe parecia estar inelutavelmente destinado: a orquestra ou a câmara. O seu instrumento apresenta limitações, é pouco maleável e lento. A ligação ao piano não é natural porque a natureza técnica, sonora e expressiva dos dois é complicada. E o concerto expôs sem complexos essas diferenças e essas fragilidades.

Foi uma música fria, feita de contrastes, de agudos e graves, de frases irregulares e que pareciam escritas por um matemático, enxertadas em peças de Henry Threadgill, explicou Sara Schoenbeck. O concerto, pouco emocionante, ouviu-se com agrado, mas sem conseguir impressionar. (G.F.)


John Zorn New Masada Quartet

O Jazz em Agosto tem construído uma relação ao longo de vários anos com o nova-iorquino que o faz ser um assíduo do palco de Fundação Calouste Gulbenkian e que Portugal seja um dos poucos destinos europeus do músico. Começou em 1990 quando Rui Neves trouxe os Naked City ao Fórum Picoas e desde então o atual programador do festival tem tentado dar a ouvir os sucessivos trabalhos do músico em Portugal.

Zorn tem uma legião de fãs que adoram a sua música e a sua atitude. Para eles, esta relação é uma benesse dado que não é fácil ouvi-lo ao vivo na Europa. Para além da Gulbenkian, John Zorn esteve em julho em Molde, Noruega, e em março na Alemanha. Até ao final de 2022 não se conhecem por enquanto mais datas do saxofonista na Europa.

A sua música não está nas plataformas de streaming, não fala com jornalistas, não dá entrevistas, não envia discos promocionais para os órgãos de comunicação social, não explica a sua música ou as suas ideias, não gosta de fotógrafos, a sua editora – Tzadik – tem um website primitivo. Mas há um público adepto deste S/M jazzístico e vem avidamente esgotar este permanente “fuck you” a tudo e todos “e assim sucessivamente”.

Não tem sido fácil encontrar grandes novidade na música de John Zorn desde 1996, quando saiem os segundo e terceiro volume dos “Masada”. Até então o músico habituou-nos a grandes ideias novas a um ritmo inumano. Foi um excelente improvisador que inventou/introduziu não só novas formas de tocar saxofone no jazz (o flatterzunge cuspido, os guinchos só com o bocal, as subidas graves/agudas à velocidade da luz, a modelação do volume usando o joelho como surdina). Também trouxe novos processos de improvisação (“Cobra”), novas formas de tocar hard-bop (“News For Lulu”) ou free (“Spy vs. Sp”" ou “Song X”), novas ideias na escrita (“Naked City”), experiências sonoras radicais (“Painkiller”), música contemporânea escrita interessante (“Elegy”). Tem uma prolífera atividade editorial, difícil de acompanhar e até de separar a novidade da revisão/versão.

Neste New Masada Quartet, com Julian Lage na guitarra elétrica, Trevor Dunn no contrabaixo e Kenny Wollesen na bateria, ouvimos uma mistura curiosa de vários dos processos anteriores. A improvisação dirigida com os sinais do “Cobra” (mas só com Zorn a dirigir sem permitir que os outros músicos também interfiram na direção da música, como a peça original prevê), a música dos Naked City com os seus elementos mais típicos, a compressão, aceleração, zapping e on/offs e por fim as melodias do “Masada”.

Foi em si próprio que encontrou o modo de refrescar a fórmula do Masada, que se tornou entediante por tão insistentemente repetida. Até hoje, o modo que Zorn usou para disfarçar o “cheiro esquisito” da repetição dos 800 Masadas (“jazz is not dead, it just smells funny”, escreveu Zappa) era a instrumentação. Grupos diferentes, com instrumentações e personalidades musicais diferentes, atenuavam a sensação de "déjà vu". Com esta nova abordagem as músicas ficavam realmente diferentes porque os processos a que são submetidas (de corte, cola, acelera, comprime, liga/desliga, repete, improvisa) são muito mais renovadores.

Assim, no final, foi mais um bom concerto de John Zorn, com ele a tocar e a relembrar os tempos idos de 1990 quando os Naked City abriram novas portas para esta música de que gostamos, cuja dimensão histórica só será possível avaliar daqui a alguns anos. (G.F.)

Agenda

07 Junho

Indra Trio

Liceu Camões - Lisboa

07 Junho

Orquestra de Jazz da ESML “A música de John Coltrane”

Auditório Vianna da Motta – ESML - Lisboa

07 Junho

Choro do Neckar

Cascais Jazz Club - Cascais

08 Junho

Afonso Pais e Tomás Marques

Miradouro de Baixo - Carpintarias de São Lázaro - Lisboa

08 Junho

George Esteves

Cascais Jazz Club - Cascais

08 Junho

Bernardo Moreira, Ricardo Dias e João Moreira

Távola Bar - Lisboa

08 Junho

Jam session

Sala 6 - Barreiro

09 Junho

Pedro Neves Trio “Hindrances”

Parque Central da Maia - Maia

09 Junho

Milton Guedes

Jardim da Colina - Porto

09 Junho

No-Bise

Nisa’s Lounge - Algés

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