Südtirol Jazzfestival 2022
O irmão mais novo
Celebrando os seus 40 anos, o festival de jazz de Südtirol realizou-se entre 24 de junho e 3 de julho, levando jazz ao norte de Itália, quase na fronteira com a Áustria. O colaborador da jazz.pt Sérgio Oliveira teve a oportunidade de assistir a alguns momentos do festival. Deixamos aqui o seu relato.
Ainda vai o ano a meio e, depois dos 50 anos do Burghausen Jazz Festival e dos 52 anos do New Orleans Jazz Fest, eis um irmão mais novo, o Südtirol Jazzfestival a celebrar os seus 40 anos.
E que festival meus senhores, se é que verdade que desta região a nossa latitude cultural apenas invoca o canto tirolês e aquele imenso e primordial “didgeridoo” - correctamente chamado de "trompa alpina" - a ecoar pelos vales e montanhas, o certo é que existe sempre muito e muito mais especialmente quando um festival contém o nome de jazz pelo meio.
Como qualquer espectador atento pode-se reparar imediatamente no cuidado em celebrar o que deu origem e sobreviveu ao longo destes anos como valor cultural e de identificação nomeadamente a comunhão com a natureza em estreita cooperação com a economia. O primeiro evento a que assistimos, no dia 2 de julho, seguiu esses pergaminhos, acontecendo no Museo provinciale degli usi e costumi em Dietenheim. Como nome “Fields of Jazz”, era apresentada uma meia dúzia de duetos simultâneos de música improvisada de manhã no celeiro, na queijaria, junto ao forno, na roda de água… com um sol e claridade reveladores do concerto comum que viria a acontecer logo depois do almoço debaixo de uma imensa árvore com vista para a cidadezinha lá em baixo. Participaram neste evento os músicos Pauli Lyytinen, Anni Elif, Klemens Lendl, David Müller, Kristijan Krajnčan, Matthias Schriefl, Reinier Baas, Soweto Kinch, Lucas Niggli e Matthias Loibner. Uma liberdade arrebatadora e sincera em que se juntou entre outros o canto, o hip-hop, saxofones com e sem efeitos, a sanfona num delicioso take único de uma hora que deram a mostrar a juventude e alegria naquilo que consiste a tradição musical efervescente, sem medos e sem rodeios, absolutamente confiante.
Os restantes concertos já aconteceram ao final da tarde em Bozen, o quartel-general do festival. Primeiro um trio com Kalle Kalima na guitarra, Jelena Kulkic na voz & Matthias Schriefl no sousafone, trompete e fliscorne. Num parque da cidade com os Alpes ao fundo ouviu-se muita coragem numa voz indie/pop bem colocada entre loops e reverbs, num diálogo constante com uma guitarra prestes a explodir de sons metálicos controlados por uma distorção incisiva e cuidada em que os sopros dos metais arriscaram bonitos momentos. Duas horas depois assistimos no palco principal a um outro trio, originalmente chamado de Equally Stupid. O grupo de Sigurdur Rögnvaldsson na guitarra, Pauli Lyytinen no sax e David Meier na bateria mostrou um registo de rock experimental extraordinariamente bem composto e executado, que fez bater o pé e as palmas das mãos sem esforço algum, de tão arrebatador.
O último concerto a que assistimos foi da responsabilidade de Die Strottern & JazzWerkstatt Wien. Foi uma atuação intensa, com músicos firmados e experientes que se conhecem desde sempre nas suas vidas austríacas, um misto de musical em que cada solo era interpretado com um vigor e acutilância dignas. Num dialeto muito local da região a audiência rejubilou com os trocadilhos e piadas sempre mas sempre num registo intocável de rigor musical, brilhante e poderoso.
Ficou por ver o encerramento, no dia seguinte ao ar livre, numa montanha como é habitual, mas saímos bem compostos e com uma alma cheia a transbordar de jazz e das suas ligações únicas, que despontam por todo o universo, onde quer que o ouçamos.