MIA - Encontro de Música Improvisada de Atouguia da Baleia, 15 de Junho de 2022

MIA - Encontro de Música Improvisada de Atouguia da Baleia

Sempre uma surpresa

texto: Nuno Catarino / fotografia: José Félix da Costa

O MIA regressou à normalidade e voltou a levar dezenas de improvisadores à Atouguia da Baleia. Entre os concertos programados, os (muito aguardados) concertos sorteados e as jam sessions, ouviu-se muita música, sempre surpreendente. A jazz.pt foi assistir a este regresso.

Quando chegámos à Atouguia da Baleia, no início da tarde de sábado, já o festival MIA vai no seu terceiro dia. Entramos na Sociedade Filarmónica e vamos assistir ao primeiro dos “concertos sorteados” do dia, naquela que é uma das características mais especiais do MIA: os cerca de quarenta músicos (e bailarinas/performers) participantes são distribuídos em grupos (sorteados previamente de forma aleatória) e juntam-se em palco para criarem sessões inéditas. Alguns músicos não se conhecem, muitos nunca tocaram juntos e certamente nunca tocaram nesta configuração, pelo que cada atuação é sempre única, será sempre uma surpresa.

Desta vez juntam-se em palco os italianos Carlo Mascolo (trombone) e Elisabetta Manfredini (voz e gravadores), o sueco Samuel Hällkvist (guitarra elétrica), o espanhol Raimon Molà Fuster (piano), o português Tiago Varela (melódicas e eletrónica) e a austríaca Elena Waclawiczek (dança/performance). O soundcheck foi demorado e o som não está perfeito. A atuação arranca e desde logo a eletrónica está muito presente, a voz assume a liderança; guitarra, piano e trombone mostram bons detalhes, mas a comunicação não flui, apesar das tentativas, o que resulta é uma massa sonora empapada, pouco interessante; até que, perto do fim, o piano rouba os holofotes e deslaça, com brilhantismo de toque clássico, para fechar a atuação a grande altura. E o público, picado pelo “grande finale”, responde entusiasmado. Este concerto foi representativo do MIA: nem sempre há entendimento perfeito, por vezes o caos sobrepõe-se, mas há sempre momentos onde a beleza aparece, mesmo quando já não a esperávamos. 

Os restantes concertos sorteados do dia foram todos diferentes entre si. Com as cordas de Maria do Mar (violino) e Uygur Vural (violoncelo) aliadas aos clarinetes (Noel Taylor e Maria Dybbroe), nasceu uma espécie de música de câmara, muito unida e fluída (e a eletrónica de Julian Davis Percy e a percussão de Mário Rua foram parceiros discretos). Já o seguinte, foi um festival de performance, com a música a ter um papel secundário: Lorena Izquierdo explorou a sua voz, acrescentando uma forte carga performativa; Olivia Mitterhuemer cumpriu na dança e performance; Maurizio Matteucci arrancou dedicado à flauta, mas rapidamente se deixou levar pela performance, em registo quase clownesco; e até Nuno Rebelo, que começou numa interessante exploração da guitarra, se deixou levar pelo jogo performativo; do grupo, só Jerome Fouquet (trompete) e Alvaro Rosso (contrabaixo) se dedicaram a um plano estritamente musical.

Jerome Fouquet, Olivia Mitterhuemer, Maurizio Matteucci, Lorena Izquierdo e Nuno Rebelo


O quarto e último grupo sorteado juntou Paulo Pimentel (piano), Maria Radich (voz), Yoram Rosilio (contrabaixo), Bruno Gonçalves (guitarra), Carlos Canão (percussão) e Agnes Distelberger e Anna Adensamer (ambas na performance). O grupo apresentou uma música particularmente contida, sobretudo guiada pelo piano de Pimentel, complementada com as intervenções da voz de Radich e contrabaixo de Rosilio, com os restantes mais discretos; no final os músicos confessavam descontentamento, por problemas de som e por terem sido exploradas poucas ideias, mas para quem estava no público chegou uma interessante música contida, concentrada, com apontamentos de lirismo.

Os músicos participantes têm perfis muito distintos, desde músicos tecnicamente soberbos, alguns com experiência nos universos da clássica ou do jazz, até músicos inexperientes que estão a dar os primeiros passos, a descobrir o instrumento e à procuram de novas experiências. Assim, estes encontros acabam por ser desafiantes para todos, e nem sempre são os músicos mais refinados que apresentam as melhores soluções nos momentos de improvisação coletiva. E este é o prazer da música livremente improvisada (e do MIA): mesmo que estejamos familiarizados com a técnica ou percurso de determinado/s músico/s, podemos sempre ser surpreendidos.

Após os concertos sorteados, seguiu-se, ao final da tarde (19h), um “concerto-aperitivo” no Conde Távora: Luís Guerreiro (trompete e eletrónica), Marco Olivieri (piano) e Samuel Hallkvist (guitarra). Apesar dos diferentes registos de cada um dos músicos, os três conseguiram encontrar pontos de encontro; Guerreiro exibiu a sua alta intensidade amplificada (que encontramos no Voltaic Trio, por exemplo), Hallkvist mostrou a sua guitarra camaleão, adaptável diferentes ambientes, desde uma toada atmosférica até um rock abrasivo; e Olivieri exibiu o seu brilhantismo técnico no piano. 

Marco Olivieri


À noite, a Igreja de São José / C.I.A.B. acolheu dois concertos, dois quartetos. O primeiro juntou Abdul Moimême (guitarra preparada, eletrónica), João Pedro Viegas (clarinete baixo), Luiz Rocha, (clarinete baixo) e Paulo Chagas (clarinete e sax alto); a música resultou globalmente interessante e este concerto teve como pontos mais altos os momentos de fogo, alimentados pelos sopros em desafio. Seguiu-se um outro quarteto: quatro cordas, com três guitarras acústicas (Fernando Guiomar, Manuel Guimarães e Jorge Nuno) e violoncelo (Miguel Mira). Guimarães e Guiomar criavam ambientes mais clássicos, com que Mira se interligava, e Nuno procurava desconstruir puxando outras direções. A atuação fechou com um pequeno apontamento de Guimarães, que arrancou o aplauso entusiástico do público. Nessa noite, alguns dos participantes do MIA participaram ainda numa “jam session” informal, não anunciada. E é nas jams, com os músicos mais descontraídos, que por vezes se ouvem alguns momentos mais brilhantes (como um momento em duo de trombone e piano, com Carlos Mascolo e Paulo Pimentel).

No domingo o MIA arrancou com um concerto para crianças na Igreja de São José / C.I.A.B. Já de tarde, o auditório da Sociedade Filarmónica acolheu exclusivamente concertos de bandas pré-definidas. Arrancou o Trio Pente Atómico, projeto que junta Patrícia Domingues (voz), João Godinho (piano) e Maria do Mar (violino); entre um registo clássico, quase operático, e uma faceta mais experimental, o trio apresentou ideias interessantes. Seguiu-se um grupo de músicos ligado à editora Phonogram Unit. Designado “Phonogram Unit 5tet”, o grupo reuniu em palco José Lencastre (sax), Jorge Nuno (guitarra elétrica), Hernâni Faustino (contrabaixo), Rodrigo Pinheiro (piano) e Vasco Furtado (bateria). Puxado pelo saxofone de Lencastre, com a guitarra distorção Nuno, o piano oblíquo de Pinheiro e a dupla Faustino/Furtado bem ligada, o grupo trabalhou uma sessão de improvisação “tradicional”, com crescendos enérgicos.

Atuou depois um outro grupo, um quarteto com Carlos "Zíngaro", Luís Vicente, Yedo Gibson e Ziv Taubenfeld. Quatro músicos com percursos sólidos, encontram-se aqui para encontrar um caminho comum. O grupo mostrou alguns bons pormenores individuais, mas nem sempre este quarteto encontrou fluidez coletiva. Para fechar os concertos na Sociedade Filarmónica, atuou o Ensemble MIA, com os participantes divididos em dois grupos, a trabalhar improvisação dirigida; o Ensemble I foi dirigido por Fernando Simões; o segundo teve direção de Maria Dybbroe (atuações às quais já não tivemos oportunidade de assistir).

Yedo Gibson, Carlos "Zíngaro", Ziv Taubenfeld e Luís Vicente


Além destes, nos primeiros dias, quinta e sexta, o MIA apresentou: um workshop de Pedro Carneiro e consequente concerto com os participantes (quinta, 22h); quatro concertos de grupos sorteados (sexta, 15h); Alisabetta Lanfredini, Noel Taylor e Paulo Pimentel (sexta, 19h); Carlo Mascolo, Maria Dybbroe, Nuno Rebelo e Uygur Vural (sexta, 22h); e Bruno Gonçalves, Carlos Canão, Jarome Fouquet e Maria Radich (sexta, 23h).

Mais do que um típico festival, este é um encontro de músicos para músicos, um encontro que – além da música – é um grande convívio, uma grande festa. O MIA promove encontros inéditos, lança desafios e cruzamentos. Este é um festival muito especial onde podemos garantir que a música é sempre imprevisível, é sempre uma surpresa.

Jorge Nuno, Fernando Guiomar, Miguel Mira e Manuel Guimarães

João Pedro Viegas

Phonogram Unit 5tet

Workshop de Pedro Carneiro

Uygur Vural, Maria Dybbroe, Carlo Mascolo e Nuno Rebelo

Uygur Vural e Maria Dybbroe

Ensemble Mia I, com direção de Fernando Simões

Ensemble MIA II, com direção de Maria Dybbroe

Agenda

04 Outubro

Carlos Azevedo Quarteto

Teatro Municipal de Vila Real - Vila Real

04 Outubro

Luís Vicente, John Dikeman, William Parker e Hamid Drake

Centro Cultural de Belém - Lisboa

04 Outubro

Orquestra Angrajazz com Jeffery Davis

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

04 Outubro

Renee Rosnes Quintet

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

05 Outubro

Peter Gabriel Duo

Chalé João Lúcio - Olhão

05 Outubro

Desidério Lázaro Trio

SMUP - Parede

05 Outubro

Themandus

Cine-Teatro de Estarreja - Estarreja

06 Outubro

Thomas Rohrer, Sainkho Namtchylak e Andreas Trobollowitsch

Associação de Moradores da Bouça - Porto

06 Outubro

Lucifer Pool Party

SMUP - Parede

06 Outubro

Marta Rodrigues Quinteto

Casa Cheia - Lisboa

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