Hermeto Pascoal & Grupo, 4 de Junho de 2022

Hermeto Pascoal & Grupo

Hermeto quebra-tudo

texto: Gonçalo Falcão / fotografia: Inês Sousa Vieira

«Eu acho que o meu samba é uma corrente», escreveu Chico Buarque. E de certa forma é. Não no sentido político que o genial músico brasileiro lhe deu, mas porque a MPB, depois de Chico, Tom Zé, Gil, Ben, Gilberto, Caetano, Jobim, Caymmi, Albanese, perdeu muito do seu frescor e converteu-se num espartilho. É aí que entra Hermeto Pascoal que esteve toda a vida a testar os limites do frevo e do samba nunca os deixando pousar. Veio de Curitiba para uma tour europeia de 40 dias que acabou em Lisboa. Tivemos o privilégio e a honra de poder partilhar uma hora e meia de alegria pura com um músico de 86 anos que ainda toca, compõe e lidera uma máquina coesa de free-style-frevo. Obrigado ao CCB e à Casa da Música por terem feito esta tournée europeia parar em Portugal.

Aquele palco não foi para gente cansada. Ninguém para, nem mesmo o líder, com quase 90 anos, continua arrebatado. «Como vou parar se a música não me deixa parar? Não paro!», disse. Tocou teclado, chaleira (uma experiência falhada, abandonou logo), corno, melódica, sanfona, piano. Deixou espaço para as várias improvisações, dirigiu. Não foi - como tantas vezes acontece - um concerto onde fomos ver, mais do que ouvir, um músico histórico, condescendentes com a sua condição: “last time to see me before I die”. Fomos ouvir Hermeto e o grupo tocar. E se eles tocaram!

 

Sem surpresas, a música partiu do samba e do frevo e abriu-se a outras formas, onde o jazz esteve presente (a improvisação e o uso de citações, como por exemplo um vago Round Midnight) mas também a experimentação com outras músicas (um breve Ai Mouraria surgiu sem ter tido grande capacidade de ficar) no caldeirão onde é cozinhada a feijoada musical pascoalense (a da Ilza não apareceu...).

 

O “grupo” de Hermeto, renovado, é um foguete rítmico e melódico. O único histórico que ainda consegue acompanhar a energia de Hermeto é Itiberê Zwarg no baixo. Marcio Bahia foi substituído por Ajurinã Zwarg na bateria, Carlos Malta e Vôvô Elísio por Jota P. nos vários saxofones e flautas: vale por dois e continua a quebrar tudo. Impressionante a fluência e facilidade do soprador e o modo como tocou aquelas melodias rápidas e emaranhadas. Pernambuco passou a percussão a Fábio Pascoal: a mesma rapidez elétrica no triângulo e muito humor no uso das percussões e dos apitos. No banco de Jovino Santos Neto senta-se agora o jovem pianista André Marques que mostrou um sentido experimental “arretado”.

 

O CCB não esgotou (o que é que se passa Lisboa?) mas esteve quase, com pouquíssimos lugares disponíveis em todo o auditório. Quando entrou em palco o músico percebeu que a sala estava cheia e que todos o conhecíamos bem. Sentimos a sua alegria e boa onda; a hora e meia passou rápida e leve.

Um “samba bem pra frente” não é coisa habitual nas visitas do outro lado do atlântico. E Hermeto provou ao vivo que a sua música continua a ter humor, memória e futuro. “Quando eu morrer, eu vou encher o saco. Até os anjos vão ter que cantar e tocar comigo, não tem conversa!". Quando eu morrer quero ir para o spot onde Hermeto estiver a encher o saco.

Agenda

23 Março

Anthropic Neglect

Miradouro de Baixo - Carpintarias de São Lázaro - Lisboa

23 Março

João Almeida e Miguel Fernández

Café Dias - Lisboa

23 Março

George Esteves

Cascais Jazz Club - Cascais

23 Março

Sei Miguel Unit Core

Livraria Ferin - Lisboa

23 Março

Alex Zhang Hungtai e Gabriel Ferrandini / Guilherme Curado

Titanic Sur Mer - Lisboa

23 Março

Manuel Oliveira, Rodrigo Correia e Guilherme Melo

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

24 Março

Margaux Oswald

Cossoul - Lisboa

24 Março

The Comet Is Coming

Lisboa Ao Vivo - Lisboa

24 Março

Alessio Vellotti Group

Cascais Jazz Club - Cascais

24 Março

Blind Dates

Porta-Jazz - Porto

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