Moor Mother
Sentido e força
A solo ou com os Irreversible Entanglements, as palavras de Moor Mother estão sempre carregadas de sentido e força. Fomos assistir à sua atuação na Galeria ZDB, em Lisboa, no dia 12 de maio.
No seu recente livro “Ugly Beauty: Jazz In the 21st Century”, o crítico Phil Freeman destaca alguns músicos que têm se afirmado no panorama jazz deste novo século. Um dos nomes assinalados é Moor Mother, que tem direito ao capítulo final do livro. Freeman sintetiza: “Moor Mother é uma observadora feroz e lúcida do lento declínio da América”. A verdade é que, a solo ou com os Irreversible Entanglements, Moor Mother é uma espetadora atenta e a sua intervenção está ligada com a sua faceta ativista, as suas palavras nunca são ligeiras, estão sempre carregadas de sentido e força. A sua música serve-se de elementos jazz, cruzando-os com outros universos musicais, particularmente o hip-hop. Fomos assistir à sua atuação na Galeria ZDB, em Lisboa, no dia 12 de maio – curiosamente o dia em que se ficou a conhecer o programa do Jazz em Agosto, no qual Mother vai atuar (com os Irreversible Entanglements e em duo com Nicole Mitchell).
Perante um aquário muito bem composto, Camae Ayewa (nome de batismo), sozinha em palco, exibiu o seu espetáculo assente exclusivamente em voz e eletrónica. A voz atua sobretudo em registo spoken word, mas também se atira ao hip-hop. Instrumentalmente, Mother usa um laptop, com bases musicais pré-gravadas, e acrescenta eletrónica manipulada em tempo real. O ambiente musical é frequentemente jazzístico, evoluindo em direção a uma convulsão free, sobre a qual Moor Mother debita palavras enérgicas, com intensidade.
A iluminação do palco era quase inexistente, Moor Mother quase não se conseguia ver na escuridão. Sobre as tapeçarias de eletrónica, a voz de Moor Mother lança palavras de força que vão combinando revolução e poesia, mundos que nem sempre se interligam. Mother fá-lo com mestria e explora em diferentes momentos diferentes sentimentos, sobretudo tensão e raiva, mas também acalmia. O público da ZDB foi rapidamente conquistado e não hesitou em mostrar o seu entusiasmo. No final, Moor Mother despediu-se de forma original, saudando o público da primeira fila com um “fist bump” – uma estreia para este vosso crítico.
A atuação no aquário da ZDB foi globalmente interessante, embora tenhamos ficado com vontade de ouvir a voz apoiada por uma base instrumental mais orgânica. As atuações no Jazz em Agosto, com os Irreversible Entanglements e em duo com a flautista Nicole Mitchell, serão certamente memoráveis.
Na primeira parte atuou Ariyouok, músico que nasceu em Portugal e cresceu em Cabo Verde, já colaborou com o rapper Tristany e está a trabalhar no seu álbum de estreia. Também sozinho em palco, Ariyouok trabalhou apenas com voz, sampler e alguns sons pré-gravados: a voz criava sons, gravados e repetidos com o sampler, e os temas iam ganhando camadas e estrutura. Ariyouok explorou principalmente temas que se aproximam de um R&B contemporâneo, aveludado. Ao longo da atuação foi ainda explorando outros géneros de eletrónica, desde momentos de eletrónica minimal até techno. A abordagem é muito interessante e criativa, ficámos curiosos com aquilo que o futuro possa trazer.
Esta reportagem marca o início da colaboração da fotógrafa Inês Sousa Vieira (ex-colaboradora da webzine Bodyspace) com a jazz.pt. Aqui fica galeria de fotos.