Festival Theia
Urgente
O Centro Cultural Malaposta acolheu a primeira edição do festival Theia, uma programação que celebrou três gerações de mulheres criativas do jazz português.
Um festival destes era urgente. Face à invisibilidade das mulheres no jazz, face à raridade que é a presença de mulheres na programação dos festivais, tornava-se urgente criar este tipo de iniciativa, um festival dedicado exclusivamente às mulheres artistas. Por iniciativa de Rita Maria, o Centro Cultural Malaposta acolheu a primeira edição do festival Theia: a programadora aproveitou um convite das diretoras da Malaposta para celebrar o Dia Internacional do Jazz e transformou a ideia num festival de três dias, para celebrar três gerações de mulheres criativas do jazz português. Entre os dias 28, 29 e 30 de abril atuaram Joana Raquel & Miguel Meirinhos, Zoe, Herse, Mariana Dionísio & Leonor Arnaut, Beatriz Nunes, Paula Sousa e Mário Franco e Nazaré da Silva Quinteto. O programa do festival incluía ainda três conferências, quatro filmes e um ensaio visual e performance.
O festival arrancou no dia 28 de abril com a proposta musical de Joana Raquel e Miguel Meirinhos. Nessa noite inaugural, quinta-feira, o público não correspondeu à chamada, deixando muitas cadeiras vazias. Joana Raquel e Miguel Meirinhos editaram neste ano de 2022 o disco “Ninhos”, uma auspiciosa estreia, com edição Porta-Jazz. Joana Raquel começou por apresentar a sua música, que chamou de “aérea”; poderemos dizer também que é delicada, artesanal, leve, etérea. A vivo, apresentaram a sua música original com muita fidelidade à gravação. Além de Raquel (voz) e Meirinhos (piano), juntaram-se em palco Yudit Almeida (contrabaixo, a substituir Demian Cabaud, que participou no disco) e João Cardita (bateria).
Se a voz pode começar por parecer frágil, rapidamente mostra que vai muito além: desbravando as composições, mostra-se segura, aguentando todas as oscilações melódicas, não falhando a afinação, sempre presente. O piano de Meirinhos não só cumpriu, fornecendo o tapete de ideias sobre o qual a voz espraiava as palavras, mas ia também desconstruindo subtilmente cada tema, inflacionando ideias. As melodias, suaves, começam por soar inesperadas mas têm a qualidade de prender rapidamente o ouvinte. Ao vivo, o grupo trata de fazer crescer cada tema, através do envolvimento coletivo, sobretudo pelo trabalho do piano. No palco da Malaposta o quarteto tratou de apresentar a sua música original, afirmando um conjunto de jovens talentos que, nos próximos anos, não irão passar despercebidos.
Na noite de sexta-feira, dia 29, atuariam os projetos Zoe, duo de Inês Laginha e Marta Garrett, e Herse, um novo trio que juntou Sofia Sá, Clara Lacerda e Raquel Reis, criado especificamente a convite da programadora para o festival. O sábado, dia 30, seria o dia mais preenchido, com atuações de Mariana Dionísio & Leonor Arnaut, Beatriz Nunes, Paula Sousa e Mário Franco (a apresentar o disco “À Espera do Futuro”) e Nazaré da Silva Quinteto (a apresentar o disco “Gingko”). Infelizmente a jazz.pt só teve oportunidade de assistir ao primeiro dia, que deixou boas memórias. Deixámos aqui a reportagem fotográfica do festival, com fotografias de Patrícia Blázquez (dias 1 e 2) e Ana Ribeiros (dia 3).
Este festival era urgente. A invisibilidade das mulheres no jazz vai continuar, naturalmente, e nada irá mudar do dia para a noite. Mas certamente as coisas começam a evoluir, as pessoas começam a prestar mais atenção. E a existência deste festival cumpriu o importante papel de sinalizar o problema, chamar a atenção. Sabemos que a partir de agora os programadores terão de ter mais sensibilidade para a igualdade de género e de oportunidades. Só temos de estar gratos pelo surgimento desta iniciativa.