Lantana
Lantana em cinco pontas
A galeria MONO Lisboa acolheu uma atuação das Lantana, em versão quinteto, com Maria Radich (voz), Maria do Mar (violino), Joana Guerra (violoncelo), Helena Espvall (violoncelo) e Carla Santana (electrónicas). A jazz.pt esteve lá.
O dia 1 de abril foi dia de concerto de Lantana. Andar de bicicleta é um prazer, mas em tempos de alterações climáticas e de preços elevados dos combustíveis, deslocar-me a um concerto neste meio de transporte é ainda melhor. Após subir algumas ruas para chegar à colina onde se situa a galeria MONO Lisboa, fechei o cadeado à grade da garagem, e lá fui eu, ofegante. Poucos segundos passavam desde que o relógio cruzou as 20h, hora do concerto.
Para quem não conhece, a galeria MONO Lisboa situa-se na Rua Feio Terenas. À primeira pode não parecer fácil encontrar o local, mas quando chegamos ao número 31-A, encontramos a placa que indica "MONO". Descemos uma rampa bem inclinada, daquelas que parece ter sido feita para carros sem travões a querer descer ao infinito e, pelo meio, há um patamar esquecido, uma garagem que se perdeu, materiais a ranger com o vento, presos a grades gastas, empoeiradas. Quem por ali passar, terá de ir convicto sobre o que pretende encontrar. Entramos através do portão de garagem da MONO Lisboa, logo a seguir à curva da rampa, que já não leva carros sem travões para o infinito, mas pessoas para o concerto de Lantana.
A galeria MONO é um espaço amplo, recto, tipo paralelepípedo deitado. Encontramos Lantana com cinco elementos, disposição em pentagrama e com o público sentado a ladear – o sexto elemento, Anna Piosik, não pôde estar presente. Encontramos as improvisadoras Maria Radich (voz), Maria do Mar (violino), Joana Guerra (violoncelo), Helena Espvall (violoncelo) e Carla Santana (electrónicas). À primeira impressão pode parecer estranho encontrar um quinteto, neste caso, sem a comum percussão e com dois violoncelos mas, no caso destas improvisadoras, não poderia haver junção mais perfeita. Sob a penumbra da luz colorida que se projectava na sala, o caminho percorrido foi de muita comunicação entre as interpretes, que se escutavam e dialogavam entre si. A eletrónica de Carla Santana transformou-se numa espécie de coluna vertebral que foi lançando motivos sonoros, ritmos, sons místicos sobre os quais se entrelaçaram as intervenções dos violoncelos de Joana Guerra e Helena Espvall, ora ritmados, ora em loop, ora em notas graves longas, dependendo de cada momento, de cada circunstância. Se o som baixo e o tenor estiveram ao alcance destas improvisadoras, o agudo, aquele fio da navalha ou ponta de alfinete, ficou com o violino de Maria do Mar que, com grande mestria, interveio, muitas vezes junto da voz de Maria Radich, a levar tensão, apogeu clímax. De salientar a excelente interpretação versátil de Maria Radich na voz que, ao fecharmos os olhos rapidamente nos levava para junto daqueles seres da mitologia grega, metade humanos, metade animais. Detalhe técnico a destacar foi a excelente afinação conseguida entre todas e o entrosamento na improvisação em toda a música.
Quem não frequentar concertos de música improvisada, ao ler este texto pode achar que de tudo se fala, menos de música. E há um fundo de verdade aí - no concerto de Lantana ficou demonstrado que tudo serve a improvisação. É a construção continua do diálogo, da empatia, da escuta, é percorrer um caminho conjunto, mesmo que muitas vezes esse caminho seja feito no escuro. Quando entrei para o concerto de Lantana estava ofegante, subir colinas de bicicleta não é fácil. Mas, ao sentar no na almofada do chão da galeria MONO Lisboa, foi como ficar sentada no fundo do mar e escutar o som de todos os seres marinhos, indefinida e infinitamente. Foi como um relaxamento desperto, muito sereno e atento ao momento presente da música. Um momento de transe em cinco pontas, em cada uma delas um instrumento, uma improvisadora.