Hugo Carvalhais
Profundezas insondáveis
Com um novo disco "Ascetica" acabado de editar pela Clean Feed, o contrabaixista e compositor Hugo Carvalhais apresentou ao vivo a sua música original, ao leme de um quinteto atípico. O espectáculo teve lugar num local inesperado, o reservatório do Museu da Cidade do Porto.
Hugo Carvalhais apresentou, no passado dia 25 de março, uma derivação do seu último trabalho "Ascetica", no Museu da Cidade do Porto.
A formação, composta por Fábio Almeida (saxofone tenor), Gabriel Pinto (órgão Hammond e sintetizador), Fernando Rodrigues (teclado), João Martins (bateria) e pelo próprio Hugo Carvalhais (contrabaixo), dispôs-se em constelação no espaço do antigo reservatório de água com o público a ocupar lugares em torno dos músicos.
Fruto de uma residência prévia, o concerto transportou-nos através das "profundezas insondáveis" das nossas mentes, ao aflorar "o mistério, a beleza, o medo, o deslumbramento, a luz e as trevas", para usar as palavras do contrabaixista.
A viagem começou com algumas texturas provindas das teclas/sintetizadores numa mescla de sons "sci-fi" e abstracções sonoras. À medida que progredímos, sentímos a envoltura de uma almofada de acordes, a gravidade das baixas frequências provindas do contrabaixo e do bombo, o titubear dos restantes elementos percussivos e o doce fraseado melódico do saxofone.
Houve momentos plenos de serenidade galáctica com passagens mais acidentadas, mas nunca nos sentimos perdidos ou abandonados. O conforto advindo de cadências familiares (mas nunca óbvias) e do "groove" imprimido aos ritmos, foi entrecortado por síncopes e ascendências / descendências de dinâmica (i.e. volume).
Após cada apoteose segui-se uma passagem branda, suave. Houve espaço para cada um dos músicos executar um solo e invadir os nossos espíritos através do som, apenas. Para isso contribuiu o facto de nem sempre podermos ver a execução, a não ser que o músico estivesse cercano.
Um louvor para a boa distribuição / propagação do som em tão invulgar circunstância. Foi, sem dúvida, um belo espectáculo num maravilhoso enquadramento e com um público devoto que se mobilizou em força para esta comunhão cultural.