João Valinho / João Almeida / Fred Lonberg-Holm
Cheia de graça
Dois dos mais ativos jovens músicos da cena improvisada nacional juntaram-se em palco com uma figura grande da cena de Chicago: a percussão de João Valinho e o trompete de João Almeida encontraram o violoncelo de Fred Lonberg-Holm. Aconteceu n’A Graciosa, um novo espaço cultural em Lisboa que fomos descobrir.
A Graciosa é um novo espaço cultural em Lisboa, situado na Rua Damasceno Monteiro, a caminho da zona da Graça. Subimos umas escadas e num primeiro andar encontramos uma sala grande, espaço amplo que acolhe os eventos; atravessamos um corredor que dá acesso a um pequeno bar e, ao lado, temos um belo terracinho. O espaço existia anteriormente com o nome Movimento Presente, com curadoria do baterista João Sousa; agora a equipa foi alargada e a programação reforçada, com exibição de filmes e promoção regular de concertos. Nesta sua nova vida, A Graciosa já acolheu atuações do Quarteto de Carlos Bica, dos trios de Miguel Mira / Afonso Simões / João Dória e Filipe Felizardo / Tiago Silva / Pedro Sousa e dos duos Mariana Dionísio & João Carreiro e Wade Matthews & Abdul Moimême. Por esta amostra, percebermos que a programação estará sobretudo ancorada nos domínios da improvisação livre, do jazz aventureiro e do rock experimental. Fomos conhecer este espaço e assistir à estreia deste trio inédito luso-americano.
A cidade de Chicago tem sido um ponto central para o desenvolvimento das músicas criativas, desde logo pela histórica AACM - Association for the Advancement of Creative Musicians, mas também na passagem do século, quando a cena musical esteve particularmente borbulhante: assistia-se ao surgimento do post-rock e era dali que vinha algum do free jazz mais interessante da época, com músicos como Ken Vandermark, Hamid Drake e Fred Anderson como figura tutelar. Desse grupo fazia também parte Fred Lonberg-Holm (nasceu em Nova Iorque, mudou-se para a "Windy City" em 1995), violoncelista de vastos recursos, que tem colaborado com músicos e projetos como Vandermark 5, Joe McPhee Trio, Peter Brötzmann Chicago Tentet, Boxhead Ensemble, God Is My Co-Pilot, Nate Wooley, Jim O'Rourke ou Mats Gustafsson. Além de revelar uma grande versatilidade no campo da improvisação, Lonberg-Holm não tem pejo em interpretar melodias populares (como “Jesus, Etc.” dos Wilco, no disco “Other Valentines” do seu trio). Nos últimos anos o violoncelista tem ainda colaborado com músicos portugueses, como Luís Lopes (nos discos “The Pineapple Circunstance” e “Hullabaloo”) ou Abdul Moimême e Carlos Santos no disco “Transition Zone”).
Na sexta-feira, dia 25 de março, ao final da tarde, a sala encheu-se para assistir à apresentação deste novo trio que juntava Lonberg-Holm com João Almeida (trompete) e João Valinho (bateria) - dois jovens talentosos e imparáveis, ambos envolvidos em dezenas de projetos e colaborações. A atuação arrancou e o trio encontrou rapidamente pontos de contacto. Trabalhando pura improvisação sem rede, o trompete e o violoncelo encetaram rapidamente um diálogo, por vezes imitando sonoridades, que se confundiam; a percussão juntava-se, por vezes mais discreta, outras vezes impondo-se. O trio foi desenvolvendo uma comunicação atenta, procurando pontos de contacto, mas não se fixando demasiado num aspeto, fazendo a música evoluir constantemente. O violoncelista era o convidado internacional, mas não teve holofotes especiais; a responsabilidade criativa era repartida democraticamente entre os três, e foram todos contribuindo com ideias, corrigindo rumos, acertando direções. A massa sonora comum integrou essa multiplicidade de ideias e resultou muito fluida. O público presente na sala (cerca de quarenta pessoas) aprovou e aplaudiu com entusiasmo.
Estes novos pequenos espaços - como também em Lisboa o Penha sco, o Cosmos e o novo Água Ardente – estão a ser palcos privilegiados para assistirmos à evolução das novas músicas criativas e exploratórias, com programações regulares e atentas. Como já aqui dissemos, as grandes instituições culturais poderiam vir aqui tirar ideias.