Fred Frith Trio + Susana Santos Silva
O gnration continua gnroso
O gnration, em Braga, tinha anunciado um concerto do Fred Frith Trio, integrado no programa Caleidoscópio. No dia 19 de março deu-se uma surpresa: ao trio de Fred Frith juntou-se a convidada (não anunciada) Susana Santos Silva.
A Blackbox do gnration, agora atualizada, continua a ser um dos palcos mais interessantes do país. Com 160 lugares sentados, uma localização geográfica privilegiada (Braga, Guimarães, Porto, Vigo), um sistema de som renovado e uma programação sábia, tem as melhores condições para concertos de pequena escala. Fomos ouvir o último concerto da tournée do trio de Fred Frith que começou em Ferrara, Italia, e acabou em Braga.
O trio americano foi criado em 2013 com dois músicos da cena experimental de Oakland e chega a Portugal com um disco de 2021 (“Road”) para rodar. Guitarra, baixo e bateria, a fórmula que Frith domina na perfeição desde o início dos anos oitenta; e 1981 ressoou logo nos primeiros segundos quando apareceram as frases matemáticas, tocadas em uníssono, feitas de colcheias e pausas de igual duração. Uma releitura dos Massacre (Bill Laswell e Fred Maher) que nesse ano criaram um disco revolucionário de rock experimental ("Killing Time"). Assim foi o começo do concerto, com o trio a tocar coeso e intenso. Um arranque forte que nos deixou colados às cadeiras.
A partir dessa entrada, muito organizada, a música escrita foi abrindo espaços para a improvisação e é aqui que se percebe perfeitamente a escolha de um instrumento de sopro, um metal, para aditivar o trio. É que Jason Hoopes é um baixista forte, elétrico, que não usa os graves submarinos de Laswell mas que usa frequentemente uma lógica roqueira. Jordan Glenn, cheio de recursos e de pequenos ritmos, tem uma forma de tocar detalhada, desempenhando vários papéis, desde o mais preciso a bater os ritmos irregulares ao mais textural e abstrato. Percebemos assim a presença da trompetista portuguesa Susana Santos Silva, que tem sido uma convidada regular do guitarrista britânico em vários concertos desta tournée. Foi assim na Europa e em dois concertos no Brasil, e foi assim também em Braga.
O FF Trio passa a quarteto e o trompete adiciona um som natural que contrasta com a eletricidade do baixo e da bateria. Por outro lado, o trompete é sucinto e puro. A ligação entre a guitarra elétrica e o trompete é perfeita (e muito pouco explorada no rock - exceção a Billy Bragg - e no jazz). Susana Santos Silva também tem um léxico vastíssimo não só de abordagens tradicionais ao trompete como também de técnicas extensivas. É uma improvisadora excelente e foi capaz de sobreviver bem no meio daquela energia. Em Braga tocou excecionalmente, criando inúmeras soluções e tocando e parando nos momentos certos, como se estivesse numa orquestra ensaiadíssima.
Ir ver Fred Frith é sempre um momento especial. Foi ele o grande revolucionador do papel da guitarra elétrica na música feita com improvisação a partir dos anos setenta. Inventou um mundo novo em “Guitar Solos” (1974), integrando inúmeras técnicas como tapping, usando caixas metálicas, correntes, crocodilos elétricos, escovas e inúmeros outros objetos para traficar o som da guitarra elétrica; deitou a guitarra no colo e tocou-a na horizontal e por isto tudo foi um dos fundadores da música improvisada. Criou e tocou em bandas incontornáveis como os Henry Cow (dada-blues), Massacre (rock experimental) e com os Naked City de John Zorn (onde toca baixo). Mas no palco não apareceu como a altivez de ser referência incontornável - que de facto é. Mas tocou como tal.
O concerto foi excelente e ouvimos mestres improvisadores no seu melhor. A ligação entre a música definida e a criada no momento fez-se com naturalidade e frequentemente conseguimos ouvir aquilo que é mais singular na música improvisada, que é o modo como um músico ouve o que o outro está a fazer e encontra uma solução para se instalar naquela proposta; ou outro, por sua vez, muda também de modo a encontrar uma ligação com o novo acontecimento. Este novelo, feito a quatro, com a intensidade que vimos acontecer em Braga, é uma coisa extraordinária.
No final, o público que praticamente lotou os lugares disponíveis, aplaudiu energicamente, mostrando que se apercebeu que naquele concerto as coisas correram particularmente bem.
A programação do gnration continua entusiasmante. Depois de Frith virá Ikue Mori, não só tocar mas fazer uma residência artística. Prometemos mais novidades bracarenses para breve.