Bill Frisell Trio, 21 de Julho de 2021

Bill Frisell Trio

Um tempo e um modo

texto Gonçalo Falcão fotografia João Duarte

Subimos às montanhas para ouvir o trio do guitarrista norte-americano na aldeia do xisto de Janeiro de Cima e acabámos no cenário idílico de um relvado à beira-rio. Foi a música certa para o lugar certo no momento certo.

A ADXTUR- Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto tem feito um trabalho muito interessante sobre esta ideia sempre complicada de turistizar um território. Portugal não tem sido um exemplo nesta matéria, mas esta agência vem desenvolvendo um exemplar processo de activação das aldeias – paisagístico, arquitectónico, humano e cultural. Conta com os locais, com as suas expectativas, e valoriza as existências. É por isso que fazemos várias horas de carro até uma aldeia em nenhures para ir ouvir um concerto.

O caminho está parcialmente auto-estradado, mas complica-se de súbito: o acesso às aldeias do xisto é complicado. Serpenteamos as montanhas por caminhos estreitos e demorados. Estamos no reino das montanhas e sentimos desde logo que nem todo o ser humano consegue e deve domar. A lentidão vale a pena. Separamo-nos da cidade e somos encantados por paisagens que já julgávamos desaparecidas. Árvores, escarpas e montes a perder de vista. Nem um automóvel. Entre Oleiros e Janeiro de Cima viaja-se por caminhos onde dificilmente passam dois carros lado a lado. Vistas magníficas, sensação de isolamento, a beleza em estado puro.

Janeiro de Cima é uma de muitas aldeias do xisto. Perto de um rio, bem preservada, a aldeia acolheu-nos com simpatia, num turismo de habitação de altíssimo nível ladeado por um restaurante excelente. As surpresas continuavam. A noite de Verão estava boa a 17 de Julho passado, mas o dia tinha estado penoso, com o calor intenso e abafado que se sente no interior. Valeu (pouco) a praia fluvial. Valeram (muito) as casas de pedra, que guardam bem o fresco. Chegada a hora do concerto estávamos num terreiro relvado à beira-rio, com o som de uma pequena cascata ao fundo e um cenário de árvores iluminadas a toda a volta. Arrebatador.

A música actual de Bill Frisell não levanta questões nem inova. É uma música confortável, simples de perceber e que procura a beleza. Melodias americanas, alguns clássicos conhecidos e outros subterrâneos. O som da sua guitarra já não tem acidez nos agudos nem usa o pedal de volume para cortar o ataque; é um som diferente daquele que o caracterizou no anos 1990 quando tocava com John Zorn. Agora a sua sonoridade está redonda, limpa. As novidades estão agora noutro sítio, no modo como toca: não se limita a descrever o “Epistrophy” de Monk ou o “A Day in the Life” dos Beatles: procura o essencial das melodias, retira notas e apresenta-as o mais esqueleticamente possível. Uma espécie de programa moderno de arquitectura aplicado ao jazz. Neste processo, algumas canções ficam verdadeiramente brilhantes. A sua versão de “You Only Live Twice” de John Barry, popularizada por Nancy Sinatra como tema de um filme de James Bond, foi superior e comovente.

O concerto começou morno, com as primeiras duas músicas a soarem rígidas, mas depois o trio encaixou e foi uma máquina de beleza pura. Percebemos melhor a sua ideia quando ouvimos o modo como o trio toca. Ao reduzir e apagar, Frisell cria espaço. Não é a guitarra que toca e o contrabaixo e a bateria que acompanham. São os três a tocar as melodias, aproveitando o espaço e o tempo para criar permanentemente novidade.

Thomas Morgan, já o escrevemos (aquando do concerto em Portalegre em duo, quando Frisell ainda ensaiava este modelo e estas músicas), é um caso único no contrabaixo, um músico tecnicamente extraordinário que consegue adivinhar as mudanças, tocar à frente do tempo e adicionar elementos em falta, sem saturar ou ser descritivo. Também Rudy Royston percebe que estas músicas fáceis não precisam que o baterista lhes recorde o ritmo e por isso abre igualmente o espaço, inventa lógicas rítmicas imprevistas e toca melodias com a bateria.

Naquele dia, naquele espaço, esta música foi a escolha perfeita. O trio tocou muito mais de uma hora e o público ouviu encantado, aplaudindo entusiasticamente no final. Ainda não sei como é que este novo disco, “Valentine”, soa ouvido em casa, mas a música deste trio, neste contexto, foi agregadora, convidativa: é impossível não gostar de a ouvir, mesmo para quem não esteja habituado a ouvir jazz. Esta música, neste local, nestes dias, alinhou os chakras, retrogradou o mercúrio, equilibrou o biorritmo, foi reiki e leitura sagrada, eu sei lá: fez uma desinfecção espiritual completa com limpeza de interiores e cera protectora no exterior. Fez bem à alma e ao mundo.

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