Jazz no Parque
Entre o “groove” e a contemplação
O ciclo de jazz promovido pela Fundação de Serralves arrancou com o projecto The Mantra of the pHat Lotus de Mané Fernandes, numa aposta no jazz nacional. Entre temas ritmados e baladas introspectivas, o concerto foi simultaneamente acessível e desafiante. Nos próximos dois sábados a música continuará a seguir esta linha.
O Jazz no Parque é um evento especial. Não é um tradicional festival de jazz, apresenta concertos espaçados por vários fins-de-semana, sempre ao final da tarde e sempre no campo de ténis do jardim de Serralves. Desde que Rui Eduardo Paes assumiu o cargo de programador, em 2014, o ciclo deixou o jazz “mainstream” e alinhou-se com a perspectiva da Fundação de Serralves nas restantes artes – apresenta propostas contemporâneas, do nosso tempo, que desafiam e questionam.
Nesta edição o programador reuniu três projectos em que o balanço rítmico se junta a abordagens criativas, associando mundos habitualmente distantes. Para abrir o ciclo foi convidado o guitarrista portuense Mané Fernandes, que apresentou o seu projecto The Mantra of the pHat Lotus, numa configuração inédita: interpretando repertório novo e com dois convidados, um estrangeiro, o inglês Nick Jurd no contrabaixo, e o teclista Gonçalo Moreira, dos Bouncelab. No programa do Jazz no Parque seguir-se-ão os projectos Lucía Martinez & The Fearless e Naked Wolf.
Músico ligado à associação Porta-Jazz, Mané Fernandes é já reconhecidamente um dos grandes valores da nova geração do jazz português. Pela sua qualidade como guitarrista, foi convidado a integrar duas das formações que mais se destacaram na cena jazz nacional em 2017: os Home de João Barradas e o Omniae Ensemble de Pedro Melo Alves. Começou por se afirmar com o disco “Bouncelab” (edição Carimbo Porta-Jazz, em Novembro de 2014), onde já apresentava uma música que cruzava “groove” com experimentação. No projecto The Mantra of the pHat Lotus o guitarrista continua a exploração desse cruzamento de universos musicais.
No palco montado no campo de ténis, Mané Fernandes (guitarra elétrica) fez-se acompanhar por José Soares (saxofone alto), Ricardo Coelho (vibrafone e percussão electrónica), Gonçalo Moreira (teclado), Nick Jurd (contrabaixo) e Pedro Vasconcelos (bateria). O grupo subiu ao palco poucos minutos depois das 18h00 e começou por abrir o concerto com um tema tranquilo, em registo de balada. Nessa primeira peça sentiram-se problemas técnicos no som da guitarra (que iriam continuar ao longo de concerto, ainda que pontualmente – ao que pareceu, devido ao cabo de ligação de um dos pedais de efeitos). Desde logo, o sexteto exibiu o seu forte sentido colectivo, mostrando que nele essa força comum é mais relevante do que os solos individuais.
Depois o grupo acelerou o ritmo, trabalhando um tema mais animado, em que os ritmos dançáveis serviam de tapete para os músicos se exibirem. Com o saxofone de Soares em particular destaque, a guitarra de Fernandes assumiu um papel central, sendo uma espécie de maestro discreto (além de definir as melodias, deixava-se também ficar na sombra). Gonçalo Moreira e Ricardo Coelho criavam ambientes numa toada que evocava o Miles Davis eléctrico do início dos anos 1970. A dupla formada por Jurd e Vasconcelos cumpria o papel de máquina rítmica.
Após um terceiro tema (num regresso ao registo lento), chegou um dos momentos mais memoráveis. Com o ritmo vibrante, o grupo encontrou um momento de libertação: a guitarra de Fernandes a explorar / abusar dos efeitos electrónicos, o grupo em êxtase, a bateria a rebentar, apoiada pela percussão electrónica.
A música do sexteto caracterizou-se pelo equilíbrio entre o “groove” e a contemplação. Assente em composições elaboradas, com especial atenção à melodia, partiu de uníssonos impecáveis, abrindo espaço para a exploração e para a interacção instrumental. Ainda que os momentos individuais não fossem relevantes na dinâmica colectiva, acabaram por se destacar os solos de José Soares e de Mané Fernandes. O baterista, muito expressivo, teve um momento de maior destaque na introdução do último tema, com um solo muito aplaudido. Nessa conclusão assistimos também a um notável solo de contrabaixo - o único momento em que o convidado estrangeiro, Nick Jurd, se exibiu (esteve globalmente eficaz, mas discreto).
No final ouviu-se o aplauso entusiasmado do público, com uma parte deste de pé. Foi um bom arranque para esta edição do Jazz no Parque.