Herbie Hancock
Jazz de Verão, com muito funk
A lendária figura do jazz veio a Portugal no passado dia 22 de Julho, para um concerto longe dos principais centros desta música: Amarante. Foram 5000 as pessoas que assistiram ao seu funk sem grandes concessões. Sim, 5000, talvez mais.
Eram 5000 pessoas. Talvez mais, para ver Herbie Hancock. O festival MIMO, em Amarante, programava às 11 da noite um concerto improvável e corajoso. O cenário era superior – Amarante é uma das cidades mais bonitas da Europa – e o festival estava cheio, com o terreiro ribeirinho com cabeças a perder de vista. Vários concertos em vários espaços da cidade fazem o programa do MIMO, mas Hancock estava programado para o palco principal em horário nobre. É a prova de que o jazz pode encher festivais de Verão sem ter de ser em versões “cool” ou falsificações de género.
O músico percebeu bem o contexto em que estava e preparou uma banda “funky”. O álbum “Headhunters” foi naturalmente privilegiado, guardando para o “encore” o tema “Chameleon” e fechando o concerto com uma versão muito funk de “Cantaloop Island”. E se o cabeça-de-cartaz estava no piano e nos sintetizadores, com ele encontrava-se o não menos importante “kinda young, kinda WOW!” Vinnie Colaiuta, o baterista que esteve na banda de Frank Zappa de 1978 a 1988 e que tocou fabulosamente. O grupo que veio a Amarante tinha ainda na guitarra Lionel Loueke, que não deixou marcas relevantes na noite, e o baixista James Genus, uma máquina “funky”. No saxofone e demais teclados tocou Terrace Martin que, apesar de ser mais conhecido como produtor de Kendrick Lamar e Snoop Dogg, é um músico excelente e com muito bom gosto.
O jazz de Hancock revelou-se principalmente nos solos, sem grandes concessões e facilitismos, de alguma maneira interrompendo o “flow” do funk que estava instalado. O público aceitou bem as dissonâncias e polirritmias pouco habituais em festivais de Verão e dançou animado, mesmo quando o piano parecia estar possesso.
Foi uma grande noite, provando que os concertos de Verão podem ter jazz, que o público em grande número fica e dança e que há soluções bem mais criativas e interessantes do que aquelas que são propostas pelos festivais das cervejeiras, das telecoms e das electricidades. O pianista não cedeu em demasia, mantendo a música num nível interessante e suficientemente fácil para não espantar os milhares de festivaleiros. Grande ambiente em Amarante, cidade deslumbrante.