Albert Cirera / Ulrich Mitzlaff + Motif, 14 de Novembro de 2016

Albert Cirera / Ulrich Mitzlaff + Motif

Pano para mangas

texto Rui Eduardo Paes fotografia Cláudio Rêgo

A combinação no mesmo dia de um concerto de música livremente improvisada e outro de jazz levantou muitas questões que estão longe ainda de encontrar resposta. E o interessante foi ouvir os músicos de cada um deles a complicar os termos. Muita discussão esta “double bill” providenciaria…

Calhou que a SMUP abrigasse no mesmo dia (um no sótão, o outro no palco do salão, com o público junto dos músicos) dois concertos que assinalaram as distâncias, mas também as convergências, entre a música livremente improvisada e o jazz contemporâneo, o primeiro representado pela dupla (portuguesa, se bem que juntando um catalão e um alemão) constituída por Albert Cirera e Ulrich Mitzlaff e o outro pelos noruegueses (e um alemão, Michael Thieke) Motif. Só por si, a combinação suscitava interessantes reflexões, mas se estas aconteceram foram introspectivas, ficando a cabeça de cada um dos presentes.

E bem que essa reflexão tarda em acontecer de uma forma mais profunda e partilhada, tendo em conta que as noções existentes sobre as relações ou não-relações entre jazz e música improvisada são mais interrogativas do que outra coisa. Grosso modo, há duas posições sobre o assunto: alguns críticos e pensadores destas áreas, sobretudo nos Estados Unidos, defendem que a livre-improvisação é simplesmente um ramo dessa vasta “árvore” a que se chama jazz, enquanto outros, regra geral europeus, sustentam que se trata de uma corrente emancipada do jazz e tão ou mais devedora à música erudita do que à que nasceu no outro lado do Atlântico.

O curioso é que, nestas actuações na Parede a 11 de Novembro, os intervenientes muito fizeram para complicar a questão: Cirera e Mitzlaff terminaram a sua apresentação em formato tonal, eles que lhe tinham dado início de forma particularmente abstracta: o saxofonista aproximou-se do jazz (o que, de resto, lhe é natural, dado movimentar-se habitualmente nesse território, e tanto nos meios vanguardistas como nos do “mainstream”) e o violoncelista da clássica quando já nada o fazia prever. Os Motif, que por sinal integram um clarinetista que usualmente trabalha nos circuitos mais radicais da improvisação exploratória (Thieke), tocaram um jazz à anos 1950 com traços do hard bop mais vernacular, mas aproveitando a ponte fornecida pelas influências de um Eric Dolphy e de um Andrew Hill para do género terem uma abordagem especialmente geométrica, análoga às pinturas de Mondrian e Kandinsky. Pelo meio disto, um tema com características mais experimentais foi dedicado a John Cage, compositor que referenciou mais a música improvisada do que o jazz propriamente dito.

Albert Cirera e Ulrich Mitzlaff

Ole Morten Vagan

Hakon Johansen

Albert Cirera e Ulrich Mitzlaff

Mais interessante ainda foi o facto de num e no outro caso se ter contornado a tradição do free jazz. O trabalho de “bricolage” sonora desenvolvido pelo duo de músicos estrangeiros residentes em, respectivamente, Lisboa e Cascais, com Cirera a explorar o som da água dentro do sax soprano e Mitzlaff o da madeira do seu instrumento, era de outro lado que vinha, surgindo como uma versão acústica da música feita com instrumentos electrónicos. Também os Motif de Atle Nymo, Eivind Lonning, Havard Wiik, Ole Morten Vagan (que se deu a conhecer em Portugal, há uns anos, tocando com Júlio Resende), Hakon Johansen e do já mencionado Michael Thieke saltaram por cima da “new thing”, mais parecendo o seu jazz criado a esquadro e compasso uma adaptação à maneira do século XXI da estética Blue Note nos seus anos gloriosos. Wiik tornou ainda mais difíceis as conclusões a que podemos chegar, misturando no seu notabilíssimo vocabulário pianístico elementos que tanto vinham da história do jazz como de muito fora deste âmbito, uns diluídos nos outros.

Uma grande diferença foi para todos evidente: tudo o que Albert Cirera e Ulrich Mitzlaff tocaram foi sugerido pelo momento e os Motif apresentaram as composições do álbum que acabam de publicar na Clean Feed, “My Head is Listening”. Já o resto tem muito que se lhe diga. Temos aqui pano para muitas mangas, ou seja, questão para muita conversa. Se conversa houver, o que é raro por estes dias…

Agenda

30 Março

Johannes Gammelgaard

Café Dias - Lisboa

30 Março

Pedro Branco e João Sousa “Old Mountain”

Miradouro de Baixo - Carpintarias de São Lázaro - Lisboa

30 Março

Marmota

Casa Cheia - Lisboa

30 Março

Filipe Raposo e Uriel Herman “Dois pianos, um universo”

Centro Cultural de Belém - Lisboa

30 Março

Inês Camacho

Cossoul - Lisboa

30 Março

Abyss Mirrors Unit

ZDB - Lisboa

30 Março

Daniel Levin, Hernâni Faustino e Rodrigo Pinheiro

Biblioteca Municipal do Barreiro - Barreiro

31 Março

Blind Dates

Porta-Jazz - Porto

01 Abril

Elas e o Jazz

Auditório Municipal de Alcácer do Sal - Alcácer do Sal

01 Abril

Ill Considered

Musicbox - Lisboa

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