Peter Evans + Simon James Phillips
Freak show
Num evento organizado pelo Teatro Maria Matos que marcou o início de uma programação fora de portas intitulada Monumental, assistimos no Panteão Nacional, em Lisboa, a dois grandes solos de Peter Evans e Simon James Phillips, e a um duo final.
O local escolhido para estes concertos não podia ser mais ideal, o Panteão Nacional. Peter Evans veio mostrar mais uma vez aos lisboetas o porquê de ser talvez o músico mais consensualmente adorado da sua geração. O concerto, pautado pela utilização absolutamente impressionante da reverberação natural do Panteão, foi uma experiência de cortar as palavras.
Evans foi oscilando de forma muito inteligente o uso exclusivo das propriedades acústicas especiais da sala e auxiliar-se de um microfone, não tanto para se amplificar, mas para jogar mais ainda com as propriedades dos sons ali organizados. Num (não demasiado) longo concerto sem pausas, com trompete e trompete piccolo, mostrou habilidades técnicas que possivelmente atrairiam mais público nas feiras itinerantes de “freaks” do início do séc. XX do que a mulher barbuda ou o homem gigante.
O certo é que aquilo que ecoou pelo Panteão no passado domingo transpirou musicalidade por todos os lados. Por muito que pudesse remeter para a existência de maquinaria (o “drone” de Evans poderia enganar o cérebro, fazendo este pensar que as rotas aéreas tinham mudado em Lisboa e que haveria uma fila de aviões a sobrevoar Santa Engrácia), a música deste trompetista é, sobretudo, humana.
Temos ainda presente o seu recente álbum a solo “Beyond Civilized and Primitive”, cujo nome remete para o ensaio crítico de Ran Prieur que questiona a nossa forma de ver a evolução da sociedade. E o título não podia ser mais bem escolhido para associar aos seus solos: uma experiência incrivelmente intensa e que coloca tudo em questão.
Coube a Simon James Phillips manter a atenção de um público extasiado com a prestação do primeiro concerto. Phillips cumpriu essa tarefa com distinção, com uma abordagem ao piano pouco convencional.
Tirando uma passagem menos bem conseguida, com o “reverb” do Panteão e do pedal do piano a transformarem um trecho mais melódico numa cena demasiado dramática de um filme meloso de Hollywood, o concerto foi marcado por uma cama sonora que preencheu aquele espaço de notas e harmónicos a vibrar com as camadas sonoras ondulantes. Embora improvisado, pudemos sentir uma identidade musical bem marcada entre o concerto e o disco de estreia a solo de Simon James Phillips, “Chair”.
Para o fim, os músicos reservaram uma colaboração em duo, com Peter Evans a poder explorar um fraseado mais jazzístico sobre a camada de bordões do pianista.