Abdelnour / Stackenas / Thorman / Strid Quartet
Fantasmas urbanos
Fomos a mais um concerto da série Isto é Jazz? e encontrámos os espíritos da realidade sonora que se vive numa cidade. Com dimensão humana e mesmo que os decibéis se tivessem mantido baixos…
Em mais uma sessão do ciclo Isto é Jazz?, como sempre na Culturgest, assistiu-se no dia 10 de Abriol à estreia em Lisboa (na noite anterior o grupo tocara em Coimbra) do quarteto constituído pela franco-libanesa Christine Abdelnour (também conhecida enquanto Christine Senhaoui) e pelos suecos David Stackenäs, Patric Thorman e Raymond Strid. Numa sala meio cheia assistiu-se a uma rara exibição de domínio sonoro.
A actuação foi pautada por uma espécie de concurso em que os músicos tentavam, cada um, tocar com um volume inferior aos outros, sendo o justo vencedor o jovem contrabaixista Patric Thorman. Com uma postura desconjuntada mas uma técnica incisiva, o contrabaixista fantasma fazia sentir (mais do que ouvir) as modulações das frequências graves. Ainda assim, o registo musical, embora com reduzidos decibéis, manteve-se fora dos domínios do “near silence.”
Este quarteto desafia a percepção das propriedades acústicas de um grupo constituído por saxofone alto, guitarra acústica, contrabaixo, bateria e percussão, com a “musique concerte” e a electroacústica a vir-nos recorrentemente aos ouvidos. A linguagem muito particular de Abdelnour muito contribuiu para o som do grupo, que de certa forma se definiu à sua imagem.
Sempre muito inteligente nas soluções que encontrava, a formação beneficiou ainda das diferenças geracionais com o melhor de dois mundos. Será de ressalvar a experiência de Raymond Strid, a ressuscitar recorrentemente um ritmo pontilhado e a estabelecer diálogos percussivos de grande interesse com a guitarra preparada de Stackenäs.
O trabalho sonoro reproduziu uma realidade urbana pós-industrial mas altamente humana. Bastava uma pequena distracção para julgarmos estar perante “field recordings” recolhidos em plena cidade.
Música porventura difícil de ouvir, poderá ter sido interpretada por alguns menos atentos como um “rei vai nu”, mas a grande ovação final não deixou dúvidas quanto à pertinência da música ali construída. Um concerto de encher as medidas.