Julho é de Jazz 2023
Julho quente em Braga
Para a nona edição do ciclo Julho é de Jazz, o espaço bracarense gnration apresenta quatro concertos: Marc Ribot’s Ceramic Dog (dia 6), André Carvalho “Lost In Translation” (dia 7), João Lencastre “Free Celebration” (dia 13) e Kaja Draksler & Susana Santos Silva (dia 14). Aqui fica uma antevisão daquilo que se poderá ouvir em Braga.
O festival Bragajazz foi, durante uma década, uma paragem obrigatória no roteiro dos grandes eventos de jazz: o festival existiu entre 2000 e 2010 e levou à cidade de Braga nomes grandes como Henri Texier, Gianluigi Trovesi, Enrico Rava, Marty Ehrlich, Nathalie Lories, Steve Wilson, Carla Cook, Ray Barretto, William Parker, Anouar Brahem, Jamie Baum e The Claudia Quintet. O festival já não existe, mas o jazz continua vivo na cidade. O espaço Maison 826 de Pedro Remy tem promovido concertos com regularidade mensal, em parceria com a Associação Cultural Braga Jazz. A associação Plataforma do Pandemónio tem dinamizado uma programação jazz regular, entre concertos e jam sessions. Vão surgindo outras jams e concertos pela cidade, pontualmente. E as salas com programação mais ativa, particularmente o gnration e o Theatro Circo, vão apresentando concertos interessantes de jazz (como aconteceu em maio, com a atuação de Yazz Ahmed).
Além dos concertos de jazz integrados na programação regular, o gnration promove também, anualmente, o ciclo Julho é de Jazz. Este é atualmente o grande momento anual de jazz na cidade de Braga e, nas suas oito edições, o ciclo tem apresentado sempre uma programação atenta, que cruza alguns nomes fundamentais do jazz criativo internacional com alguns dos projetos mais interessantes projetos nacionais. Pelas edições anteriores do ciclo já passaram figuras como Peter Brötzmann e Steve Noble (2015), Carlos Bica e João Paulo Esteves da Silva (2016), Evan Parker (2017), The Bad Plus e Peter Evans (2018) Nubya Garcia (2019), Andy Sheppard (2020), Jaimie Branch e Mary Halvorson (2021) e James Brandon Lewis (2022).
Para a nona edição do seu ciclo jazzístico, o espaço gnration apresenta quatro concertos, distribuídos por quatro noites: a 6 de julho atua o projeto Ceramic Dog de Marc Ribot; no dia 7, o contrabaixista André Carvalho apresenta o seu projeto “Lost In Translation”; no dia 13 o baterista João Lencastre apresenta em Braga o seu grupo “Free Celebration”; e o ciclo fecha, dia 14, com a dupla Kaja Draksler & Susana Santos Silva.
Colaborador de nomes como John Zorn, Tom Waits e Elvis Costello, o guitarrista Marc Ribot esteve recentemente em Portugal, tendo apresentado em Ovar o seu projeto The Jazz-Bins, um curioso trio com órgão Hammond B3 – mais um notável projeto, a juntar a Los Cubanos Postizos, Rootless Cosmopolitans, Spiritual Unity e Songs of Resistance. Em Braga, Ribot vai apresentar-se ao leme daquele que é um dos seus projetos mais estáveis, um “projeto assinatura”, onde tem a companhia de outros dois instrumentistas de alto calibre: Shahzad Ismaily no baixo e Ches Smith na bateria. O trio acaba de editar dois singles, “Connection” e “Soldiers in the Army of Love”, antecipando aquele que será o quinto disco do trio (também chamado “Connection”). Nestes dois novos temas ouvimos um rock abrasivo guiado pela voz de Ribot; ao vivo, os temas serão certamente transformados com alta intensidade, não faltando a vertente exploratória. Para os interessados na obra de Ribot, além da imensa (e notável) discografia, valerá a pena também explorar o seu livro “Unstrung: Rants and Stories of a Noise Guitarist” (recente, editado em 2021), onde reúne textos sobre música, histórias e pequenos contos; o livro vale sobretudo a pena pela primeira parte, onde se encontram textos sobre músicos como Derek Bailey, Henry Grimes, Robert Quine e Frantz Casseus (seu professor e mentor). Em Braga, teremos oportunidade de assistir a uma atuação de uma uma lenda viva da guitarra, em ótima forma, acompanhada por excelentes músicos, a apresentar material inédito. Um luxo.
Já o contrabaixista André Carvalho vai apresentar em Braga a versão 2.0 do seu projeto “Lost In Translation”. O disco homónimo surgiu em 2021 e mostrava Carvalho ao leme de um trio, com José Soares (saxofone) e André Matos (guitarra elétrica), a criar música para “palavras intraduzíveis”, palavras que não têm tradução direta, palavras que referem situações específicas, palavras que só existem em determinadas culturas. Numa entrevista recente dada à jazz.pt, Carvalho contava o processo de criação de música para este projeto: «Primeiro houve um processo de recolha de palavras através de livros, internet ou amigos que foram sugerindo algumas. A partir destas, fui selecionando as que de alguma forma ressoavam mais dentro de mim, ou porque remetem para algo lírico, ou para algo do dia-a-dia em que nunca sequer pensei, para algo curioso ou para algum género de emoção ou sensação que provavelmente já pensei mas que nunca soube nomear. Depois disto, tentei perceber de que forma dada palavra poderia ser musicada, que género de atmosfera, timbres, cores, harmonias, melodias, que género de interação o trio poderia ter, etc. Fui apontando estas ideias que ia tendo e metendo mãos à obra, pensando como é que a partir destes sketches poderia passar para algo que o trio fosse tocar. Por vezes são ideias mais desenvolvidas em que o material tem um desenvolvimento que dei a priori, outras vezes são ideias muito simples e pequenas que servem de mote para o trio explorar em tempo real.» O trabalho resultou num disco inaugural muito interessante e o trio continuou a exploração com um novo álbum, simplesmente designado “Vol. II” (editado pela Clean Feed, em março deste ano). Sobre esse disco de estreia, escrevi na altura: «“Lost In Translation” é sobretudo definido pelas diferentes ambiências que o grupo consegue construir, pela diversidade de universos sonoros que tentam traduzir emoções e sensações. Não se tratando de um típico disco de jazz, Carvalho serve-se dos recursos jazzísticos para criar algo novo, uma proposta musical desafiante.» E este novo trabalho continua as premissas. Em Braga, o trio Carvalho/Soares/Matos irá apresentar uma música original que sabe cativar o ouvinte.
O baterista João Lencastre vai levar ao gnration seu grupo “Free Celebration”, formação que interpreta temas de três das maiores figuras da história do jazz: Thelonious Monk, Herbie Nichols e Ornette Coleman. Para Lencastre, «são três dos músicos/compositores que mais gosto da história do jazz, e acho que os temas ligam muito bem entre si.» Neste grupo, Lencastre conta com a parceria de João Lopes Pereira (bateria), Nélson Cascais (contrabaixo), João Bernardo (sintetizadores), Ricardo Toscano (saxofone) e Pedro Branco (guitarra). Sobre os músicos envolvidos, o baterista confessa: «são bons amigos, músicos que eu admiro e com quem já toquei em diferentes ocasiões. O que espero sempre de cada músico é ser surpreendido, e que cada um traga a sua personalidade. Neste projeto, os arranjos não fogem muito do original e é o “input” de cada um que dá uma “frescura” às composições. Já há muito que queria fazer um projeto com duas baterias e achei que esta era a oportunidade para o fazer. O João Pereira tem não só um grande conhecimento da tradição mas é também bastante aberto a todo o tipo de música improvisada, e achei que fazia todo o sentido convidá-lo para este projeto. Outro elemento também um pouco diferente é a presença de sintetizadores em vez do piano. O João Bernardo é não só um excelente pianista, mas tem também muita experiência a tocar sintetizadores e pedi-lhe para explorar sobretudo uma abordagem mais “textural” e sónica, para contrastar com o sax e com a guitarra.» Já tivemos a oportunidade de assistir a este grupo ao vivo (na SMUP, Parede) e poderemos dizer desde já que a atuação em Braga será explosiva.
A dupla Kaja Draksler (piano) & Susana Santos Silva (trompete) vai levar ao público bracarense a sua empatia musical, registada nos discos “This Love” (Clean Feed, 2015) e “Grow” (Intakt Record, 2022). Já todos deverão saber que a portuense Susana Santos Silva é uma trompetista extraordinária, capaz de surpreender a solo ou em qualquer contexto (e apresentou-se há poucos dias um duo com o veterano Carlos Bica, no festival Causa Efeito). Este seu duo com a pianista eslovena tem já uma longa história e, entre piano e trompete, Kaja e Susana comunicam, desafiam-se, encontram-se. Desta dupla poderemos esperar uma excelente interação, sempre com a improvisação como terreno fértil. Recordamos as palavras de Gonçalo Falcão sobre o recente disco “Grow” (2022): «Sendo o piano dos objetos mais complexos da invenção humana, ouvir Kaja Draksler levá-lo aos limites das suas capacidades expressivas é encantador; mas ouvir um trompete, um sopro de metal aparentemente tão limitado, tão próximo de um instrumento primordial que serviu a tradição marcial, abrir-se tanto em termos sonoros, ser tão significativo, é assombroso.»
Os concertos no ciclo Julho é de Jazz do gnration arrancam sempre às 22h00 e os bilhetes já estão disponíveis.