, 4 de Março de 2023

Portalegre JazzFest 2023: Razões para celebrar abril

texto: Gonçalo Falcão

É no final do mês de abril que se deve agendar um fim-de-semana musical em Portalegre. O Portalegre JazzFest é um dos festivais que abre a época e realizar-se-á de 27 a 29 de abril. Tem sido um ponto de encontro de gente de todo o país para um fim-de-semana gastro-turístico-musical. É ir às apps e reservar lugar na cidade; a jazz.pt orienta.

Com um programa sempre interessante é o pretexto que se quer para uma saída; um caso sério de qualidade e resistência que faz de Portalegre, por uns dias, a capital do jazz nacional. Por Portalegre têm passado grandes concertos. Para além da música, a cidade é em abril um paraíso para os visitantes que entre Marvão e o Centro de Artes e Espetáculos, passando pela cascata do Pego do Inferno, a comida e doçaria alentejana e uma cidade que ainda anda devagar: uma manhã a ler o jornal no Café Alentejano vale por um ano de spas.

Alojamento

A cidade tem uma oferta hoteleira acolhedora. O Hotel José Régio tem sido o favorito apesar do Rossio Hotel já ter estado no topo das escolhas no passado. Para quem prefere o campismo há parques privados de altíssimo nível de conforto e sossego. Quem prefere o turismo de habitação pode também ficar fora da cidade em várias casas. O caminho até aos concertos é fácil, o estacionamento idem e não se conhece o significado da palavra “trânsito”.

Comida

O Alentejo garante o insucesso de qualquer dieta. Cada prato é uma provocação. O Restaurante “O Cavalinho Dois”, perto do CAE (Centro de Artes e Espetáculos, sala onde se realizam os concertos) é uma das escolhas possíveis, onde poderá encontrar os músicos antes dos concertos e algum convivio musical. O famoso “Tombalobos” é outra opção para quem se quer desgraçar. Há várias opções fora do casco histórico, ainda mais cruéis. Na Portagem, no sopé de Marvão, o Restaurante “Sever Rio” e o seu arroz de lebre ombreiam com a sapiente cozinha do “Mil Homens” ou mesmo o “Tachinho”. O difícil é escolher. Para quem quis ir dar um mergulho no Pego do Inferno em vez da piscina do Sever (convenientemente ao lado do hotel) pode ir à aldeia de Mosteiros, ao bar do Açude da Ribeira, ser seviciado com comida da melhor a olhar para o passo lendo do rio que ali é travado numa represa que cria uma situação própria para o mergulho. A sra. que controla a cozinha limpava o Masterchef sem esforço.

Música

O JazzFest toca no civilizadíssimo CAE de Portalegre, em dois concertos por dia. Um no auditório principal e um segundo no bar, por cima. Os bilhetes preçados com muita consideração (podem ser comprados em conjunto para os dois concertos) e a organização não quer dar descanso ao palato, pelo que nos brinda normalmente com enchidos e pão da região, acolitados por uns vinhitos de alta cilindrada. É fácil chegar até lá e de lá ao hotel. Anda-se a pé e devagar, passeia-se pela cidade que tem alguns museus interessantes e uma arquitetura agradável.

 

Margaux Oswald

 

A inauguração far-se-á no dia 27 abril, quinta feira, à tarde (18h) no Museu de Tapeçarias de Portalegre. Ouviremos a pianista franco-filipina Margaux Oswald a solo num cenário magnificamente atapetado. O seu “Dysphotic Zone”, lançado pela Clean Feed Records, foi eleito um dos melhores álbuns a solo de 2022 pela New York City Jazz Record e foi eleito o 10º melhor álbum internacional do ano pela jazz.pt. As cores únicas e vibrantes da manufatura portalegrense contrastarão com a música escura, violenta e frágil. Oswald é capaz de fazer uma tempestade num piano; uma tempestade belíssima de ouvir, num piano onde faz ressoar grandes blocos sonoros dentro dos quais borda, como numa tapeçaria, pequenas unidades musicais que surgem dentro desses massivos. Vai valer a pena.

 

Ricardo Toscano / foto Vera Marmelo

No mesmo dia, depois do jantar, iremos ouvir o trio de Ricardo Toscano que virá apresentar o seu novo disco ao Alto Alentejo. Foi aqui que, na altura muito novos, os ouvimos pela primeira vez a vibrarem com hardbop, no Café Concerto do Centro de Artes e Espetáculos. Regressam para o palco grande do Centro de Congressos de Portalegre, num merecido reconhecimento. Será às 21h30 que ouviremos Ricardo Toscano no saxofone alto, Romeu Tristão no contrabaixo e João Pereira na bateria.

 

Paal Nilssen-Love CIRCUS / foto Petra Cebvar

No dia seguinte, 28 de abril, já no Grande Auditório do CAE, às 21:30, toca o Paal Nilssen-Love CIRCUS. O famosíssimo baterista criou esta música na sequência das restrições de viagem causadas pela pandemia Covid 19. Sabemos o seu gosto por e a experimentação que tem feito com grandes unidades de músicos. O Oslo World Music Festival pediu-lhe que montasse um grupo norueguês (relembro que alguns países do norte da Europa eram extremamente restritivos em relação a entradas e saídas do país) e ele criou um octeto eclético, com diferentes backgrounds: étnico, clássico, contemporâneo, jazz, free jazz, noise, pop etc.

A composição é de Nilssen-Love traçou umas estruturas que dão a cada músico muita liberdade. E a cada músico foi atribuída uma responsabilidade pelo desenvolvimento musical, com a missão de surpreender o outro e o público.A inspiração para estes temas veio dos seus estudos mais recentes na Etiópia e Brasil, a que juntou o seu fascínio de longa data pela música do Mali e Senegal. Uma música improvisada de largo expectro, como se fosse um governo de minoria absoluta. Vamos por isso altamente curiosos ao PNL Circus que finalmente saiu do confinamento nórdico: uma banda imprevisível, emocionante, que explora diferentes sentimentos e ambientes. É como ir ao circo! Disse Torkjell Hovland (Ballade.no) que os viu na noruega: “uma festa dançante; dói ficar sentado com música como esta. Riffs de Ethio-jazz e ritmos brasileiros flutuam num banho de nudez selvagem e livremente improvisado!”

 

MOVE / foto: Nuno Martins

À noite, o segundo concerto. Basta subir as escadas e ir ao Café Concerto) às 23h30 com o trio de Yedo Gibson (saxofone tenor), Felipe Zenicola (baixo elétrico) e João Valinho (bateria). São os MOVE. Criado em 2022, entre Sintra e Lisboa, fruto da vontade de fazer surgir uma proposta autoral que reunisse ideias partilhadas e encontrar um contributo original para a música criativa. A música dos MOVE é eclética e está aberta a todo o tipo de influências, do free jazz ao punk rock. Zenicola é baixista, produtor e engenheiro de som. Veio do Brasil para Lisboa e integrou a cena da música experimental. Nos últimos anos colaborou como Otomo Yoshihide, Paal Nilssen-Love, Frode Gjerstad, Arto Lindsay e Bill Orcutt.

Yedo Gibson também nasceu do outro lado do oceano e está com o baixista no mundo da improvisação livre. Depois de ter estado em Londres e Amesterdão durante dez anos, mudou-se, em 2016, para Portugal. É uma das cabeças por trás do trio EKE, dos MOVE, e do quinteto Naked Wolf e RIO (Royal Improvisers Orchestra). Para além dos seus próprios projectos, Gibson colaborou com Marshall Allen, John Edwards, Andy Moor, Han Bennink, Luc Ex e Steve Noble.

João Valinho, vem de mais perto, de Sintra. Cursou Belas-Artes e procura que as suas práticas performativas integrem essa dimensão interdisciplinar. À música alia atividade na produção de objetos artísticos em instalação e fotografia. Tem colaborado musicalmente com Rodrigo Amado, o Refraction Quartet, Fashion Eternal, Rodrigo Brandão Outros Espaço e Anthropic Neglect. Uma oportunidade de ouvir este trio numa fase inicial.

No dia 29 de Abril, sábado e último dia do festival a fórmula habitual: o concerto da noite no Grande Auditório e o after hours no Café Concerto. Começamos com outra grande formação, o João Lencastre's Communion, um grupo com grandes músicos que já ouvimos ao vivo com imenso gosto. Distinguido pela RTP/Festa do Jazz com o prémio de "Músico do Ano", João Lencastre apresenta neste concerto o muito aclamado "Unlimited Dreams", Vencedor dos prémios Play para melhor disco de Jazz de 2022. O projeto de João Lencastre teve, no passado, diferentes formações, geralmente juntando músicos de Portugal e dos Estados Unidos. "Unlimited Dreams" é hoje um octeto com alguns dos mais criativos músicos da cena lisboeta (Ricardo Toscano, André Fernandes, Pedro Branco, João Hasselberg e Nelson Cascais), além de Albert Cirera e Benny Lackner. A combinação de dois saxofones, duas guitarras e dois baixos, sendo que cada uma destas duplas é constituída por músicos com uma personalidade musical oposta cria dinâmicas internas muito interessantes. O piano e a bateria estão isolados solitários, mas são igualmente determinantes. Lackner e Hasselberg adicionam ainda a eletrónica aos seus instrumentos principais, criando um quinto duo, o que faz com que os “Dreams” tenham uma enorme amplitude sonora, o que serve na perfeição as ideias consistentes das composições panorâmicas de Lencastre.

 

Abacaxi

 

Para fechar a “Fest”, ressubida ao Café Concerto para ouvir o “Abacaxi” de Julien Desprez. Um trio rockeiro – guitarra, baixo e bateria que toca uma música que fica num apeadeiro entre o noise e o funk-rock. Música com caroço doce e casca picante. Formados pelo guitarrista Julien Desprez, que também já tivemos oportunidade de ouvir na Gulbenkian, esta personificação de uma formação clássica de rock, entrega uma música mexida e ritmada, cheia de interferências e desalinhos. Os pedais de Desprez traficam o som da guitarra e controlam as luzes de palco num espetáculo multissensorial que explora os limites do jazz. Para além de Desprez ouviremos Jean-François Riffaud no baixo elétrico e Francesco Pastacaldi na bateria.

 

Agenda

04 Outubro

Carlos Azevedo Quarteto

Teatro Municipal de Vila Real - Vila Real

04 Outubro

Luís Vicente, John Dikeman, William Parker e Hamid Drake

Centro Cultural de Belém - Lisboa

04 Outubro

Orquestra Angrajazz com Jeffery Davis

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

04 Outubro

Renee Rosnes Quintet

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

05 Outubro

Peter Gabriel Duo

Chalé João Lúcio - Olhão

05 Outubro

Desidério Lázaro Trio

SMUP - Parede

05 Outubro

Themandus

Cine-Teatro de Estarreja - Estarreja

06 Outubro

Thomas Rohrer, Sainkho Namtchylak e Andreas Trobollowitsch

Associação de Moradores da Bouça - Porto

06 Outubro

Lucifer Pool Party

SMUP - Parede

06 Outubro

Marta Rodrigues Quinteto

Casa Cheia - Lisboa

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