Outono em Jazz 2022, 6 de Outubro de 2022

Outono em Jazz 2022

Jazz e incógnitas no Outono da Casa da Música

texto: Gonçalo Falcão

A Casa da Música criou o Outono em Jazz e programou doze concertos. Alguns são de jazz, outros de outras músicas. É difícil encontrar uma linha orientadora para a programação que mistura tudo sob as costas largas do jazz. Entre concertos e equívocos num mix exótico, ficam as sugestões da jazz.pt para orientar as escolhas de outubro. O destaque vai inevitavelmente para os concertos de dias 16, 18 e 23 (noite).

Ruy Castro, escritor brasileiro, diz que João Donato é um dos fundadores da música brasileira, com Tom Jobim e muitos outros. Era bossa, mas era “nova”: “o velho e indestrutível samba, com todas as bossas acumuladas desde 1930, mas ritmicamente simplificado pelo génio de João Gilberto”.


Dia 9 

Donato participou deste movimento como pianista acompanhador, e por isso esteve em contacto com as pautas que fundaram a jovem Bossa Nova e depois disso acompanhou ao piano muitas das estrelas da MPB. Em 2021 lançou “Síntese do Lance” com Jards Macalé que fundiu bossa nova, samba, e música latina. No concerto do Outono em Jazz, Donato virá em trio e convida o cantor português António Zambujo para partilhar o palco. Será preciso muito boa vontade para ouvir jazz onde está bossa, que já não sendo nova será certamente tocada com a sapiência e experiência de quem a viu nascer.

Os espanhóis podem dizer que a Arte Nova de Gaudi se chama modernismo e os brasileiros podem dizer que a bossa nova tem jazz. Mas o resto do mundo também pode usar outras bitolas.


Dia 11

Dois dias depois, numa terça-feira à tarde (19h30) teremos o primeiro concerto do dia com um grupo misterioso: o North Camels Large Ensemble. Sabe-se muito-pouco-quase-nada sobre este ensemble: apesar de dizerem existir há cinco anos, tem apenas uma música no Youtube, não têm bandcamp ou Facebook ou site ou outra informação disponível.

O anúncio do concerto fala em prémio “Novos Talentos” AGEAS (uma parceria entre a Fundação Casa da Música e a companhia de seguros), mas no site da AGEAS não aparecem como vencedores de nenhuma das quatro edições realizadas até ao momento, por isso resta-nos a dúvida e dizer que é provavelmente um noneto, que provavelmente vem do Porto e que provavelmente toca música escrita pelos seus elementos.

À noite ouviremos o baterista Mário Barreiros apresentar o seu mais recente disco “Dois Quartetos Sobre o Mar” na versão original: com dois quartetos diferentes, o “Pacífico” e o “Abissal”. O primeiro conta com Abe Rábade no piano, Ricardo Toscano no Saxofone e Carlos Barreto no contrabaixo. A beleza deste quarteto é seguir o duelo faiscante entre os dois jovens músicos da frente – o piano e saxofone. O segundo tem José Pedro Coelho no saxofone, Miguel Meirinhos no piano e Demian Cabaud no contrabaixo.

O CD editado este ano assinala o regresso de Mário Barreiros aos discos. Apesar dos dois quartetos terem a mesma instrumentação, têm personalidades bem distintas: O primeiro mais veemente e o segundo mais exploratório. Será um mergulho no misterioso grande azul, oxigenados por músicos experientes e vibrantes.


Dia 13

No dia 13, quinta-feira, ouviremos Ocenpsiea, o quarteto que vem de Braga e que explora os territórios próximos da eletrónica rítmica e do hip-hop. Com três discos editados, “Conega 103” (2017), “Sabão Rosa” (2018) e “Oceano-Mar” (2021) conseguimos ouvir uma música muito próxima da pop que radica nas experiências funky de Herbie Hancock e dos desenvolvimentos mais acrobáticos dos Spyro Gyra e mais recentemente corporizadas nos Snarky Puppy e seus descendentes. Virão com o polaco Adam Palma, guitarrista e professor que aposta na rapidez e na técnica na guitarra acústica, numa linguagem Al Di Meolesca.


Dia 16

Na primeira noite em que viajamos para fora da lusofonia temos dois concertos com geografias e formações muito distintas, mas que, de algum modo, se completam. O primeiro com os catalães do Liba Villavecchia Trio num formato clássico de sax, contrabaixo e bateria. Villavecchia virá apresentar o seu mais recente disco, “Zaidín”, editado em 2022. O disco com composições do saxofonista que nomeia o grupo e um tema de Thomas Chapin. Nos últimos anos tem tocado regularmente com Vasco Trilla, baterista que vem do black metal e o contrabaixista Alex Reviriego. A música é angulosa, cheia de irregularidades rítmicas e aguda. Neste formato nú, em que os instrumentos ficam todos em primeiro plano, este grupo explora a lógica do trio de um modo muito particular e entusiasmante.

  

Virá depois o octeto do polaco Marek Pospieszalski, um dos promissores saxofonistas e compositores do jazz europeu. Em “Polish Composers Of The 20th Century” (2022), o seu mais recente trabalho, arranjou 12 peças de 12 compositores polacos do século XX, para a linguagem jazzística, usando a improvisação para libertar estes temas para o imprevisível. O octeto dá a esta música uma dimensão orquestral muito atraente.


Dia 18

Mais uma noite, que também será de dois concertos, O primeiro levará ao Porto um momento muito especial que João Paulo Esteves da Silva construiu para homenagear Bernardo Sassetti. Ao liderar o seu trio, com Carlos Barreto e Alexandre Frazão e ao reler as composições do genial compositor, João Paulo Esteves da Silva dá uma vida nova às canções de Sassetti e o trio toca-as com a naturalidade de quem as conhece desde pequeninas.

Guitarrista, compositor e improvisador radicado no Porto, Mané Fernandes propõem que se olhe para o seu trabalho como pertencendo a uma “Estética Pós-Beat”. O seu quinteto assenta na hiperatividade rítmica para construir uma música grandemente improvisada onde a tradição musical afro-americana -  o blues e o jazz – servem de orientação para voos mais abstratos. A procura de um caminho novo e de uma música nova é um esforço claro de Mané Fernandes que não está conformado a um formato pré-estabelecido mas sim à procura de um caminho. E nada mais entusiasmante que ouvir um músico novo que se atira assim para a frente.


Dia 23

O domingo oferece três concertos. O primeiro, às 18h parece ter sido inserido à força neste ciclo não se encontrando qualquer razão musical ou lógica para a sua presença. O Remix ensemble é uma unidade orquestral de elite, altamente competente e flexível dedicada à música do nosso tempo que já trabalhou com maestros que exploram os cantos recônditos da composição contemporânea como por exemplo Peter Rundel, Peter Eötvös, Heinz Holliger, Reinbert de Leeuw, e tantos. O Remix em Jazz é uma desculpa. Justifico:

O maestro Olari Elts preparou quatro peças, num programa sinfónico que, diz a promoção, ter sido “inspirado no universo do jazz”. É relativamente fácil identificar alguns elementos estruturantes do jazz e até peças musicais escritas que de algum modo se inspiram no jazz (desde logo a do português Luís Tinoco, “FrisLand”, sobre Bill Frisell, para dar um exemplo fácil). No alinhamento proposto nem uma brisa jazzística conseguimos antever.

De Magnus Lindberg tocarão “Coyote Blues” (a inspiração aqui é “Les Noces” de Stravinsky; apesar de Stravinsky ter revelado alguma curiosidade pelo ragtime, que tentou integrar de forma naive, não foi a essa fonte que “Les Noces” foi beber). “Hele”, da compositora finlandesa Lotta Wennäkoski radica na escola de composição europeia (de Darmstad) e surge da exploração de um tipo de nota ornamental (appoggiatura). Usa apitos de pássaros com os instrumentos convencionais numa procura de alegria e vivacidade. Anders Hillborg escreveu “Vaporised Tivoli” como uma moeda com duas faces sobre a diversão: na primeira parte procura sugerir a felicidade infantil num parque de diversões, dando depois lugar a uma imagem mais sinistra (construída a partir da memória do livro “Something Wicked This Way Comes” de Ray Bradbury, sobre um parque de diversões malévolo). Por fim “Mare Lacrimarum” do compositor Erkki-sven tüür será tocada em estreia mundial.

Aguardamos pela explicação que Elts certamente fará para revelar o que nos parece invisível.

À noite, dois concertos de excelência: começamos com o Steve Berstein SexMob. O quarteto ilícito do trompetista Bernstein que rouba e modifica músicas, numa proposta pós-moderna que tudo usa, transforma e devolve. Em cada instrumento está um músico muito particular capaz de tocar com rigor e solar com energia e vibração: Briggan Krauss no saxofone alto, Tony Scherr no contrabaixo (“you know: my bass player is also a contortionist”) e a máquina de Kenny Wollesen na bateria, com quem Zorn tanto gosta de tocar. As composições de Bernstein trazem tudo para uma grande oficina, transfomam e fazem um tunning muito elegante e persuasivo. Humor, swing, colagens de vários estilos e músicas; e a energia de quem vai a fugir às leis do jazz.  

Para acabar a noite o contrabaixista portuense Hugo Carvalhais continua a rodar “Ascetica”. Podemos abordar o seu trabalho de vários ângulos, mas vamos aternos ao proposto na promoção do concerto: a sua grande originalidade e a procura de um caminho único. “Ascetica” é um disco estruturado numa ideia e num princípio e é ao vivo que esta música se abre, sai do disco e procura novamente aqueles momentos especiais e únicos que só a improvisação coletiva pode favorecer. Desta feita virá em trio, sem a os três sopros que usou no disco. Com Mário Costa a completar um duo rítmico (vamos lhe chamar assim por convenção, mas é muito mais que isso) e o genial Gabriel Pinto nos teclados, será interessantíssimo ouvir a versão nua da música de Carvalhais.


Dia 28

É quase com o mês de Outubro a acabar, ouviremos a música de Manuel Linhares, uma das poucas vozes masculinas do jazz português atual.

Continua a apresentar “Suspenso” com o trio habitual (Paulo Barros no piano), José Carlos Barbosa no contrabaixo) e João Cunha na bateria) e trará três músicos convidados sendo impossível não destacar o saxofonista americano David Binney que integrará uma secção de sopros com Paulo Perfeito no trombone e Gonçalo Marques no trompete.

Agenda

23 Setembro

Quarteto de Desidério Lázaro

Jardim Botânico - Lisboa

23 Setembro

Oblíquo Trio

Jardim Luís Ferreira - Lisboa

23 Setembro

Bernardo Tinoco / João Carreiro / António Carvalho “Mesmer”

Jardim da Estrela - Lisboa

23 Setembro

Ana Luísa Marques “Conta”

Porta-Jazz - Porto

23 Setembro

Igor C. Silva, João M. Braga Simões e José Soares

Arquipelago – Centro de Artes Contemporâneas - Ribeira Grande

23 Setembro

Rodrigo Santos / Pedro Lopes

Jardim Luís Ferreira - Lisboa

23 Setembro

Al-Jiçç

Centro Cultural da Malaposta - Odivelas

23 Setembro

José Lencastre, João Hasselberg, João Carreiro e Kresten Osgood

Cossoul - Lisboa

23 Setembro

Ricardo Jacinto "Atraso"

Centro Cultural de Belém - Lisboa

23 Setembro

Tcheka & Mário Laginha

Teatro Municipal Joaquim Benite - Almada

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