Jazz ao Centro
Coimbra vai receber três mulheres do jazz
A 16ª edição do festival de Coimbra acontecerá, mais uma vez, em vários espaços da cidade e juntando muito diferentes tendências do jazz, com incidência tanto para o internacional como para o nacional. O programa tem três mulheres em destaque: Carla Bley (foto acima), Sylvie Courvoisier e Mary Halvorson. Novidade absoluta é a estreia de um novo projecto: o Cena Jovem Jazz.pt.
Já foi um dos (muitos) festivais de Primavera e Verão e hoje é um dos (poucos) que marcam a “rentrée” do jazz ao vivo em cada ano, tendo mudado de Junho para Outubro. Depois de realizadas 15 edições, o Jazz ao Centro volta a apresentar uma programação que junta a tradição e as correntes mais exploratórias deste género musical e distribui-se por vários espaços da cidade de Coimbra. De 17 a 27, decorrendo durante dois fins-de-semana, os também conhecidos como Encontros Internacionais de Jazz de Coimbra têm como destaques Carla Bley (com Steve Swallow e Andy Sheppard), a dupla de Sylvie Courvoisier e Mary Halvorson e o trio LAN de Mário Laginha, Julian Arguelles e Helge Norbakken. E vêm com uma novidade: o arranque do projecto Cena Jovem Jazz.pt, promovido para dar resposta às necessidades dos músicos e compositores nacionais com menos de 25 anos de idade, dando-lhes oportunidades de criação, edição discográfica, promoção e circulação nacional – é o que acontecerá com a residência artística e o concerto final do Fragoso Quinteto.
O início faz-se, no final da tarde de 17 de Outubro, com o duo feminino formado por Sylvie Courvoisier e Mary Halvorson, estreado em 2017 pelo álbum “Crop Circles”. O concerto terá lugar no Museu Nacional Machado de Castro, o ideal para uma música de carácter intimista que congrega os particulares conceitos de uma pianista (Courvoisier) que vem impondo o seu nome ao lado de Mark Feldman, à frente de um trio em que encontramos Drew Gress e Kenny Wollesen ou em associação com Ikue Mori e Susie Ibarra, e de uma guitarrista (Halvorson) que começou por ser intérprete de Anthony Braxton e John Zorn e hoje é uma figura de topo, com uma abordagem única ao seu instrumento.
No cenário do Salão Brazil, segue-se na noite seguinte a cooperativa de improvisação constituída por três dos protagonistas da cena a que a revista Wire chamou de “new Lisbon jazz avant-garde”, designadamente Pedro Sousa (saxofone tenor), Rodrigo Pinheiro (piano) e Gabriel Ferrandini (bateria). O grupo esteve em residência no Barreiro o ano passado, a convite dos organizadores do Out.Fest, e volta e meia apresenta-se em concerto, tendo ganho uma identidade musical muito própria que a distingue de outros investimentos destes músicos, designadamente o Red Trio, integrado pelos dois últimos, a já longa parceria de Sousa com Ferrandini ou os Eitr do primeiro.
A 19, também no incontornável Salão Brazil, apresentam-se os Centauri de André Fernandes, com os saxofonistas João Mortágua e José Pedro Coelho, o contrabaixista Francisco Brito e o baterista João Pereira a juntarem-se ao guitarrista líder para tocarem as suas composições. O repertório terá como base aquilo que se ouve em “Draco”, um jazz actual que ora integra a energia do rock, ora é contemplativo. Por coordenadas semelhantes se rege o grupo que sobe ao palco, no mesmo local, no dia 20, mas este é de uma geração anterior e tem uma rodagem de duas décadas: Lokomotiv, a saber Carlos Barretto (contrabaixo), Mário Delgado (guitarra) e José Salgueiro (bateria). Também eles têm disco novo, o muito celebrado “Gnosis”, e este será a base do que se ouvir.
Depois de uns dias de folga, o festival volta a agitar a Cidade Universitária a 25 de Outubro, e mais uma vez no Salão Brazil. O Fragoso Quinteto mostrará porque foi escolhido para abrir a Cena Jovem Jazz.pt, iniciativa desenvolvida a partir desta mesma revista “online” com vista a contrariar a falta de oportunidades com que os jovens músicos de jazz portugueses se deparam quando saem dos cursos profissionais e das escolas superiores. O dito quinteto é comandado por João Fragoso, jovem contrabaixista de Coimbra que muito promete, e com ele estarão outros valores em revelação, como o trompetista João Almeida, o guitarrista João Carreiro e o baterista Miguel Fernandes, mais um veterano, o catalão Albert Cirera, nos saxofones tenor e soprano. A partir de dia 22 a formação gravará um disco que será publicado pela JACC Records, a editora mantida pela entidade que organiza os Encontros, o Jazz ao Centro Clube.
O final da tarde de dia 26 será de maratona no centro histórico de Coimbra. Primeiro, o Colégio do Espírito Santo revela os resultados de um “workshop” orientado por Cheila Pereira com o Clube Património da Escola Eugénio de Castro, o Satélite Jazz. Depois, no Colégio da Graça, João Mortágua desvenda o seu novo projecto a solo, Holi, aos seus saxofones juntando flautas, melódicas e processadores electrónicos. Prometida está uma viagem sónica que «parte da ideia holística de celebração das cores como veículo de descoberta do caminho para a libertação cósmica». Finalmente, no Colégio de São Pedro, estará o duo Paisiel, de João Pais Filipe (bateria, percussão) e Julius Gabriel (saxofones tenor e barítono), para uma prestação que irá mais além do jazz, mas tem igualmente as estrelas como inspiração, «enquanto música radiográfica que habita algures na zona intermédia entre a recepção e a emissão de sinal, como uma central telefónica do cosmos».
No mesmo dia, mas a começar o serão e no outro lado do Mondego, no Convento de S. Francisco, chega o Carla Bley Trio. Com esta banda, a histórica pianista e compositora tem confirmado ao longo dos últimos 20 anos que não é apenas uma criadora de universos orquestrais, tendo também boas ideias para uma música que se pretende diminuída nos seus recursos, despojada, límpida e introspectiva. O último título com este formato, “Andando el Tiempo”, de 2016, tem até uma tónica de mistério que só um trio sem bateria poderia congeminar. O entrosamento de Bley com o baixista Steve Swallow e o saxofonista – agora residente em Portugal – Andy Sheppard é enorme e explica muito do que conseguem fazer ao vivo. À noite também, mas no Salão Brazil, vez depois para o saxofonista Desidério Lázaro tocar o seu “Moving”, mas com uma formação diferente da do disco: em vez de João Firmino, Francisco Brito e Joel Silva teremos os igualmente competentes Ricardo Pinheiro nas guitarras, António Quintino no contrabaixo e no baixo eléctrico e Diogo Alexandre na bateria. Para quem ouviu o dito, soará algo diferente.
O fecho do Jazz ao Centro faz-se com duas outras aliciantes propostas. Numa segunda ida ao Convento de S. Francisco, iremos ao encontro dos LAN, trio transnacional que encantou os apreciadores do jazz com o recente “Setembro”. Nas mãos de Mário Laginha (piano), Julian Arguelles (saxofones soprano e tenor) e Helge Norbakken (bateria, percussão) cada construção a três é um gesto, como se a música fosse desde logo dança. Elegantes, inventivos e de uma desconcertante beleza, os temas que iremos ouvir não deixam ninguém indiferente. Depois, no Salão Brazil, actua o grupo Corda Bamba, no qual dois portugueses, Hugo Antunes (contrabaixo) e Luís Vicente (trompete), contracenam com três ilustres do circuito internacional, designadamente o pianista Alexander Hawkins, o saxofonista tenor John Dikeman e o baterista Mark Sanders. É uma versão ligeiramente diferente do quinteto que esteve em residência nos Encontros do ano passado, com Sanders a substituir Roger Turner, mas com o mesmo tipo de enfoque: a livre-improvisação. Na circunstância será lançado, pela JACC Records, o disco então gravado.
O 16º Jazz ao Centro terá mais a acontecer para além dos normais concertos… Para espevitar a curiosidade dos conimbricenses, nos dias 13, 15 e 16 de Outubro haverá o Próxima Paragem: Jazz, ou seja, uma série de miniconcertos nos autocarros de Coimbra. No Convento de S. Francisco, estreia-se a 26 e 27 um novo espectáculo didáctico, promovido pelo Serviço Educativo do Jazz ao Centro Clube: “Boca de Incêndio” conta com os préstimos de Yaw Tembe, Raquel Lima e Sebastião Bergmann. Na manhã de 27, Laginha, Arguelles e Norbakken farão uma “masterclass” no mesmo local.