Orquesta del Tiempo Perdido: “SEPK” (Shhpuma)
Shhpuma
O Verão favorece a leveza. Por vezes, entre o calor e o refresco da água a vida pede música daquela que não irá dar início a uma nova religião. Que se deixe ouvir: alguma substância, mas sem exageros. “SEPK” é o disco ideal para esse momento.
Não se infira a partir daqui que a música de “Sepk”, o terceiro deste coletivo que existe desde 2015, é ligeiro e alegrete. Pelo contrário. É um ambiente desconsolado, de uma banda de um circo sem público. Música de homens cujos sonhos ficaram sem gás e tocam com o sorriso do gato de Cheshire.
É o contraste musical entre uma certa leveza e um pessimismo exemplar que torna a música da orquestra muito interessante.
O nome é castelhano - “Orquesta del Tiempo Perdido”, mas o grupo é holandês. Saiu da cabeça do guitarrista e compositor Jeroen Kimman. Fala de organizações improvisadas porque a música é desengonçada. De um jogo de espelhos e ilusionismo. Anda devagar porque parece que se está a desmontar, como se as pautas estivessem sempre a escorregar.
A percussão desempenha um papel importante. Há vários instrumentos que constroem um fundo, todos eles estranhos, com sonoridades inusitadas – sinos, castanholas, harmónio, lap steel guitar, flatas de pan – e temos sempre a sensação que há imensa coisa a acontecer no fundo, uma certa loucura sobre a qual os sopros, na frente, tentam manter uma aparência de normalidade. As melodias são atraentes, fáceis de perceber. A forma como são tocadas, desmonta-as.
Dez músicos de Amsterdão são a orquestra e interpretam como se estivessem muito drogados a tentar enfiar uma linha numa agulha. O nome da orquestra traz uma clara referência à obra de Marcel Proust que se dedica a analisar a substância do tempo. Para Proust esta “procura” da essência do tempo seria um caminho para a compreensão das suas leis. A questão do tempo está sem dúvida presente nesta escrita flexível e elástica. O som do grupo soa mole como a borracha, mas a Orquesta del Tiempo Perdido segue impassível, como se tudo fosse normal e interpreta esta visão musical líquida com precisão. (Também a capa tem uma ilustração que parece saída de um livro de fotonovelas dos anos 70).
Apesar de alguns músicos que associamos claramente ao jazz e à improvisação como John Dikeman e Michael Moore, não é fácil classificar sem dúvidas este disco nas prateleiras do jazz. Se não o for, está na fronteira. É música curiosa e nova e vale a pena. É o que importa.
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SEPK (Shhpuma)
Orquesta del Tiempo Perdido
Jeroen Kimman (guitarra, pedal steel guitar, guitar barítono, percussões, samplers, castanholas, harmónio); Anna voor de Wind (clarinetes); Floris van Bergeijk (sintetizadores); John Dikeman (saxofones); Joost Buis (trombone); Koen Kaptijn (trombone); Koen Nutters (contrabaixo); Michael Moore (saxofone alto e clarinete); Mark Morse (lap steel guitar, sintetizadores e samplers); Patricio Wang (flautas de pan); Tristan Renfrow (bateria)