Kokoroko: “Could We Be More” (Brownswood Recordings)
Brownswood Recordings
Mais um produto da máquina comercial inglesa, que – dizem – deu um excelente concerto em Paredes de Coura. Por isso há que ir ouvir o disco. A contracapa tem impresso o logotipo da banda, quase igual aos dos Osibisa. Antigamente chamava-se cópia, hoje “Inspiração”. Fomos à procura do Wally.
O primeiro som do primeiro tema “Tojo” também é “inspirado”: estamos no Isaac Hayes do início dos anos 70 (entre “Shaft” e “Though Guys”). Este jazz inglês têm uma característica transversal: tem que ser muito vendável. E por isso prescinde da secção rítmica. O que ouvimos nos primeiros três segundos de qualquer uma das músicas é o que vamos ouvir a música toda. Não vai haver surpresas nem variações: baixo e bateria criam um refogado para que o ouvinte passe pelas músicas sem sobressaltos. Estas músicas não estão aqui para levantar questões existenciais, clímaxes, ou ideias para remoer. Servem para um restaurante rooftop do Algarve ou para andar de autocarro.
As músicas sucedem-se e a glândula pineal acelera a produção da melatonina. Inevitavelmente o sono aparece. A fórmula é sempre a mesma: bases rítmicas repetitivas e estáveis de inspiração africana + frases rápidas dadas pela secção de metais de inspiração Fela Kuti (se ele imaginasse a “exploitation”) + solos + sons espaciais. À medida que o disco vai avançando, a guitarra - tocada nos agudos, com frases pequenas, típica do a música sul-africana e angolana - ganha maior presença. Coros femininos com frases importantes como “ta-na-na-na-na” ou “The soulful endless nights, when we would dance in the moonlight, bodies so close enought to Fahrenheit”. Quando vão para os temas políticos (“Outro”) não podemos esperar nuvens em forma de cogumelo: “Something’s goin’on/something’s happenin’now”. Mantêm a coisa vaga não vá assumirem uma posição que lhes possa custar um subscritor no Spotify. A revolução passadas a ferro. Uma procura enorme de conformidade comercial.
Os solos, se é que assim lhes podemos chamar, não saiem da tonalidade e passeiam-se tranquilamente para cima e para baixo como as famílias na marina de Vilamoura. Trompete com muito reverb, saxofone com uma sonoridade polida e aguda.
Em "Zelig", de Woody Allen, a obsessão da personagem pela conformidade conduz ao fascismo. A palavra – “zelig” – ficou um descritivo para as pessoas que estão constantemente a abandonar as suas posições e a adotar outras mais populares. Com algumas raras exceções, este tem sido o caminho do jazz inglês: outrora produtor de uma das revoluções do jazz, hoje a ir “inspirar-se” em tudo o que possa render (condimentada com temas societais fraturantes). Afrobeat, highlife, soul e funk branqueados com os glutões que lavam mais branco e passados a ferro, ressurgem “inspirados” para um mercado que prefere o som do bar ao do mar na praia.
Apesar de este ser apenas o primeiro disco da banda, já foram medalhados: ‘Best Group’ dos Urban Music Awards 2020, Parliamentary Jazz Awards de 2021, “One To Watch” do The Guardian (até tu Brutus!). A máquina inglesa está bem oleada.
O que temos verificado é que a maior parte destas bandas “cai”, quando toca ao vivo. Nubya Garcia, Alfa Mist, Theon Cross, Yazz Ahmed ao vivo são fraquíssimos. O relato que chega do Paredes de Coura não confirma a regra. Aguardemos.
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Could We Be More (Brownswood Recordings)
Kokoroko
Sheila Maurice-Grey (trompete, voz); Cassie Kinoshi (saxofone, voz); Richie Seivwright (trombone, voz); Onome Edgeworth (percussão); Ayo Salawu (bateria); Tobi Adenaike-Johnson (guitarra); Yohan Kebede (sintetizadores, teclados); Duane Atherley (baixo, sintetizadores, teclados)