One Small Step: “Gol Variations” (Clean Feed)
Clean Feed
Como é que o sapateado nunca tinha sido usado no jazz atual é um mistério semelhante ao da matéria negra. Começaram ambos no mesmo lugar, na mesma altura e pelas mesmas razões. Cruzaram a tradição europeia com a africana, estiveram ligados no início. Depois separaram-se e foi uma alemã, criada na Noruega, que os volta a unir. A colaboração entre sapateadores e músicos de jazz deu-se nos primórdios das duas formas criativas, aproveitando o facto de partilharem uma enorme riqueza e complexidade rítmicas. Regressa agora com os One Small Step. É Irresistível.
Janne Eraker dedicou-se ao sapateado. Foi formada pela escola norte-americana, depois de uma passagem pelo ensino desta forma de dança na europa, conhece (e trabalha com) as rotinas da broadway e irlandeses; mas percebeu que o sapateado pode ser muito mais do bater rapidamente os pés fingindo que se cai para a frente, sorrindo como o gato de Cheshire e abrindo e fechando os braços sincopadamente. Eraker é uma das peças angulares deste trio e o seu trabalho (com e fora dos One Small Step) como sapateadora é notável e está a abrir portas no género
Nasceu na Alemanha, cresceu na noruega e estudou em Oslo, Rotterdão e Nova Iorque. Não é uma só sapateadora (tap dancer): é uma música que usa o sapateado com instrumento, incorporando as ideias do jazz e da música improvisada mas também da dança contemporânea. Investiga as possibilidades que surgem quando amplifica, modifica e grava o som do sapateado, na tábua mas também na água e noutros “tablados”. Usa também diferentes tipos de taps (as partes metálicas que fazem barulho nas pontas dos sapatos), chegando ao ponto de experimentar com pickups, microfones de contacto nos sapatos e no chão.
“Gol Variations” é o seu primeiro disco e também a estreia deste trio, os One Small Step. E se a curiosidade com o trabalho de Eraker já deveria ser suficiente, o resto dos músicos são igualmente importantes nesta construção desta musica tão especial.
Vegar Vårdal usa o violino de Hardanger, uma membro muito particular da família do violino, tradicional da noruega. Também canta e dança. Tal como a sapateadora, tem uma abordagem única e original deste instrumento único que é parte violino de Hardanger, parte voz e parte corpo e dança.
Roger Arntzen no contrabaixo é o elemento mais estável. Conhecemo-lo como contrabaixista do quarteto “Chrome Hill” cujos discos misturam o som da guitarra dos Apalaches com o jazz, cujos discos temos acompanhado aqui, aqui e o mais recente, com um duo japonês ("norwegian cowboy meets japanese psicadelia"). É ele quem dá a estrutura a este grupo e permite que os outros dois divaguem livremente.
Conhecemos os One Small Step no festival “Causa e Efeito” e impressionaram-nos. Ao vivo são únicos. Por isso ficámos curiosos para saber como é que o disco resistia à ausência da parte performativa.
A voz e a percussão dominam a música. Sons estranhos, que não associamos a instrumentos musicais: bateres, assobios, metais com diferentes distâncias. Por vezes surgem ritmos definidos, mas não conseguimos distinguir totalmente entre aquilo que seria o som do sapateado, palmas e outras dezenas de sons curiosos. Roger Arntzen está sempre preocupado em trazer estes sons desconexos para um mundo musical, construindo diálogos, acentuando movimentos rítmicos, sublinhando contínuos. Mas Vegar Vårdal e Janne Eraker estão sempre a puxar a música para outros lugares, para um mundo enlouquecido de vozes e batimentos.
Quem ainda se lembrar da forma como David Moss toca bateria ou mesmo quando Han Bennink sai do seu kit de bateria e começa a percutir tudo o que o rodeia, fica com uma ideia do universo sonoro de One Small Step.
Um disco honesto, feito com improvisação a sério, com o kairos, a arquitetura e a acústica do espaço (uma igreja toda em madeira do século XII). Com instrumentos humanos. Muito bonito porque nos instala num manicómio sonoro medicinal, cheio de acontecimentos musicais curiosos, de sons estranhos, onde há uma enorme capacidade de fazer música com o que resulta do movimento do corpo, com a arquitetura e com o momento. Um disco único.
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Gol Variations (Clean Feed)
One Small Step
Janne Eraker (sapateado); Vegar Vårdal (violin, voz); Roger Arntzen (contrabaixo)