Ingebrigt Håker Flaten: “(Exit) Knarr” (Odin / Vossa Jazz)
Odin
Mais um disco nórdico com uma formação alargada. Nas terras bóreas, a pandemia parece ter gerado uma vontade de coletivo e sucedem-se os discos de “big bands”: o Paal Nilssen-Love Circus, a Gard Nilssen Supersonic Orchestra, a Fire! Orchestra o Andreas Røysum Ensemble e agora temos o octeto do “The Man With the Bass”.
Para “(Exit) Knarr” Ingebrigt Håker Flaten compôs música extremamente cuidada e organizada. Uma escrita para coletivo rigorosa para música alegre, veloz e, claro, com linhas de baixo que se colam ao corpo como se fossem reggae.
Começamos com palmas e com uma espécie de rumba a colapsar. Subitamente, esta música que parecia tão definida e dançável fica instável como o urânio. Percussão, mais ritmo, até que – surge o baixo para salvar a situação, une tudo com uma linha sólida como betão e abre o lugar para a melodia. Novo busílis. As linhas melódicas são sofisticadas, exigentes, divididas ente trompete, saxofones, clarinete e guitarra elétrica e piano. É esta a beleza de todo o disco. Ritmos fabulosos (ou não estivessem em campo duas baterias), melodias complexas, linha de baixo eficazes como o ataque a Pearl Harbour.
Melodias palacianas sobre ritmos mundanos. A mistura não podia ser mais atraente, como alguém que mistura futebol e Tchekhov na mesma conversa. Desejo e saudade, zelo e melancolia, inspiração e vontade de criar laços cativantes de comunicação.
Ingebrigt não é conhecido por facilitar as coisas. Ao manter o seu contrabaixo equipado com cordas de tripa natural, obtém uma som suave e uma brandura orgânica. Como um Amish que mantém o trator na garagem e lavra o campo com um cavalo e um arado, Ingebrit tem um som de contrabaixo “natural”: tripa e madeira. O esforço físico que é preciso fazer para que o instrumento soe, ouve-se na música.
“Knarr” é o termo nórdico antigo para um tipo de navio construído para longas viagens marítimas, muito veloz, imensa navegabilidade em tempestades, usado durante a expansão viking. (Sair) do Knarr dá-nos uma imagem irónica (com um “exit” entre parêntesis) de uma vontade de abandonar este processo de expansão do jazz nórdico. A história deste tipo de navio contada em música, com 6 peças como se fossem seis destinos de uma viagem: Austin, Trondheim, Oppdal, Chicago, México e Amesterdão.
O amor pela música e pelo jazz música e amor levou-o até Austin, Texas, onde reside (e de onde são os Young Mothers, uma das suas bandas, e onde fundou o festival Sonic Transmissions).
Foi no prestigiadíssimo curso de jazz da NTNU University de Trondheim que estudou e foi aó que conheceu Håvard Wiik e Paal Nilssen-Love, com quem mantém uma sólida relação pessoal e musical (formaram o famoso Atomic, e com Paal e Mats Gustafsson formou o The Thing, só para citar as mais reconhecidas). Foi em Trondheim que se fez um músico de jazz e um contrabaixista e foi para lá que regressou depois de uma série de eventos globais (pandemia) e pessoais.
Håkkåran em Oppdal, foi para onde se dirigiu com um bilhete só de ida, depois de perceber que as fronteiras iriam começar a fechar. Este tema é um “slow” lindíssimo, talvez o tema mais melodioso e romântico de Ingebrit. O ambiente pastoral norueguês (e uns ritmos latino americanos no final do tema) constroem uma melodia assassina, daquelas que entra diretamente para a playlist “promessas carnais”. A guitarra de Oddrun Lilja Jonsdottir, com um som muito próximo ao de Terje Rypdal do início dá a estocada final em qualquer dúvida que persista.
O contrabaixista mudou-se para Chicago em 2006 por questões do coração, mas ficou pela música. O título da música (“À La Lala Love You”) é uma referência clara ao clássico soul dos Delfonics ("La-La (Means I Love You)") que é inúmeras vezes citado, desde “Saturday Boy” de Billy Bragg até aos Pixies (“La La Love You”) e tem várias versões (incluindo Prince). O trabalho das duas baterias neste tema, que nunca se sobrepõem e que constroem uma pista de corridas para o saxofone (Atle Nymo) e para a guitarra agalopadas é notável. O solo de sintetizador vintage de Oscag Grönberg arrasa.
Foi em Mexico City que o compositor encontrou sólidas amizades para a vida e a natureza vibrante, caótica e colorida da cidade fixou-a na viagem pessoal do músico. Mette Rasmussen, já sabemos, grita com o saxofone como quem está a salvar a vida num solo igníscente.
E para acabar “Museumplein” é um agradecimento a Amsterdão, com uma clara referência a um dos museus mais extraordinários do mundo. Acaba num crescendo enlouquecido (quem tem Mette Rasmussen a bordo sabe que pode soprar velas gigantes) que se dissolve em sons que vão ficando cada vem mais inaudíveis.
O disco foi gravado no Studio Paradiso com a banda a tocar toda em conjunto, como se fosse ao vivo. “(Exit) Knarr” é sobre uma viagem de vida, amizades, descobertas e o lugar a que chamamos casa. É sobre uma percurso de 35 anos à procura de uma música e de um som. Vale a pena ouvir.
-
(Exit) Knarr (Odin)
Ingebrit Håker Flaten
Ingebrigt Håker Flaten (contrabaixo e baixo elétrico); Mette Rasmussen (saxofone alto); Atle Nymo (saxofone tenor, clarinetes); Eivind Lønning (trompete) Oddrun Lilja Jonsdottir (guitarra elétrica, voz); Oscar Grönberg (piano e teclados); Veslemøy Narvesen (bateria e percussão); Olaf Olsen (bateria e percussão)