Andreas Røysum Ensemble: “Fredsfanatisme” (Motvind Records)
Motvind Records
O preconceito diz-nos que no norte da Europa têm corações de nitrogénio líquido. Mas a música diz-nos precisamente o contrário: que os deles batem como o “Drum Boogie” de Gene Krupa. “Fredsfanatisme” é um disco lançado no final de 2021 mas que a providência quis que só chegasse até nós neste agosto. Apesar do atraso cremos que vale a pena dá-lo a conhecer até porque dá um grande disco para se ouvir no verão.
O ensemble de Andreas Røyson é uma unidade festiva de nove músicos, guiados pelo clarinete do líder e compositor, à maneira de um grupo clássico de swing de Benny Goodman, Johnny Dodds, Jimmie Noone ou Sidney Bechet; só que como levam quase 100 anos de vantagem sobre os pioneiros, não ondulam e deslizam, mas pendulam. Usam os pilares dos ritmos africanistas e os ciclos repetitivos para construírem uma ideia musical nova.
Para chegar até à música é necessário passar um último obstáculo: a capa. É difícil.... atira-nos para uma linguagem etno crafty, com uma manualidade amadora. Julgando-o pelo invólucro, poderá haver a tentação de esperar um entusiasmo xamânico (e a música do norueguês assenta em ciclos), ou pela “world music” (encontramos de facto alguma repetência afrobeat etíope). Se fossem ingleses a coisa já estava rotulada como “Espiritual”, “Afrobeat” e “Afro-futurista”. Mas a verdade é que esta música não quer ceder facilmente às gavetas comerciais criadas pelos departamentos de marketing de sua majestade - tão boas para vender mas tão insuficientes para quem não tem como prioridade andar a por queijo em ratoeiras. Não são músicas redondinhas, com a bateria e o baixo convenientemente hip-hop-peiros.
Por cima de todas estas referências (que estão lá) há uma abstração expressionista, que nos habituámos a encontrar no jazz norueguês. O espaço para a liberdade individual e algum desalinho. A bateria e o baixo montam as linhas fortes com grooves simples; as linhas melódicas são atraentes. Durante 75 minutos o grupo está coeso. É impossível não abrir as janelas e deixar entrar o ar quente.
Formado pela nova geração escandinava (a provar que Paal, Ingebrit, Mats, Gard e companhia, deixaram - formaram – sucessores), o ensemble conta com músicos como Signe Emmeluth (que ouvimos na orquestra de Gard Nilssen em Lisboa) e que elogiámos a liderar o seu grupo no concerto no festival de Ljubljana.
O som do grupo, com o clarinete a liderar, tem um som frondoso: flauta e dois saxofones (alto e tenor), violino, violoncelo e contrabaixo e percussão. Além da dimensão orquestral nota-se também um gosto a madeira, que é dado pela presença só de instrumentos acústicos (não elétricos ou eletrónicos) e pela família dos cordofones do violino e pelos quatro sopros (onde se destaca o clarinete baixo e contrabaixo, cujo som tem a beleza própria para os salões de Ludwig da Baviera).
Foi no jazz em Agosto, no meio de um afã papal, que nos apresentaram este ensemble nórdico, cuja sóbria alegria e espiritualidade humanista nos emocionou. Tocam uma nova forma de “rejoicing”, que retoma uma longa história que vai de Bechet a Ayler e se prolonga no AACM e no Art Ensemble Of Chicago; ao ser relida pelo espírito do norte da Europa transmuta-se numa nova forma de homilia musical festiva: Deus tem de facto uma enorme variedade de truques de magia na manga da sua divina túnica.
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Fredsfanatisme (Motvind Records)
Andreas Røysum Ensemble
Henriette Eilertsen (flauta); Signe Emmeluth (saxophone alto); Marthe Lea (saxophone tenor); Andreas Røysum (composição, clarinete, clarinet baixo e contrabaixo); Hans P. Kjorstad (violin); Joel Ring (violoncello); John Andrew Wilhite-Hannisdal (contrabaixo); Christian Meaas Svendsen (contrabaixo); Ivar Myrset Asheim (bateria e percussão)